Advocacia no feminino, dizem elas

Seis advogadas estiveram à conversa com a Advocatus e colocaram em cima da mesa o que pensam sobre o papel da mulher na advocacia e como analisam a progressão de carreira nas sociedades.

A advocacia esteve durante vários anos restrita às mulheres. Só em 1918 viram assegurado o seu direito de acesso à advocacia através da publicação de um diploma.

102 anos depois no setor ainda existem muitas mudanças a fazer de forma a garantir a paridade de géneros nos vários aspetos inerentes ao funcionamento das sociedades. A meritocracia por vezes é colocada para segundo plano na hora de decisão de cargos de topo. À Advocatus, profissionais da área da advocacia garantiram ser necessário mudar mentalidades, desde o topo da pirâmide até à base, pois só assim o setor conseguirá evoluir.

Ainda assim, o papel que a mulher desempenha na advocacia não é o mesmo que há 20 anos, pelo menos é este o entendimento da maioria das advogadas que estiveram à conversa com a Advocatus.

Atualmente é bastante comum ver mulheres em cargos de gestão de escritórios e responsáveis pela definição dos mesmos, algo que não sucedida há 20 anos, quando a mulher era, na maioria dos casos, apenas uma advogada”, nota Florbela Reis, associada sénior da DLA Piper ABBC.

Também Vera Martinez, associada da CCA Law Firm, partilha da posição da colega e acrescenta que nos últimos 20 anos houve um “crescimento substancial do número de mulheres na advocacia”, o que alterou o papel que desempenham na profissão.

Segundo os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística, em 2018 existiam 17.751 mulheres inscritas na Ordem dos Advogados (OA) e 14.617 homens. Se no ano de 2000 existiam mais homens (10.111) do que mulheres (8.518), em 2018, quase 55% dos advogados inscritos na OA são mulheres.

Apesar destes dados quantitativos demonstrarem um progressivo domínio da mulher na advocacia, nem sempre os número são traduzidos de forma igualitária na progressão de carreira, no equilíbrio entre género nos cargos de topo e na conciliação da vida profissional com a pessoal.

A progressão da carreira profissional para cinco das seis entrevistadas é de uma forma geral equilibrada entre ambos os sexos. ”Parece-me que o sucesso do advogado dependerá em maior medida da sua capacidade técnica, da sua capacidade de trabalho e das suas soft skills, do que propriamente do facto de ser homem ou mulher”, justifica Inês Beato, advogada da Gómez-Acebo & Pombo.

Apesar de concordar que a carreira das advogadas não seja mais difícil que a dos advogados, Sofia Vaz Sampaio, advogada sénior da Morais Leitão, considera que o problema reside na forma como estão formatados para “reconhecer como mais adequado um perfil de liderança” com características que identificam como sendo “tendencialmente masculinas”. A advogada admite que é necessária uma “desformatação”.

Por outro lado, Vera Martinez, da CCA Law Firm, considera que a carreira de qualquer mulher possa ser mais difícil que a dos homens independentemente do setor ou área profissional. “Na advocacia, as mulheres ainda encontram alguns obstáculos que não são colocados aos homens, e enfrentam desafios que estão diretamente relacionados com o papel social que uma mulher pode querer ocupar na sua vida pessoal e principalmente se quiser constituir família”, acrescenta.

Chegar ao topo de uma sociedade

Apesar de a progressão de carreira ser atualmente igualitária para ambos os géneros segundo as entrevistadas, será que mulheres nos cargos de topo das sociedades é também uma realidade?

Exemplos práticos demonstram que é possível. Maria João Ricou e Mafalda Barreto ocupam os lugares cimeiros das ibéricas Cuatrecasas e Gómez-Acebo & Pombo, respetivamente, mas em sociedades de advogados nacionais são raras as circunstâncias em que isso acontece.

“Apesar da evolução que se tem verificado nesta matéria, é incontestável que o desequilíbrio entre géneros nos cargos de topo ainda é uma realidade. Estudos recentes revelam que a percentagem de cargos de topo ocupados por mulheres se situa abaixo dos 30”, refere a advogada Inês Beato, acrescentando que a desigualdade remuneratória é ainda um problema.

 

A advogada principal da Abreu Advogados, Sofia Silva e Sousa, concorda que o desequilíbrio de géneros nos cargos de topo é uma realidade, mas assegura que esse “desequilíbrio tem vindo a atenuar-se em Portugal, por força da Lei das Quotas, os números têm a vindo a sofrer uma significativa retenção”.

A lei das quotas de género entrou em vigor em 2017 e, segundo a advogada da Abreu, a maioria das mulheres entende que “não é o mecanismo ideal para alcançar um maior equilíbrio de oportunidades entre os géneros”. Ainda assim, acredita que permitiu que mais mulheres atingissem lugares de topo.

“A desigualdade de género na liderança empresarial, como na política e genericamente em todos os cargos de topo, é obviamente uma realidade, como aliás, nos dizem os estudos que se vão fazendo sobre o tema, mas estamos finalmente a reconhecer o problema de forma mais séria e comprometida e a debater as soluções”, nota Sofia Vaz Sampaio.

Géneros à parte, Inês Beato considera que a meritocracia é o principal critério para alguém assumir um cargo de topo. “Acredito verdadeiramente que este, e apenas este, é o critério que deve nortear a progressão na carreira”, nota. Posição partilhada pela associada Vera Martinez, que defende que deve haver “espaço para todos com base no mérito”.

“As mulheres são mais intuitivas emocionalmente, fator importante na tomada de decisões e na gestão e pessoas, sejam elas colaboradores, colegas ou clientes”, assegura a associada da CCA.

O multitasking é uma das características que, por outro lado, Florbela Reis aponta para que haja mais mulheres a atingir lugares cimeiros nas sociedades.

E discriminação nas sociedades de advogados entre géneros, será que existe? Mafalda Cunha Luís afirma que na Caiado Guerreiro não existe e acredita que “a sociedade portuguesa já aceitou não só o facto de uma mulher conseguir desempenhar em plenitude e eficiência o seu papel no mundo da advocacia, bem como o facto de o homem já não ser apenas focado no mercado de trabalho, mas também procurar realizar-se num contexto familiar”.

Sofia Silva e Sousa também nunca se sentiu discriminada por ser mulher durante o seu percurso profissional. A advogada principal da Abreu levanta antes a questão da igualdade de oportunidades no acesso a cargos de topo. “A meu ver, este contexto verifica-se, em parte, porque mesmo nas organizações em que a meritocracia prevalece as mulheres nem sempre têm as mesmas oportunidades para alcançar os lugares de topo, tendo ainda que, em regra, dar mais provas para verem a sua competência reconhecida e para lhes ser possível aceder a essas oportunidades”, explica.

Work life balance

Gerir o tempo que dedicam no escritório e o pessoal nem sempre é fácil. O mundo da advocacia é um dos setores mais exigentes, intensos e que requer trabalhar fora de horas.

No mercado de trabalho atual não é apenas a progressão de carreira ou a remuneração salarial que qualifica um desafio profissional. Os profissionais cada vez mais têm preferência por uma empresa que proporcione um equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, o denominado work life balance.

A conciliação destes dois segmentos da vida de um trabalhador é uma questão que não se prende atualmente tanto com o género como era há uns tempo e o “importante é que deixemos de fazer esta pergunta apenas às mulheres”, segundo Sofia Vaz Sampaio que admite serem duas dimensões fundamentais da sua vida.

Mafalda Cunha Luís, advogada da Caiado Guerreiro, acredita que com “organização e foco” é possível conciliar estes dois aspetos da sua vida. “É verdade que a vida de advogada é um trabalho 24/7, porque nunca sabemos quando um cliente nos vai ligar com uma situação de emergência. No entanto, não considero isso um entrave ao desenvolvimento de uma vida pessoal completa”, nota a advogada.

O apoio familiar e a possibilidade do trabalho remoto são alguns dos pontos que Florbela Reis destaca como fundamentais para equilibrar os pratos da balança entre a vida pessoal, que engloba os dois filhos e o vício do ginásio, e a profissional.

A perspetiva de 2020 na advocacia

Com a evolução crescente dos vários setores profissionais, a advocacia não é exceção. Se para Inês Beato este ano continuarão a ser discutidos temas como o “atraso na justiça”, o “impacto da era digital na advocacia e nos modelos de gestão do trabalho”, ou até o Brexit, para Florbela Reis 2020 ficará marcado por uma “maior transparência e accountability dos advogados”.

Espero poder assistir a uma melhoria no apoio a todos os advogados na criação de estruturas de apoio à constituição de família e de suporte na doença, e até nas oportunidades de crescimento profissional, através da aquisição de conhecimentos relevantes”, perspetiva Mafalda Cunha Luís para este ano.

A advogada principal da Abreu Advogados, Sofia Silva e Sousa, considera-se otimista e expectante para a nova década, apesar de todas as alterações económicas, políticas, sociais e tecnológicas muito rápidas que assistimos no mundo. O debate e a reflexão são os mecanismos sugeridos pela advogada de forma a superar os desafios.

Também Vera Martinez defende que o papel do advogado tem de ser “readaptado, redefinido e repensado”. Seja pelos recentes desenvolvimentos do Brexit, pelas alterações climáticas, ou até pelo desenvolvimento tecnológico, 2020 é um “ano de desafios”.

Para o setor de direito laboral, Sofia Silva e Sousa acredita que o maior desafio é “conseguir manter a capacidade de adaptação às novas e mais recentes realidades de organização do trabalho”. Já Inês Beato acredita que a instabilidade criada aos advogados e clientes com as sucessivas alterações legislativas ao Código o Trabalho é um dos grandes desafios.

No que concerne ao setor imobiliário, a estagnação do mercado imobiliário em 2019, as alterações ao regime dos Golden Visa e a redução das vendas de imóveis são alguns dos fatores desafiantes para a área em 2020, segundo Vera Martinez. A “falta de oferta a nível de nacional nos grandes centros urbanos” é o grande obstáculo do setor para Mafalda Cunha Luís.

A má utilização (ou não utilização sequer), muitas vezes por desconhecimento, das formas de resolução de litígio mais adequadas, mas sobretudo a desadequação entre a necessidade de justiça rápida e eficaz e o tempo que o contencioso e mesmo a arbitragem demoram” são os desafios que Florbela Reis consideram principais para o setor de arbitragem e contencioso. Já Sofia Vaz Sampaio aponta o crescimento de uma “certa desconfiança em relação à justiça privada” como o maior desafio do setor.

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