Até os grandes acionistas já estão preparados para a razia nos dividendos

À medida que as empresas tentam acautelar o impacto da Covid-19 nos negócios, a remuneração dos acionistas torna-se mais improvável, especialmente em setores como o da banca.

Esta altura do ano costuma ser de caça aos dividendos mais interessantes, mas não desta vez. Com as empresas obrigadas a adaptar-se ao teletrabalho ou mesmo paralisadas, multiplicam-se os alertas sobre o impacto do surto de Covid-19 nas contas. Supervisores recomendam a suspensão do pagamento de dividendos e até os próprios acionistas já estão preparados para não receberem qualquer remuneração.

“A Fidelity International apoia o apelo feito por alguns reguladores europeus que pedem aos bancos para adiar temporariamente os pagamentos de dividendos até a incerteza diminuir. Caso o outlook económico se deteriore ainda mais, suspensões pragmáticas irão criar almofadas de capital adicionais para que os bancos possam absorver potenciais choques financeiros e reduzir o risco de aumentos de capital”.

A posição é defendida por Romain Boscher, global chief investment officer da Fidelity International. O responsável da gestora de ativos, que é uma das maiores do mundo, refere-se à recomendação feita pelo Banco Central Europeu aos bancos.

A instituição liderada por Christine Lagarde recomendou que, pelo menos até 1 de outubro, não sejam pagos quaisquer dividendos, não seja feito qualquer compromisso irrevogável e que não sejam realizadas recompras de ações para remunerar acionistas. O mesmo acontece com as seguradoras.

Chuva de cortes de dividendos nos bancos europeus

“Enquanto gestores de investimentos ativos, acreditamos que a suspensão do pagamento de dividendos é do melhor interesse de nossos clientes, porque prioriza a estabilidade financeira em tempos incertos e garante que os bancos sejam bem capitalizados e capazes de ajudar famílias e empresas. Defendemos que os bancos europeus se foquem nisso agora”, sublinha Boscher.

Vários bancos já tomaram essa decisão, incluindo o BCP, o único banco português cotado em bolsa. O mesmo foi feito pelos espanhóis CaixaBank, Santander e Bankia, pelo italiano UniCredit pelos holandeses ING e Rabobank ou pelos suíços UBS e Crédit Suisse.

A Fidelity é apenas uma das gestoras de ativos que está a preparar-se para esta situação, que está a colocar a banca em especial destaque. Os bancos estão, por um lado, a ser chamados a intervir para garantir que há liquidez a circular na economia e, por outro, a preparar-se para um potencial aumento do crédito malparado.

Para limitar a pressão, o BCE anunciou estímulos financeiros e um alívio das regras de supervisão. Mas pode não ser suficiente. E, além de uma medida de prevenção, a suspensão dos dividendos poderá vir a ser uma necessidade, como alerta Justin Bisseker, analista especializado em banca europeia, da Schroders.

“O alívio dos requisitos de capital anunciados pelos bancos centrais em toda a Europa é importante por algum tempo, mas antecipamos que os níveis de capital venham a precisar de ser reconstruídos em algum momento. Para alguns bancos, isso irá implicar uma deterioração da capacidade de pagar dividendos e/ou uma necessidade de aumento no número de ações“, diz Bisseker.

O alívio dos requisitos de capital anunciados pelos bancos centrais em toda a Europa é importante por algum tempo, mas antecipamos que os níveis de capital venham a precisar de ser reconstruídos nalgum momento. Para alguns bancos, isso irá implicar uma deterioração da capacidade de pagar dividendos e/ou uma necessidade de aumento no número de ações.

Justin Bisseker

Analista da Schroders

Assembleias virtuais atrasam aprovação de contas

Apesar de a banca estar sob holofotes, a questão não é exclusiva do setor e é agravado, nalguns casos, pela impossibilidade de marcar assembleias gerais presenciais. “O que estamos a ouvir cada vez mais das empresas é que estão a reconsiderar a sua abordagem aos dividendos na atual temporada de assembleias anuais de acionistas”, conta Jörg de Vries-Hippen, gestor de portefólio do european equity dividend fund da Allianz Global Investors.

Há várias razões para isso: “a crescente pressão da sociedade ou porque as assembleias não podem ocorrer e, assim, não podem aprovar as propostas de dividendos, ou simplesmente porque querem ser cautelosas na situação de crise”, refere de Vries-Hippen.

Thomas Buckingham e Sam Witherow, gestores de portefólio da equipa internacional de ações da J.P. Morgan Asset Management lembram que há ainda outra condicionante. “Muitas empresas que, estão a receber apoio público direto ou indireto, estão a escolher não pagar dividendos apesar de terem capacidade. Não o querem fazer e depois vir a precisar”, apontam.

Sublinham que Alemanha e Suíça são dois dos países mais afetados, pois a lei determina que apenas possam ser realizadas assembleias gerais virtuais. Quando não é possível que assim seja, não há aprovação de contas e de remunerações acionistas e, consequentemente, não há pagamento de dividendos. Em Portugal, a recomendação é que essa, mas não é vinculativo.

Petrolíferas mantém resiliência

Além do BCP, outras quatro cotadas da bolsa de Lisboa já cortaram dividendos. A Navigator vai baixar o dividendo para quase metade depois da redução do lucro em 2019, apesar de sublinhar que ainda não teve impacto da Covid-19. Também a Semapa cortou a remuneração para apenas um quarto do que pagou no ano passado.

Já a Novabase, que tinha proposto pagar 26,7 milhões de euros aos acionistas sob a forma de dividendos, cancelou mesmo o pagamento devido à incerteza provocada pelo novo coronavírus. Do outro lado, a EDP Renováveis está entre as empresas que decidiram manter, mas, no mesmo grupo, a EDP Brasil também cortou dividendos.

Vale a pena notar que as principais petrolíferas europeias, uma área tradicionalmente de alto rendimento, não recebem apoio público e, neste momento, continuam comprometidos com os dividendos.

Thomas Buckingham e Sam Witherow

Gestores da J.P. Morgan Asset Management

“Há exemplos de suspensões de dividendos por todo o mercado”, sublinham Buckingham e Witherow, dando exemplos dos setores de retalho de luxo, aeroespacial ou defesa. Quem corre maiores riscos são, no entanto, atividades ligadas a transportes ou lazer.

“Vale a pena notar que as principais petrolíferas europeias, uma área tradicionalmente de alto rendimento, não recebem apoio público e, neste momento, continuam comprometidos com os dividendos”, acrescentam os gestores da J.P. Morgan Asset Management.

Como há exceções no mercado, várias gestoras estão, neste cenário, a fazer stockpicking ou a apoiar abordagens de longo prazo. Dada a incerteza, a recomendação da BlackRock é que “os investidores devem manter uma perspetiva de longo prazo face à volatilidade do mercado”. Os gestoras acrescentam que “o foco está em como a política orçamental e monetária pode preencher a lacuna deixada pela queda do investimento do setor privado“.

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