Advogados a ‘voar’ pelo mundo

Madrid, Barcelona, Londres e Timor foram os destinos dos quatro advogados que a Advocatus foi conhecer. No futuro, os advogados mostram-se indecisos, mas a maioria quer regressar a Portugal.

Duarte Martins, Francisco Martins Caetano, Jaime Lino Neto e João Mascarenhas. Sabe o que têm em comum? São os quatro advogados, trabalham em escritórios multinacionais e partiram para outro país para exercer advocacia.

A procura por melhores oportunidades, novos projetos e o alcance de um desejo pessoal foram os principais fatores que motivaram estes quatro profissionais a rumarem para outro ordenamento jurídico.

A Advocatus foi conhecer a história de quatro advogados diferentes que optaram por dar um novo rumo profissional e pessoal à sua vida.

“Já ‘conheço os cantos à casa’ dos tribunais de Plaza de Castilla”

João Mascarenhas, advogado da Gómez-Acebo & Pombo, mudou-se para Madrid há um ano e meio e admite que a experiência está a ser “fantástica”, apesar de já ter vivido anteriormente dois anos, entre 2013 e 2017, na cidade por motivos académicos e profissionais.

“Dados os obstáculos ao exercício da profissão no estrangeiro, sinto que cada dia saio de casa com um desafio pela frente, isto é, prestar um serviço de excelência num ordenamento jurídico que não é o meu”, conta o advogado à Advocatus.

“Melhores oportunidades” e “desafio pessoal” foram os motivos que levaram João Mascarenhas a abandonar o país natal. “Profissionalmente permite-me ter uma visão ibérica da profissão e servir de ponte entre Portugal e Espanha para os nossos clientes”, nota.

Desde pequeno que sonhava em ir trabalhar para o estrangeiro. Com formação num ambiente internacional, no Liceu Francês de Lisboa, assegura que o seu percurso sempre o fez acreditar que poderia encontrar o sucesso profissional “além-fronteiras”, apesar de “encanto” de Portugal.

“Formei-me em Portugal e exerço a profissão no âmbito do direito penal económico, investigações internas e compliance, ou seja, direito puramente espanhol. Tendo em conta que a lei processual penal espanhola difere estruturalmente do nosso CPP, acho que essa adaptação foi a mais custosa”, refere João Mascarenhas.

O advogado da Gómez-Acebo & Pombo evidencia o apoio da equipa de profissionais da sociedade. “Já ‘conheço os cantos à casa’ dos tribunais de Plaza de Castilla como se estivesse no Campus de Justiça de Lisboa”, nota.

Madrid, EspanhaD.R.

Um voo para o outro lado do mundo

Jaime Lino Neto também decidiu fazer as malas e rumar a outro continente. O associado da Abreu Advogados encontra-se em Timor desde janeiro de 2019.

“É uma realidade muito diferente porque está quase tudo por fazer. Considero recompensador poder participar na construção do país mais novo da Ásia”, conta Jaime Lino Neto à Advocatus.

Há quase um ano e meio em território asiático, o associado garante que a “oportunidade de integrar um projeto sólido e em crescimento, apoiado pelas sociedades Abreu Advogados e C&C de Macau” foi o principal motivo que o levou a mudar de vida.

“Não posso afirmar que fosse um sonho mas sempre tive vontade de aproveitar o resultado dessa experiência”, confidencia.

Num país tão dispare do português, Jaime Lino Neto diz que a adaptação a outro ordenamento jurídico não foi complicada. “As semelhanças do sistema jurídico e da legislação timorense à portuguesa motivaram uma adaptação natural”, explica.

Timor-LesteD.R.

Rumo a Espanha

Barcelona foi a cidade escolhida por Duarte Martins, em janeiro, para se dedicar profissionalmente. Motivado pelo programa de secondments, o associado júnior da Uría Menéndez – Proença de Carvalho assegura que o escritório “incentiva a experiência e formação internacional através do envio de advogados para outros escritórios da firma e dos seus best friends”.

Desafiado pelo escritório, Duarte Martins aceitou e rumou até à cidade espanhola.

A exposição a um ambiente de trabalho e cultural diferente daquele em que comecei a minha carreira como advogado, e onde trabalhei nos últimos quatro anos, revelou-se uma experiência muito positiva. Os desafios próprios de ser apresentado a uma realidade à qual não estou habituado promoveram uma vontade de adaptação rápida e a ambição de querer ter um impacto favorável na mesma”, conta o associado júnior.

Barcelona, Espanha

Duarte Martins confidenciou à Advocatus que desde que começou o L.L.M., em Londres, que “gostava de experimentar viver e trabalhar fora do país”.

Em Barcelona, o advogado centra a sua prática em fusões e aquisições de empresas, o que, dada a “progressiva transnacionalidade”, facilitou a adaptação às normas legais espanholas.

“As operações de M&A em Espanha seguem claras práticas de mercado presentes também em Portugal, partilhando substancialmente o mesmo racional jurídico e obedecendo inclusivamente a um conjunto central de regras em si mesmo semelhante. Apesar da proximidade dos dois ordenamentos, não deixo de sentir uma permanente preocupação quanto à potencial existência de normas conflituantes com aquelas nas quais estruturamos a nossa abordagem legal. A consulta de advogados do escritório de Barcelona tem sido fundamental no esclarecimento destas dúvidas e na viabilização da adaptação à novidade”, explica Duarte Martins.

“O escritório de Londres tem essencialmente um papel estratégico”

Francisco Martins Caetano também mudou de país em janeiro, mas no seu caso o destino foi Londres. O associado sénior da Cuatrecasas conta que sempre quis ter uma experiência internacional e a sociedade que integra “tem as condições necessárias para permitir uma experiência profissional deste género aos seus advogados”.

“Apesar de entretanto ter passado a trabalhar remotamente por causa da pandemia do Covid-19, a experiência está a ser muito desafiante e enriquecedora. O modelo da Cuatrecasas permite continuar a estar envolvido no trabalho ‘normal’ e, ao mesmo tempo, motiva-nos a procurar novas oportunidades e a, constantemente, promover iniciativas de networking”, explica Francisco Martins Caetano.

Para o advogado, este tipo de experiências é muito “positivo para o talento jovem” e muito “atrativo, quando pensamos numa perspetiva de captação e retenção de talento”. Francisco Martins Caetano refere ainda que a ligação da Cuatrecasas a três grandes firmas europeias – a italiana Chiomenti, a francesa Gide e a alemã Gleiss Lutz – é “particularmente vivida no escritório de Londres, pelo facto de estarmos fisicamente integrados”.

Sobre a sua adaptação a um outro ordenamento jurídico, o associado sénior garante que “não há propriamente uma necessidade de adaptação”, uma vez que no escritório prestam assessoria jurídica em direito português e espanhol e não em direito local.

“O escritório de Londres tem essencialmente um papel estratégico de captação e apoio de clientes locais com necessidades noutras jurisdições onde temos escritórios, bem como de apoio a clientes dessas mesmas jurisdições com necessidades de assessoria no Reino Unido”, nota.

Com a saída do Reino Unido da União Europeia, Francisco Martins Caetano acredita que setor da advocacia será um dos afetados. Ainda assim, “tudo vai estar bastante dependente dos termos específicos que constarem do acordo que se vier a firmar”, acredita.

Londres, Inglaterra

O outro lado da aventura

Uma mudança acarreta sempre aspetos positivos e negativos. Se ‘voar’ até outro país já é uma aventura, para um advogado a adaptação a um ordenamento jurídico diferente pode ser uma dor de cabeça.

João Mascarenhas acredita que ao trabalhar num ordenamento jurídico, como o espanhol, existe uma maior facilidade com outros idiomas, que permite-lhes “apresentar índices sólidos dessas mesmas características no front office com o cliente”, e ainda o facto de ser português torna-o num “ativo para a clientela lusófona presente em Espanha e para os clientes espanhóis com negócios em Portugal”.

Também em território espanhol, Duarte Martins refere que a maior vantagem é a aprendizagem com perspetivas próprias de uma cultura e ordenamento jurídico diferentes.

Por outro lado, Jaime Lino Neto destaca a oportunidade de assessorar clientes de diferentes nacionalidades, “tanto da Ásia como da Oceânia” uma vantagem de trabalhar num exercício diferente.

Há poucos meses em Londres, Francisco Martins Caetano vê uma grande vantagem em conhecer uma realidade diferente, “o que é sem dúvida um aspeto muito enriquecedor”. Ainda assim, aponta que sair da “zona de conforto tem sempre algumas implicações que requerem um esforço de adaptação”.

A desvantagem de trabalhar em Barcelona está na língua. O Catalão é uma língua difícil de compreender. Apesar de a grande maioria dos advogados com quem trabalho falar Castelhano, acompanhar as negociações e os comentários aos contratos preparados no contexto de operações locais é um desafio”, aponta Duarte Martins.

Já João Mascarenhas sente maior dificuldade em explicar a um cliente espanhol que o advogado que o está a assessorar num processo-crime, perante a jurisdição espanhola, é português.

“Apesar de identificar mais como um desafio, realço a dificuldade no acesso e acompanhamento da legislação em vigor, que se concretiza tanto na escassez de legislação consolidada como na atualização pontual e parcial do Jornal da República online”, nota Jaime Lino Neto.

Futuro: lá fora ou cá dentro?

À Advocatus, os quatro advogados encontram-se divididos sobre se o seu futuro passa por continuar a trabalhar no estrangeiro ou regressar a Portugal.

Para João Mascarenhas a resposta é clara: pretende continuar “lá fora”. “Daqui a 20 anos vejo-me a exercer a profissão sob a forma de ponte entre os dois países, Portugal e Espanha, integrando um escritório ibérico”, refere. Por outro lado, Duarte Martins e Jaime Lino Neto perspetivam o seu futuro em Portugal.

“Sempre quis trabalhar e viver uma temporada fora de Portugal, mas a longo prazo não me imagino fora do meu país”, conta Duarte Martins.

Contudo, Francisco Martins Caetano mostra-se indeciso. “Neste momento, está programado ficar no escritório de Londres até ao final de 2020 e estou focado em atingir os objetivos que definimos conjuntamente para este período. É prematuro pensar numa perspetiva a tão longo prazo”, assegura.

Na nova década que se inicia, Jaime Lino Neto, associado da Abreu Advogados, refere que o principal desafio da profissão é perceber em que medida o exercício da advocacia pode ser posto ao serviço da sociedade e apoiar os vários setores de atividade que se vão reinventado.

“A par deste, temos desafios antigos que se estendem a esta década, particularmente o combate à desinformação e a necessidade de acesso a fontes fidedignas para assessorar os clientes tão rápido quanto possível. Estes fatores dão origem a um esforço acrescido e transversal a todas as áreas da advocacia moderna”, acrescenta.

Para João Mascarenhas os desafios que se impõe são “empatia com o cliente”, “disponibilidade” e “criação de soluções juridicamente inovadoras”. Defende que é necessário “pensar fora da caixa” e ainda que ser “tecnicamente bom, hoje em dia, não é sinónimo de equity numa sociedade de advogados”.

Já Duarte Martins, associado sénior da Uría Menéndez – Proença de Carvalho, refere a “adaptação às novas tecnologias e o ceticismo em relação à mudança que as mesmas possam exigir” como os grandes desafios. “A advocacia não é uma área estática, mas evolui por reação e em cumprimento de procedimentos necessários mas demorados. A assessoria jurídica a prestar numa sociedade cada vez mais tecnológica, passa por uma necessária inovação digital da advocacia”, nota.

Por fim, Francisco Martins Caetano acredita que o desafio é a crescente competitividade do setor “quer no que diz respeito à captação de clientes, quer no que diz respeito a atração de talento onde há um desafio adicional relacionado com a integração da chamada ‘Geração Z’ nas estruturas tradicionais de um escritório de advogados”.

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