Em entrevista ao ECO no final de janeiro, CEO da Unbabel Vasco Pedro dava conta das "dores de crescimento" motivadas pelo aumento da pressão de uma ronda Série C. O Covid-19 motivou reestruturação.
Na sequência do impacto da crise do coronavírus no mundo e, em particular em setores como o turismo e a aviação — nos quais se movem alguns dos grandes clientes da Unbabel — a startup fundada por cinco portugueses decidiu avançar para uma reestruturação que levou ao despedimento de 35% das 266 pessoas que trabalham na empresa, avançou o ECO esta terça-feira.
“Anunciámos hoje internamente uma reestruturação da empresa. Esta medida vai afetar 35% dos nossos colaboradores. Enquanto empresa tecnológica que opera no mercado global, com clientes em indústrias variadas, algumas das quais afetadas pela situação económica resultante da pandemia do Covid-19, tivemos de tomar esta decisão, indesejável, mas infelizmente necessária, para garantir a continuidade e a sustentabilidade da empresa”, detalhava Vasco Pedro, CEO e cofundador da empresa, em comunicação oficial.
Em resposta a um post na rede social Facebook, Vasco Pedro acrescentou ainda que a “decisão muito difícil, numa situação difícil”, foi “necessária para manter a viabilidade da empresa e dos empregos da maioria dos nossos colaboradores”. “A Unbabel é uma startup, e como tal o nosso financiamento e sustentabilidade rege-se pela expectativa do nosso crescimento. Com a crise global que se começa a apresentar as projeções de crescimento são substancialmente reduzidas e como tal, se não tomarmos as medidas urgentes que estamos a implementar, a empresa não conseguiria continuar a operar“, acrescentou o cofundador e CEO da startup. “Dado a conjuntura atual a possibilidade de levantar dinheiro será impossível nos próximos 18 meses, pelo que infelizmente temos de tomar esta decisão”, acrescentou ainda.
Em conversa com o ECO, no final de janeiro deste ano, Vasco Pedro dava conta dos desafios inerentes a um crescimento rápido, desencadeado pela angariação de uma ronda Série C no valor de 60 milhões de dólares. Em 2019, a Unbabel cresceu geograficamente — acrescentando aos escritórios de Lisboa e de São Francisco, novas localizações em Pittsburgh, Nova Iorque e Singapura — e duplicou a faturação para dez milhões de dólares. Ao mesmo tempo, disparou contratações: o número de trabalhadores também duplicou, com a contratação de 179 pessoas.
“Foi um ano muito importante. (…) Duplicámos o tamanho. Duplicar no geral é sempre complicado mas, da fase em que estávamos para onde estamos agora, isso obriga a uma grande maturidade da empresa a nível de processos, de coisas que não tínhamos como a infraestrutura básica que vai permitir à empresa escalar do ponto de vista de colaboradores. Quando somos 30 ou 40 à volta de uma sala é muito fácil uma pessoa gerir. Quando, de repente, passamos a 200 e deixamos de conhecer toda a gente, a complexidade aumenta”, assinalou Vasco Pedro na entrevista que reproduzimos abaixo.
Entre Portugal e os Estados Unidos. Onde passa mais tempo?
No ano passado, passei a maioria do tempo lá onde. Agora, com mais de 200 pessoas cá, é importante eu passar tempo suficiente nos Estados Unidos para ajudar no crescimento do escritório, da parte de estratégia nos Estados Unidos e dos investidores mas, também cá, porque temos em Portugal a maioria das pessoas, e grande parte da cultura acontece aqui.
Como tem crescido a Unbabel?
Somos agora 266 pessoas. Em Lisboa, São Francisco, Pittsburgh e Nova Iorque, e agora Singapura. A ideia é manter estes escritórios e, provavelmente, abrir mais um ou dois na Europa. Não está fechado, mas provavelmente será Alemanha e Suécia. Os países nórdicos são um mercado importante para nós no geral. No nosso use case de customer service, um dos grandes benefícios é que, quanto mais difícil é a língua, mais vantajoso é usar a Unbabel. E, nos países nórdicos, é mais difícil encontrar pessoas que queiram fazer serviços de apoio ao cliente: são mais caros e um tipo de trabalho que não é particularmente apetecível.
Qual o balanço de 2019?
Temos estado a rever e foi um ano muito importante. Contratámos 179 pessoas, ou seja, duplicámos o tamanho. Duplicar no geral é sempre complicado mas, da fase em que estávamos para a que estamos agora, obriga a uma grande maturidade da empresa a nível de processos — de coisas que não tínhamos como planeamento de carreira ou reviews de performance de antigos colaboradores –, digamos que uma infraestrutura básica que vai permitir à empresa escalar do ponto de vista de colaboradores.
Quando somos 30 ou 40 à volta de uma sala é muito fácil uma pessoa gerir. Quando, de repente, passamos a 200 e deixamos de conhecer toda a gente, a complexidade aumenta. E aí é preciso criar esses processos, ter pessoas a liderar que tenham tido essa experiência. Portanto, foi um ano de muita mudança e de maturação desse ponto de vista.
A pressão vem, tanto de investidores que puseram 60 milhões de dólares de investimento como de colaboradores, que se juntaram à empresa porque se juntaram a um foguetão e querem que isso aconteça.
Depois, também toda a parte dos Estados Unidos: 2019 ficou marcado por três realidades. Primeiro, um crescimento do ponto de vista de pessoas e de processos; depois, a mudança de uma empresa que está toda no mesmo sítio para uma empresa mais global, e de como é que a comunicação e a cultura acontecem — de como integramos as novas pessoas e outros escritórios com subculturas ligeiramente diferentes, mas que têm de se integrar tendo espaço para ter a sua expressão individual como entidades — e, por fim, por ter sido um ano de bastante crescimento. Mais do que duplicámos a nossa faturação: estava abaixo dos cinco milhões e passámos para acima de dez milhões, foi um crescimento bastante grande, o que foi ótimo, mas cria muita expectativa de rocketship (foguetão). E portanto há muita pressão de toda a gente de continuar a escalar e a crescer, o que é uma coisa fantástica.
A pressão é top-down?
É dos dois lados. Desde o início que temos uma visão muito ambiciosa do que queremos fazer e isso é bom porque nos leva sempre a ir mais longe mas o reverso da moeda é que nunca estamos satisfeitos com o que atingimos até ao momento, há sempre aquela sensação de “foi bom mas podíamos ter feito mais”. E essa pressão é positiva desde que seja contrabalançada depois com espaço de descompressão, porque empurra a empresa no sentido certo. A pressão vem, tanto de investidores que puseram 60 milhões de dólares de investimento como de colaboradores, que se juntaram à empresa porque se juntaram a um foguetão e querem que isso aconteça.
Na fase em que estão e, tendo em conta a ronda levantada no ano passado, torna-se mais difícil levantar dinheiro?
Se atingirmos bons resultados torna-se mais fácil porque a percentagem de empresas que chegam a esse ponto é um funil bastante reduzido. E quando se olha para isso, versus capital disponível para investir nessas empresas, há menos concorrência por isso é mais fácil.
Se não atingirmos os objetivos não só se torna mais difícil como o gasto da empresa é muito maior porque a operação é muito maior e, portanto, mais rapidamente o risco se torna num pesadelo.
Por outro lado, se não atingirmos os objetivos não só se torna mais difícil como o gasto da empresa é muito — maior porque a operação é muito maior — e, portanto, mais rapidamente o risco se torna num pesadelo.
Se eu pensar nas vezes em que levantámos dinheiro, acho que a Série A, em que conseguimos angariar cinco milhões, foi a mais difícil. Estávamos numa fase em que se tem poucos dados, e o investimento tem muito a ver com a equipa, com a visão, com o facto de o lead investor acreditar. E, tipicamente, como há muito seed investment, o funil é muito largo e esse é o ponto em que há maior estreitamento: há pouco capital para o número de empresas a tentar levantar Série A, o que significa que há muito mais escrutínio, mas muito menos dados para provar que é um negócio a crescer de maneira fantástica.
Até à Série B, a pergunta era “será que vamos sobreviver?”. A partir da Série B, a pergunta passou a ser “quão grande consegue ser a empresa?”. Não estamos a gerar capital suficiente para pagar os salários a toda a gente — por isso é que temos de recolher investimento, porque estamos a investir muito nesse crescimento — mas já estamos a gerar capital suficiente para que a empresa não morra, para que não desapareça. Isso, para um fundador, traz outros desafios, mais complexos em certos aspetos mas menos de “vida ou morte” constantemente.
Não estamos a gerar capital suficiente para pagar os salários a toda a gente mas já estamos a gerar capital suficiente para que a empresa não morra, para que não desapareça.
Até à Série B, temos a sensação de que todas as decisões são potencialmente decisões fatais e isso é algo que prefiro não ter, prefiro mais agora. Nos primeiros três anos — e isto é igual para uma startup, para uma loja ou qualquer outra empresa — a dedicação tem de ser mais do que total, tem de ser uma obsessão. E o que acho que acontece quando um negócio cresce — e aí qualquer negócio — é que há espaço para outras coisas. No nosso caso, porque já temos uma equipa de liderança de pessoas experientes, não passa tudo pelos fundadores. No início, a minha função era a de um programador — quantas mais horas trabalhasse, mais código produzia, por isso mais avançava. O meu trabalho agora, como CEO, baseia-se no número de boas decisões que tomo. E isso tem outros desafios mais complexos, mas não é tão dramático como no início. De certa maneira, a vantagem de ser dramático é que as decisões são rápidas, a execução é rápida e, para quem gosta de adrenalina, é fácil ficar viciado.
Como é que mudou, desde o início?
Creio que foi muito a partir da Série A: foi um momento em que comecei conscientemente a pensar a transição de fundador para CEO e no que isso significava. Como é que eu conseguia tornar-me ou continuar a ser o líder de que a empresa precisava. E fiz uma série de coisas no sentido de avançar conscientemente. Avaliações diferentes, expor-me a mentores diferentes, ter um coach específico para trabalhar aspetos distintos, tentar elevar a maneira como consigo ver o negócio de uma forma mais estratégica de pensar.
Quais os planos para 2020?
Os desafios são continuar o que estamos a fazer: nos Estados Unidos, que já representam 50% da nossa receita. Não sei se será sempre o nosso maior mercado mas, nos próximos dois ou três anos, acho que sim. A Europa tem muito potencial: do ponto de vista de mercado de tradução e de costumer service é um mercado enorme mas é muito fragmentado. E a Ásia é muito apetecível, está a crescer muito rápido.
A linguagem é uma coisa global e, portanto vamos acabar por estar em todos os mercados. Neste momento e, nos próximos dois anos, queremos continuar a expandir nos Estados Unidos, crescer na Europa e começar a olhar para a Ásia. Por isso é que abrimos no final do ano um escritório em Singapura, para começarmos a olhar para a Ásia. Na parte de tecnologia, vamos continuar a criar eficiências para integrar a inteligência artificial em cada vez mais as tarefas, de maneira a que liberte o ser humano para ser mais produtivo e criativo.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Vasco Pedro, CEO da Unbabel: “Se não atingirmos objetivos, rapidamente o risco se torna pesadelo”
{{ noCommentsLabel }}