O que deve ter um bom gestor e o que são os "super talentos"? Ricardo Parreira, CEO da PHC Software, fala sobre as práticas empresariais e sobre o que o levou a reunir toda a experiência num livro.
Com apenas 20 anos, Ricardo Parreira fundou a PHC Software, em 1989. Em 2020, a empresa tem estatuto de multinacional e emprega 207 pessoas a nível global, com escritórios em Lisboa, Porto, Madrid, Maputo, Luanda e Lima, no Peru. Para o futuro, estão previstas novas instalações no Tagus Park, em Lisboa, e junto ao Hospital de São João, no Porto. Nos últimos trinta anos, Ricardo Parreira tem acumulado experiência em liderança, que vai atualizando com um curso de gestão que tira todos os anos.
Em fevereiro deste ano, decidiu partilhar os ensinamentos e as práticas na PHC no livro “Gestão profissional, mas descontraída”, um manual de boas práticas para qualquer gestor. Em entrevista à Pessoas, revela o que acredita ser necessário para uma boa gestão e liderança.
O que tem mudado mais na forma de gerir nos últimos anos? E o que mais tem aprendido ao longo do tempo?
O que muda mais, constantemente, são as pessoas de forma geral e a mentalidade. Há 30 anos, a mentalidade era “quero arranjar um emprego para a vida”. Hoje, é “eu quero um emprego que me dê experiências e desafios e se eu não gostar vou-me já embora”. Esta mentalidade exige uma gestão de uma maneira muito, muito diferente.
Há muitos anos, se tivéssemos um grande talento na empresa, era fácil mantê-lo. Hoje um talento é contactado diariamente no LinkedIn. Todas estas mudanças, na minha opinião, implicam que as empresas tenham de ser geridas de uma forma muito mais profissional e talvez essa seja a maior mudança. Hoje, para uma empresa estar na crista da onda, para reter o seu melhor talento, tem de ser muito bem gerida.
Precisamos de ter gestores mais formados?
Mais formados, a aplicar técnicas mais profissionais. Hoje, ainda há muitas empresas que não têm a gestão da cultura profissionalizada. Há muitas empresas que não têm um processo de ciclo estratégico com objetivos e com KPI indicadores de performance, que nem sequer avaliação de desempenho regular têm. Houve tempos em que se dizia que a gestão é uma questão de bom senso.
O ideal é o líder preguiçoso, que não quer mesmo fazer nada, quer que a equipa faça tudo e consiga fazer tudo sozinha. Um dos problemas maiores da liderança é quando o líder acha que vai fazer melhor. O que acontece neste cenário? A equipa não cresce, não teve desafios.
A PHC tem vindo a criar sistemas de avaliação e envolvimento dos trabalhadores. Exemplo disso é o programa de autoavaliação semestral PHC DNA. Como começou?
Sempre pensei que a cultura da PHC era uma cultura impecável e, a certa altura, comecei a ver comportamentos nas pessoas que não batiam certo com a cultura que eu pensei que a empresa tinha. Fiz um estudo com uma consultora externa, e a consultora chegou à conclusão que havia três culturas na PHC: uma cultura muito focada na inovação, que não tinham problemas com o erro experimental, uma grande quantidade de pessoas que resistiam à mudança, e depois ainda havia um cluster das pessoas que diziam que a inovação é importante, desde que não fosse com elas. Cheguei à conclusão que, a partir de certa dimensão da empresa, a cultura já não é a cultura do CEO, é uma cultura qualquer. Toda e qualquer cultura pode acontecer.
O que fez quando se apercebeu que havia três culturas diferentes?
Em conjunto com todos os PHCs da altura — é como chamamos aos colaboradores — fizemos uma série de estudos sobre o que nos define. O que são os nossos comportamentos? O que é a PHC? Para onde queremos ir? Em função disso, definimos uma cultura muito centrada na inovação — que já era a minha filosofia e continua a ser — e correu muito bem. Hoje em dia está muito enraizada na PHC. As pessoas que chegam, já percebem bem o que são os comportamentos aceitáveis e não aceitáveis.
De que forma o PHC DNA teve importância neste processo?
Temos de integrar a avaliação de desempenho, a avaliação dos líderes, temos de estar permanentemente a relembrar as pessoas, então foi isso que nós construímos. À medida que se sobe na hierarquia, menos temos a noção da realidade, menos a maior parte das pessoas nos diz a verdade. A única maneira de combater isso é pedir feedback constantemente, senão não melhoramos. A única forma de receber feedback, a partir de certo nível hierárquico, é ir atrás dele, porque ele não vem espontaneamente.
À medida que se sobe na hierarquia, menos temos a noção da realidade, menos a maior parte das pessoas nos diz a verdade. A única maneira de combater isso é pedir feedback constantemente.
Qual a maior vantagem deste programa?
A maior vantagem é a motivação, porque às vezes o dia passa a correr e não há momentos de elogio e de reconhecimento. Para nós, as reuniões de avaliação de desempenho não são tão focadas no que a pessoa fez mal, são igualmente focadas no que a pessoa fez bem. O facto de ser semestral tem tido grandes vantagens de motivação. Cada vez que passa o período de avaliações uma energia renovada na PHC, de forma geral.
Que valores definem a cultura da PHC?
Temos seis valores e um deles é a inovação. Na inovação, uma das coisas principais que tem de ser aceite é o erro. Um dos comportamentos que não é aceite é criticar o erro experimental.
Qualquer novo gestor que integre a PHC tem de cumprir uma tradição: a leitura obrigatória do livro “A arte de ser inútil”, de Ricardo Vargas, e apresentá-lo à comissão executiva da empresa. Porquê?
Quando recrutamos um novo líder, ou quando alguém é promovido a líder, tem várias leituras obrigatórias de livros. Faz parte da nossa integração de líderes: as leituras obrigatórias e depois terem de fazer uma apresentação sobre elas à comissão executiva. No fundo, entre todos, partilhar o que deve ser o estilo de liderança na PHC.
Em fevereiro, lançou o livro “Gestão descontraída, mas profissional”, onde agrega os ensinamentos das últimas décadas e as práticas da PHC Software. Como, e por que surgiu essa ideia?
Sou uma pessoa muito prática, e estou sempre à procura de ideias para aplicar na empresa para gerir melhor a minha equipa, a mim próprio e à empresa. De facto o que eu vejo em vejo em Portugal, e alguns outros países, são empresas que são geridas por pessoas que não foram treinadas para serem gestores, e muitas vezes não têm tempo para tirar um curso ou um MBA ou uma formação executiva, então pensei: vou fazer um apanhado das coisas que gostava de ter sabido há 30 anos. Muitas delas fui aprendendo, porque adoro estudar, e todos os anos faço um curso de gestão nos EUA.
Uma empresa realmente bem gerida é aquela que trata do importante, muito antes de ele se tornar urgente.
Nos primeiros capítulos do livro, refere-se à importância do foco e da atenção. Quais são, hoje, os maiores obstáculos à atenção?
O foco é um dos maiores problemas que existe, porque tudo contribui para não termos foco. Desde todos os dispositivos eletrónicos que temos à nossa volta, a mega quantidade de informação, o excesso de opinião e a necessidade de reconhecimento, sobretudo nos nativos.
Como podemos manter o foco?
Há uma série de pequenas práticas que podem dar logo um grande aumento de foco e que o gestor pode implementar quase sem custo. Pode não ter open spaces tão grandes, pode criar regras de comportamento — podemos brincar de vez em quando, mas não brincar o tempo todo –, incentivar que as pessoas digam e deem sinais de que estão focadas. Muitas vezes é só ter a noção de que isto é um problema. Costuma dizer-se que o multitasking é uma boa capacidade, mas na verdade não existe. O nosso cérebro só faz uma coisa de cada vez. E isto, em determinadas pessoas, pode demorar tanto tempo, que é um desperdício total de energia e um ataque grande à produtividade.
Qual deve ser o papel do gestor?
A primeira coisa que o gestor deve fazer é falar sobre isto, alertar as pessoas que, muitas vezes, vivem em permanente desfoque. Temos uma certa tendência para ter os computadores com as notificações todas ligadas. Ainda por cima, é no computador que temos as tarefas que exigem mais foco. Estamos a estudar os números, a estudar alguma coisa, de repente entra uma notificação de email que não vai contribuir em nada para a tarefa que estou a desempenhar, mas por ter entrado a notificação, vou-me distrair. A segunda é criar condições para haver foco quando é preciso.
Que hábitos têm na PHC?
Como na maior parte das empresas, o que é importante é a pessoa atingir os objetivos, entregar o que tem para entregar, on time e com qualidade. Se a pessoa consegue fazer isso com as notificações, por mim tudo bem. Costumo incentivar, damos formação e alertamos, porque a larga maioria das pessoas tem dificuldade de concentração. Procuramos que os open space não sejam muito grandes. Neste momento, estamos a construir um edifício novo, no Tagus Park, que vai albergar a equipa de Lisboa, onde já vamos ter open spaces no máximo com 20 pessoas.
Refere ainda no livro que “uma empresa realmente bem gerida é aquela que trata do importante, muito antes dele se tornar urgente”. De que forma esta máxima se reflete no dia-a-dia da PHC?
Isso é importante até na vida pessoal. A saúde é importante, mas muitas vezes não é urgente. Nas empresas isto também tem de se aplicar. Quem inventou isto foi Eisenhower, que construiu uma matriz entre o urgente e o importante, para mostrar que quando não nos dedicamos ao que é importante, mais cedo ou mais tarde vai transformar-se em urgente. Uma empresa realmente bem gerida é aquela que trata do importante, muito antes de ele se tornar urgente.
O que não se mede, não se gere.
Como é que se transforma o “importante em urgente”?
Criam-se deadlines para as coisas que são importantes. Então, de repente torna-se urgente. É um truque que uso na PHC para transformar em urgente o que é importante.
O sistema “Thank You” foi pensado para “provocar o agradecimento e a gratidão”, por parte dos trabalhadores na PHC. De que se trata e que impacto tem tido na empresa?
Das coisas que mais provoca a sensação de felicidade é estarmos gratos. Só que, infelizmente, no dia-a-dia empresarial, é muito raro dizer um “obrigado” objetivo, fazer um elogio objetivo. Já experimentámos uma série de formas para fazer isso e esta última está a resultar incrivelmente melhor. Quando alguém tem um agradecimento a fazer a outra pessoa, pode ir a um determinado tipo de software e escreve lá a quem é que está agradecido, porquê, e em que valor do nosso PHC DNA é que isso se encaixa.
Na rede social isto é publicado e as pessoas podem interagir com os “thank you” uns aos outros. Depois, construímos um sistema de gamification à volta disto. As pessoas são incentivadas a dar os seus agradecimentos, para que quem deu ou recebeu mais, seja premiado ou reconhecido. Na prática, o que nós conseguimos é um sistema em que a cultura está constantemente a ser relembrada e vivida por todos os PHC’s, não é uma coisa top down. Todos os meses lembramos as pessoas: já deste os teus thank you?
Além do “Thank You”, a PHC implementou ainda o software Happy Score, para medir a felicidade dos trabalhadores. Como funciona?
Se o estado de espírito hoje, vamos supor, é de “5” e o mês passado era “4”, quer dizer que está melhor. Gerimos estes conceitos de estado de espírito e assim conseguimos ver o que resulta, o que é que provocou um bom estado de espírito, onde é que pode haver pessoas mais tristes e porque é que estarão tristes. Sou apologista de que o que não se mede, não se gere.
Há pequeno grupo em quase todas as empresas, que são aquelas pessoas que, ou pela perseverança, pela inteligência, experiência e energia, fazem toda a diferença. Claro que as empresas depois precisam, à séria, de todo o restante talento. Mas é muito difícil a empresa fazer a diferença sem super talentos.
Já o programa “My Happiness” dá ferramentas aos líderes e aos trabalhadores para encontrarem a felicidade. Como se processa?
O “My Happiness” foi um programa que nós desenvolvemos, dividido em três partes, e acima de tudo parte de um pressuposto importantíssimo: acredito que a felicidade de cada pessoa depende, acima de tudo, de si própria e das decisões que tomou para chegar até onde está hoje. Fazemos formação para dar estas técnicas às pessoas, para tomarem controlo sob a sua vida e, com isso, serem mais felizes. Também tem outro pressuposto: a felicidade depende de mim, mas a infelicidade às vezes não. Ou seja, o líder pode fazer a pessoa altamente infeliz. E ainda trata a terceira vertente, de medir todas estas iniciativas.
Têm ainda um noticiário interno, o Global Live Meeting, transmitido em todos os escritórios da PHC, às 15h00, em português e em espanhol. Qual a importância deste tipo de ferramentas?
Transmitimos em direto, por live stream, mais ou menos às três da tarde, porque são 9h00 da manhã em Lima (peru) e são 5h00 da tarde em Maputo (Moçambique). É o verdadeiro partilhar das nossas vitórias, partilhar o que está a acontecer, o que vai acontecer, como estão os resultados, as vendas, o que é que os clientes dizem de nós. É um momento ótimo de partilha. Nós acreditamos que o talento gosta de saber em que barco está. Enviar um email para todos com os resultados não resulta.
No livro refere ainda que “o líder, para ser bom, deve ser preguiçoso”. Pode explicar?
O líder está ali para desbloquear todos os problemas que a equipa encontre e que precise para retirar esse obstáculo. Por outro lado, e é aí muito que entra este conceito da gestão descontraída, porque um líder diretivo, muito focado em microgestão, só reduz a produtividade e a motivação das pessoas. O ideal é o líder preguiçoso, que não quer mesmo fazer nada, quer que a equipa faça tudo e consiga fazer tudo sozinha. Um dos problemas maiores da liderança é quando o líder vai fazer melhor. O que acontece neste cenário? A equipa não cresce, não teve desafios.
Acho que não há nenhum segredo para atrair talento. Há uma série de táticas que as empresas têm de executar e muito bem. A empresa tem de ter uma imagem externa impecável: desde o marketing, employer branding, presença nos locais onde está o nosso talento, um site impecável, até à própria receção.
Faz a distinção entre “talento” e “super talento”. Qual a diferença entre os dois?
A maior parte das pessoas trabalha normalmente e trabalha bem nas empresas, mas há um pequeno grupo em quase todas as empresas, que são aquelas pessoas que, ou pela perseverança, pela inteligência, experiência e energia, fazem toda a diferença. E é a essas que chamo o “super talento”. Claro que as empresas depois precisam, à séria, de todo o restante talento, não é possível uma empresa viver só com super talentos. Mas é muito difícil a empresa fazer a diferença sem super talentos. Os super talentos são incrivelmente difíceis de manter.
O que é que as empresas podem fazer para os manter?
Primeiro que tudo, tratá-los muito bem. Ouvi-los, dar-lhes desafios constantes. Na neurociência fala-se muito numa sensação que atingimos em determinados momentos chamada slow. Estamos a sentir-nos tão bem a fazer alguma coisa que nem damos pelo tempo a passar. Para estarmos numa sensação de slow temos de estar a fazer uma coisa um bocadinho difícil, mas não demasiado difícil e com a qual sintamos uma sensação de progressão. Os super talentos precisam disto quase constantemente, porque senão vão à procura.
Hoje, o cliente troca de empresa com uma facilidade que não havia no passado. A velocidade de tudo aumenta exponencialmente. O gestor tem de criar uma organização preparada para mudar continuamente. É, de longe, o maior desafio.
Na PHC, qual é o segredo para atrair talento?
Não há nenhum segredo para atrair talento. Há uma série de táticas que as empresas têm de executar e muito bem. A empresa tem de ter uma imagem externa impecável: desde o marketing, employer branding, presença nos locais onde está o nosso talento, um site impecável, até a própria receção da empresa. Desde a forma como cativamos os próprios PHC’s para gostarem de lá trabalhar e passarem essa energia para quem está fora querer ir para lá trabalhar, desde todas as condições de trabalho, os espaços, haver luz natural, a cor. Tudo o que é estar muito atento aos níveis de vencimento, se está adequado a função e à pessoa…
Como olha para os desafios do futuro?
Para a PHC, o desafio é permanente, porque vivemos num mundo global, com uma competitividade gigantesca e combatemos com concorrentes centenas de vezes maiores que nós. O desafio é claramente a internacionalização. Hoje em dia, o maior desafio para a gestão é o aumento exponencial do poder do cliente. Hoje, o cliente troca de empresa com uma facilidade que não havia no passado. A velocidade de tudo aumenta exponencialmente. O gestor tem de criar uma organização preparada para mudar continuamente. É, de longe, o maior desafio.
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Ricardo Parreira, CEO da PHC Software: “O que não se mede, não se gere”
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