OCDE propõe uma revolução no mercado de trabalho

Vieira da Silva ainda não leu o documento, mas tem lá muitas recomendações para o futuro de Portugal. A OCDE quer que o país vá mais longe na flexibilização da legislação laboral.

A Constituição é um obstáculo, mas a OCDE deixa seis recomendações para a legislação laboral portuguesa no relatório “Reformas no mercado laboral em Portugal 2011-2015”, a que o ECO teve acesso. Em causa está, por exemplo, a clarificação das condições em que um patrão pode despedir trabalhadores em contratos permanentes por razões económicas.

A OCDE aponta várias recomendações, comparando com o que foi feito em Espanha e Itália. Mas também assinala uma dificuldade maior: “É provável que para isso [as mudanças sugeridas] seja necessária uma mudança na Constituição e pode ser difícil alcançar na prática”, afirma o relatório da OCDE, citando o artigo número 53 da Constituição Portuguesa: “É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos”.

Contudo, mesmo sem essa mudança constitucional, a OCDE propõe mais reduções à proteção dos trabalhadores com contratos permanentes. Como? “Simplificando os procedimentos requeridos para despedir, reduzir as compensações por despedimento ilícito e baixando a probabilidade de reintrodução do trabalhador despedido.” O problema, diz a OCDE, está nas indemnizações elevadas, o que “desincentiva a mobilidade da parte do trabalhador”.

1. Legislação de proteção laboral

É aqui que entra a clarificação das condições em que um patrão pode despedir trabalhadores em contratos permanentes por razões económicas. Mesmo com o obstáculo constitucional, a OCDE refere que há ainda espaço para encurtar o hiato entre a legislação dos trabalhadores permanentes e dos temporários. O relatório sugere, por exemplo, que os desincentivos à mobilidade sejam removidos. A OCDE propõe que os custos da indemnização passem de um patrão para o outro, dando como exemplo o caso da Áustria. “Os custos de adotar um sistema como este devem ser pesados de forma cuidada contra os benefícios”, ressalva.

A organização identifica uma lacuna na inspeção laboral, realizada pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) por falta de recursos para fazer o seu trabalho de forma eficaz. Por isso, a OCDE quer que a capacidade dos inspetores seja “reforçada” para que não existam “casos de trabalhadores independentes que estejam dependentes economicamente de apenas um patrão”.

2. Benefícios para os desempregados

A OCDE é generosa neste aspeto: quer que Portugal aumente a rede de proteção social com maior número de beneficiários do subsídio de desemprego, ainda que com menor valor monetário. O relatório propõe que se eleve o limite a partir do qual não se recebe os benefícios sociais, tal como o Rendimento Social de Inserção, para que este abranja mais cidadãos.

Em sentido contrário, a OCDE quer que se diminua a duração temporal desses apoios para que haja incentivo a encontrar trabalho e o desemprego de longa duração contraía, “particularmente para os trabalhadores mais velhos”. “Esta medida devia incluir a remoção (ou pelo menos a limitação) da possibilidade de estender o apoio aos desempregados até à idade da reforma”, escreve a OCDE, sinalizando no entanto que é necessário maior empenho na criação de programas de emprego para ajudar na reintegração no mercado de trabalho.

3. Ativação

Os alvos dos programas de incentivo e formação têm de ser os mais jovens e os desempregados de longa duração. A OCDE escreve que essas estratégias têm de ter em conta as necessidades dos patrões naquele momento para que a procura tenha oferta. Estas políticas de emprego devem ainda ser estáveis para que as empresas saibam com o que podem contar e não criem instabilidade dentro das organizações.

Ao mesmo tempo, a OCDE recomenda que esses programas sejam acompanhados de perto. Para isso, Portugal deve dar mais recursos para que essa monitorização e avaliação constante sejam feitas. Além disso, o relatório pede para que se implementem todas as medidas previstas no Programa de Relançamento do Serviço Púbico de Emprego.

4. Contratação coletiva

Esta é a recomendação mais longa da OCDE. Tal como a Troika achava, a organização critica as regras da contratação coletiva em Portugal por serem demasiado restritivas. Em causa estão, por exemplo, as portarias de extensão, uma ferramenta que alarga a todos os trabalhadores de um setor, sindicalizados ou não, os direitos estabelecidos em convenções coletivas. Para a OCDE estas só podem existir caso exista “interesse público”, e a representatividade dos acordos deveria ser mais difícil de alcançar, “mantendo-os realistas”.

A OCDE apresenta uma alternativa que seria permitir a extensão desses contratos coletivos desde que existisse a inclusão de uma cláusula em aberto para delegar alguns assuntos, como os salários e as condições de trabalho, para a empresa no seu individual. A organização propõe ainda a criação de um organismo independente para avaliar a extensão das portarias, referindo o exemplo da Finlândia e Alemanha.

Além disso, a OCDE quer que seja mais fácil as empresas optarem por não adotar as convenções coletivas. O relatório dá o exemplo espanhol onde as empresas incluem condições objetivas como a queda das vendas ou da produtividade, num específico intervalo de tempo, a partir das quais a empresa em questão pode optar por não seguir a convenção coletiva do seu setor, por razões económicas. Além disso, o relatório propõe que um acordo coletivo só seja válido durante três anos. Se o acordo não for renovado, deixaria de ter efeito.

Ao mesmo tempo, a OCDE pretende reforçar a representação dos trabalhadores na empresa fazendo, por exemplo, obrigatório que haja assembleias em empresas de determinado tamanho, como em França, ou dando incentivos financeiros às negociações individuais na empresa, como em Itália. A terminar a recomendação, a OCDE diz ser necessária maior “confiança” entre os parceiros sociais, solicitando que se construa essa relação.

5. Salário Mínimo

O relatório começa por notar que as contribuições sociais dos trabalhadores e os impostos pagos pelos patrões quando se trata do salário mínimo nacional são maiores do que na maior parte dos países da OCDE. Além disso, há uma aproximação do salário mínimo ao salário médio em Portugal, algo preocupante para a OCDE que vê com receio o possível efeito de desemprego para os trabalhadores sem qualificações quando o salário mínimo for elevado para os 600 euros em 2019, tal como prometeu o atual Governo.

A OCDE recomenda que se “reduza as contribuições do patrão para a segurança social em todos os trabalhadores com o salário mínimo, incluindo as novas contratações, para que o impacto dos aumentos planeados no salário mínimo na oferta de emprego seja amenizado”. A organização recomenda ainda a constituição de uma comissão independente que seja responsável por dar informação “imparcial” e conselhos para futuras mudanças no salário mínimo, “considerando cuidadosamente as condições do mercado de trabalho agora e no futuro”. “Apesar de na maior parte dos países estas comissões incluam especialistas, os parceiros sociais podem também ser incluídos”.

6. Horário de trabalho

Neste ponto a OCDE não fala do horário de trabalho dos funcionários públicos (que voltou para as 35 horas), mas refere o banco de horas individual como um bom exemplo, ao contrário do que defende o atual ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, que criticou a existência dessa ferramenta individual quando já existia o banco de horas coletivo. No entanto, não garantiu se o ia tirar da lei.

No entanto, a própria OCDE propõe um desvanecer ou redução dessas compensações ao trabalho de curta duração. Em causa está o problema que essa flexibilização do horário de trabalho pode ter criado: aumentou os esquemas de compensação a curto prazo onde se mantém postos de trabalho ineficientes, o que pode tornar-se um obstáculo para a recuperação do mercado de trabalho.

Editado por Pedro Sousa Carvalho

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