A propriedade intelectual em tempos de Covid-19 – um problema ou uma oportunidade?

  • João Paulo Mioludo
  • 18 Maio 2020

Em termos de propriedade intelectual, novos desenvolvimentos irão ter lugar, e há que esperar pela conclusão dos correspondentes processos de proteção, que certamente também trarão novidades.

É hoje um lugar comum dizer que a Covid-19 tomou conta das nossas vidas. A expressão não é um exagero. Na verdade, estamos ainda incrédulos perante a tragédia humana a que assistimos diariamente, com a alastrar do vírus por todo o globo, deixando um rasto de desespero e morte, algo nunca visto em tantas gerações, e à consequente crise sanitária que, até bem perto de nós, se fez sentir de modo particularmente chocante.

Do outro lado desta luta desigual, estamos já a braços com uma crise social e económica sem precedentes, que nem mesmo o designado “desconfinamento”, já iniciado em muitos países, irá mitigar. Os próximos tempos, todos sabemos, avizinham-se difíceis, com largos setores da atividade económica em suspenso, ou mesmo completamente parados, com consequências imprevisíveis.

Como acontece em todas as crises, podemos sempre olhar para elas como um problema, ou como uma oportunidade, à semelhança da metáfora do copo meio cheio e meio vazio. Ou nos resignamos, ou recusamos baixar os braços e reinventamo-nos.

No domínio da propriedade intelectual têm sido muitas as preocupações. Os artistas e intérpretes, privados que estão da realização de espetáculos, com tudo o que isso representa para si, assim como para os organizadores, promotores e produtores, são uma face visível de que algo mudou e vai deixar sequelas. As editoras e livrarias terão sido um dos setores mais afetados, com um plano de ajuda financeira recentemente anunciado pelo Ministério da Cultura. As empresas lutam com muitas dificuldades, com atividades suspensas e em regimes delay off umas, antevendo processos de falência e reestruturação outras, tudo representando situações muito complicadas de gerir num futuro próximo, durante e após o período da pandemia.

Sendo certo que os problemas são muitos e não há como fugir deles, a verdade é não podemos perder de vista que muito pode ser feito, ou seja, encarar esta crise como uma oportunidade. E são muitos os exemplos que o ilustram.

Recentemente, muitos músicos portugueses, aproveitando as facilidades tecnológicas atualmente disponíveis, organizaram o festival digital “Eu fico em casa”, transmitido via streaming. O mesmo fizeram Mick Jaegger e os “The Rolling Stones”, e outras bandas têm disponibilizado vários concertos no Youtube®. A criação literária tem também assistido a alguma “inovação”, recordando aqui o projeto “Bode Inspiratório”, levado a cabo por um conjunto de vários escritores portugueses que, confinados em casa por conta do Coronavírus, propuseram-se escrever um folhetim, cabendo a cada escritor um capítulo, que será sequência do anterior e ponto de partida do próximo.

A busca por uma vacina que combata eficazmente o Coronavírus, ou por um tratamento eficaz da doença Covid-19, tem acontecido um pouco por todo o mundo, da China a Israel, da Alemanha aos Estados Unidos, na França, no Japão ou no Reino Unido, e sucedem-se as noticias de que algo inovador estará para breve, que a humanidade pode ter esperança. De resto, como é conhecido, já foram realizadas experiências e algumas vacinas já foram testadas em seres humanos.

Neste contexto, por certo, muitas empresas e laboratórios terão já apresentado pedidos de patente para invenções do domínio da biologia, da imunologia molecular ou da genética, o que poderá, a médio prazo, dar origem a um significativo conjunto de patentes, protegendo diferentes vacinas ou os processos de as obter.

Falando em patentes, assistimos a projetos de solidariedade e de voluntarismo dificilmente concebíveis há alguns meses atrás, não fosse a pandemia do Coronavírus. Mencionamos aqui o projeto “Open COVID Pledge”, criado pela IBM, que disponibiliza acesso gratuito às suas patentes às empresas que desenvolvam tecnologias para ajudar no diagnóstico, prevenção ou tratamento da doença. Também no Japão foi divulgada uma iniciativa semelhante por um relevante conjunto de empresas japonesas, como a Toyota, a Cannon ou a Nissan Motor, entre outras. Propõem-se disponibilizar as tecnologias protegidas pelas suas patentes no combate ao Coronavírus e à Covid-19.

No campo das aplicações móveis foram criadas soluções que permitem rastrear pessoas que estiveram em contacto com pessoas infetadas. Neste domínio parece ter surgido em Portugal, criada pela startup Hype Labs, sedeada no Porto, uma solução que garante, ainda, a privacidade dos utilizadores.

Foi amplamente divulgado na comunicação social, e com total justiça, o projeto “Atena”, consistindo no desenvolvimento de um ventilador pulmonar mecânico para ajudar no combate à insuficiência respiratória provocada pela Covid-19. Na Marinha Grande, uma empresa especializada em embalagens plásticas, lançou-se num projeto de desenvolvimento de viseiras anti-embaciamento. Outras empresas readaptaram ou converteram a sua produção, no sentido de responder às necessidades sentidas no combate à pandemia, como foi o caso de algumas empresas têxteis que começaram a produzir máscaras de proteção, ou de uma empresa de cotonetes que passou a produzir zaragatoas.

Em Portugal, na União Europeia e certamente em muitos outros países, “Coronavírus” e “Covid-19” entraram no léxico diário, e muitos já se adiantaram apresentando pedidos de registo de marca compostos por “COVID-19” ou “CORONAVÍRUS”. Foram apresentados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, por exemplo, pedidos de registo para as marcas “MÁSCARA COVID-19” (nas classes 10 e 42), “COVID 19” (nas classes 3, 16, 31, 32 e 33), “COVID-19” (na classe 5), “COVID ZERO” (nas classes 9, 35, 37, 38, 39, 41, 42, 44 e 45), e para a marca “CORONAVÍRUS” (na classe 9).

Também no Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia foram apresentados os pedidos de registo “COVID-19 PATROL” (na classe 25), “COVID” (para as classes 6, 17 e 19), “COVID-19” (para as classes 10 e 25), “CORONAVIRUS (para as classes 3, 31, 32 e 33), ou “CORONAVIRUS KILLER” (para a classe 5).

Será interessante verificar as decisões dos respetivos institutos, pois admitimos que poderão ser colocados alguns obstáculos relativamente à registabilidade dos sinais, designadamente nas marcas que designam as classes 5 e 10.

A criatividade humana sempre nos surpreende e não tem limites. Traduzindo o velho aforismo popular de que “no aproveitar é que está o ganho”, ainda bem que muitas empresas, agentes económicos e criadores intelectuais, preferem o copo meio cheio ao copo meio vazio!

Em termos de propriedade intelectual, novos desenvolvimentos irão ter lugar, e há que esperar pela conclusão dos correspondentes processos de proteção, que certamente também trarão novidades. Neste domínio, não há dúvidas que a crise da “Covid-19”, mau grado a tragédia que lhe está associada, tem representado uma grande oportunidade.

  • João Paulo Mioludo
  • Sócio da SRS Advogados

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