Costa Silva e Lacerda Machado. Onde estão as diferenças?

O ECO falou com dois especialistas em Administração Pública para perceber o que diferencia a "contratação" de António Costa Silva e de Diogo Lacerda Machado como conselheiros de António Costa.

Como pode António Costa Silva ser consultor do Governo e trabalhar pro bono, quando Lacerda Machado teve de celebrar um contrato com o Governo? A pergunta surge depois de se saber que o primeiro-ministro vai nomear o presidente executivo da Partex como conselheiro especial através de um despacho formal, mas que não vai ser remunerado por ajudar a preparar um programa de recuperação económica no pós-pandemia.

Diogo Lacerda Machado teve de abandonar as funções que exercia na Geocapital, a empresa de Stanley Ho, depois de a Assembleia da República ter questionado o facto de estar a negociar pelo Estado, há vários meses, dossiers sensíveis como a TAP, os lesados do BES ou o diferendo acionista no BPI.

Foi o próprio primeiro-ministro que revelou, em entrevista ao Diário de Notícias e à TSF, que o seu “melhor amigo” e antigo secretário de Estado da Justiça o estava a apoiar, por falta de recursos no Estado. Os partidos exigiram transparência e acabou por ser publicado, no portal da contratação pública, um contrato no qual o consultor passava a receber uma avença de dois mil euros/mês para emitir pareceres jurídicos, assessorar o Estado em processos negociais, produzir acordos, relatórios e memorandos. Tudo com o dever de sigilo por cinco anos. Mais tarde, Lacerda Machado seria nomeado administrador da TAP, uma passagem que, nas palavras de Passos Coelho, foi uma “pouca-vergonha”, já que foi “o mesmo homem que andou a negociar a reversão” da privatização da companhia aérea.

Ora, as funções que António Costa Silva vai desempenhar, tal como o Expresso avançou em primeira mão, também são temporárias. Uma “espécie de chefe de missão” segundo Marques Mendes que, no seu comentário semanal, revelou que, “nos próximos dias, o primeiro-ministro vai proceder por despacho à nomeação formal de Costa Silva como seu conselheiro especial”. O responsável está a trabalhar diretamente com os ministros, mas não com os partidos da oposição que se recusam a negociar com um “paraministro”.

Ora é nos detalhes do despacho de nomeação que está a chave para responder à questão inicial. Costa Silva pode trabalhar pro bono porque “não faz parte dos quadros da Administração Pública, nem faz parte dos assessores de gabinetes”, alvitra ao ECO, Luís Fábrica especialista em matérias de Administração Pública, sublinhando contudo que não conhece o despacho.

“Além disso, não tem necessariamente de estar inserido numa qualquer grelha salarial, ter qualquer tipo de remuneração ao algo análogo, porque as funções que vai desempenhar não são permanentes no âmbito da Administração Pública”, diz o professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica. O próprio António Costa Silva já revelou, em entrevista à RTP, que foi convidado para desenhar o plano de retoma pelo primeiro-ministro no dia 24 de abril e que no dia 25 de abril ponderou e apresentou a António Costa um draft com o desenho do, nas palavras do próprio, “plano para o day after”. Esta será uma base de trabalho e que, ao longo dos próximos meses, pretende falar com vários membros da economia, disse ao ECO.

Ele não é nomeado para nenhum cargo pré-existente cujos estatutos estejam ligados a uma remuneração. É uma nomeação ad hoc, para um cargo que não existia em circunstâncias que são elas próprias específicas”, sublinha Luís Fábrica. “Do ponto de vista estritamente jurídico, o facto de ele não ter remuneração não é o problema fundamental, porque só o seria se estivesse a ocupar um lugar no quadro da Administração Pública ou dos gabinetes”, acrescenta. E é essa a grande diferença face a Lacerda Machado já que o seu contrato como prestador de serviços foi assinado, em abril de 2016, por Rita Moreira Araújo, chefe do gabinete de António Costa.

Mas Luís Fábrica sublinha que a matéria está a ser tratada “de um modo de tal forma informal que é extremamente difícil” pronunciar-se sobre o contexto normativo que rege a nomeação. “É preciso ver um despacho e outro”, diz. Admitindo, contudo, a possibilidade que se possa discutir se existe uma base legal anterior adequada ou suficiente”.

Também João Bilhim defende que “há que ler o despacho”. No entanto, o antigo presidente da Cresap sublinha a relevância de quem assina o despacho de nomeação: se o primeiro-ministro enquanto tal, se enquanto presidente do Conselho de Ministros. “Há que ver a dignidade ou a força desse despacho”, sublinhou ao ECO, recordando que, por exemplo, em termos de autorização de despesa, um ministro tem um nível inferior ao primeiro-ministro e este inferior ao Conselho de Ministros. “É uma questão de hierarquia”, conclui.

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