Portugal foi generoso nas moratórias, mas gastou pouco nas linhas Covid

Portugal é dos países que implementou a moratória mais longa na Europa. Porém, ao nível das linhas Covid-19, foi dos menos generosos. Resposta assimétrica à crise gera dúvidas aos supervisores.

Siza Vieira, Ministro de Estado, da Economia e Transição Digital, em entrevista ao ECOInsider - 05JUN20
Siza Vieira, Ministro de Estado, da Economia e Transição Digital, em entrevista ao ECO InsiderHugo Amaral/ECO 5 junho, 2020

Por causa do impacto da pandemia, os países lançaram medidas sem precedentes para apoiar as suas economias. Mas houve governos que foram mais longe do que outros nas ajudas concedidas a famílias e empresas em dificuldades. Uma análise mostra que Portugal compara bem no cenário europeu no que diz respeito à duração das moratórias de crédito, uma medida importante pois permite a suspensão temporária do pagamento dos empréstimos durante o período crítico da crise. Porém, o Executivo português foi quem mostrou menor disponibilidade em termos de linhas de crédito com garantia pública. A disparidade nos apoios públicos dentro da Europa traz riscos à sua união.

O último relatório do Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF), a cúpula da supervisão financeira em Portugal que reúne à mesma mesa o Banco de Portugal, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e a Autoridade dos Seguros e Fundos de Pensões (ASF), estabelece uma comparação das várias medidas de mitigação dos impactos da pandemia de Covid-19 implementadas em vários países da Europa, mostrando, sobretudo, como a resposta à crise está a ser feita de forma assimétrica na União Europeia, pelo menos numa fase inicial.

“Uma vez que, num primeiro momento, as medidas adotadas para relançar a atividade económica permaneceram quase exclusivamente na esfera nacional, o apoio recebido por cada empresa ou setor depende da respetiva localização geográfica, levando a que a velocidade de recuperação económica possa resultar muito diferenciada entre países, com impactos também diferenciados em termos de estabilidade financeira“, sublinham os supervisores. Na prática, é isto: as economias mais fortes vão superar a crise com menor dificuldade, no respaldo do seu Estado, enquanto as economias mais frágeis ficarão para trás.

Essas diferenças são bastante evidentes quando comparamos as garantias de Estado que cada país deu nas linhas de crédito Covid-19, lançadas num ambiente de emergência em socorro de empresas afetadas pela paralisação da economia.

Neste capítulo, Portugal foi dos mais “poupados”: a linha de crédito de 13 mil milhões de euros pode parecer robusta quando apresentado este número em si mesmo, mas o montante corresponde apenas a 6% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Mais conservadores que os portugueses foram os finlandeses: 5% do PIB. Ambos os países encontram-se a larga distância dos pacotes desenvolvidos pela Alemanha (22%) e Itália (38%). No caso alemão, sublinha o relatório do CNSF, não existe propriamente um limite efetivo às garantias públicas (seria 100%), tendo-se adotado, porém, o montante publicado pelo FMI para possibilitar uma comparação.

“Estas disparidades entre os diversos regimes nacionais levam a que o apoio atribuído às empresas decorra da respetiva localização, o que pode contribuir para agravar as desigualdades existentes antes da pandemia, ao nível da capacidade fiscal do soberano ou da capitalização e qualidade dos ativos do sistema bancário“, alerta o CNSF.

Linhas de crédito com garantia (% do PIB)

Fonte: CNSF

Há várias vantagens nesta medida. Desde logo, ao “bombear” dinheiro para a economia a um custo “controlado”, um país evita a destruição do tecido empresarial e produtivo, com fortes implicações no emprego. Por outro lado, como são os bancos que emprestam, isto dá capacidade de resposta a um país com restrições orçamentais como Portugal apresenta num primeiro momento. Mais: uma vez que os empréstimos gozam de elevada proteção do Estado em caso de incumprimento (até 90% do crédito tem garantia pública), a posição da banca fica salvaguardada.

Mas há um reverso da moeda. Estes créditos com garantia pública representam uma responsabilidade contingente do Estado, “de valor incerto”, nota o CNSF. O que para Portugal não é propriamente positivo dada a sua elevada dívida pública, uma das maiores da Zona Euro. Para as empresas que se socorreram das linhas Covid-19, apesar da preciosa ajuda, “esta forma de apoio traduz-se num aumento do seu endividamento e, potencialmente, no incremento da sua vulnerabilidade financeira, sobretudo num contexto de grande incerteza quanto à duração da pandemia e, consequentemente, quanto à recuperação da atividade económica e à capacidade das empresas virem a gerar rendimentos suficientes para servir a dívida”.

Disparidades entre os diversos regimes nacionais levam a que o apoio atribuído às empresas decorra da respetiva localização, o que pode contribuir para agravar as desigualdades existentes antes da pandemia, ao nível da capacidade fiscal do soberano ou da capitalização e qualidade dos ativos do sistema bancário.

CNSF

Principais medidas adotadas para mitigação dos impactos da pandemia de COVID-19: uma análise comparativa

Também há implicações para o futuro. Por um lado, endividamento excessivo tende a limitar o investimento e o crescimento económico, o que será particularmente importante num contexto pós-pandemia e em que se espera uma rápida aceleração da atividade económica. Além disso, quando acabarem estas garantias públicas, colocar-se-á desafios em termos de transição (cliff effects): algumas empresas poderão não conseguir renovar os seus créditos.

Moratórias mais longas

No que diz respeito à duração das moratórias públicas, Portugal foi o país mais generoso, ao lado da Eslovénia, ainda que só numa segunda fase o Governo tenha decidido ampliar o regime até 31 de março de 2021.

As moratórias foram introduzidas em Portugal no final de março, permitindo que as famílias e empresas afetadas pela crise possam suspender temporariamente o pagamento das prestações e/ou juros dos empréstimos sem qualquer penalização. Para os bancos, a medida também tem vantagens, uma vez que o aumento do incumprimento do crédito levaria a uma subida do rácio do malparado e a um maior “consumo” de capital.

Os 12 meses de período de suspensão dos empréstimos de famílias e empresas em Portugal comparam com os três meses observados na maioria dos países analisados: Alemanha, Áustria, Croácia, Espanha e Grécia. Em Itália, o regime de moratória vai até aos seis meses.

Fonte: CNSF

Recentemente, o Banco de Portugal alertou que as consequências económicas e financeiras da pandemia poderão prolongar-se muito para além do fim previsto do período de vigência dos regimes de moratórias. “Pelo que, após o seu término, poderá ocorrer um aumento do incumprimento das obrigações de crédito tanto dos particulares, como das empresas“, avisou o supervisor, frisando que “é fundamental que os regimes de moratória sejam acompanhados por outras medidas de apoio à liquidez e solvabilidade dos diferentes agentes económicos e de relançamento da economia”.

Para lá das diferenças no período de vigência das moratórias, também há distinções entre o tipo de contratos de crédito que podem beneficiar de uma suspensão temporária do seu pagamento. Por exemplo, apenas a Hungria alargou o regime de moratória a empresas financeiras e fundos de investimento, o que não é praticado nos outros países, incluindo em Portugal.

De acordo com os últimos dados, em Portugal, os bancos já deram aval a mais de 688 mil moratórias, sendo que 56% beneficiam de medidas de apoio estão integrados no regime da moratória pública, enquanto os restantes estão abrangidos por moratórias privadas.

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