Energia para além da Pandemia

  • Mónica Carneiro Pacheco
  • 21 Setembro 2020

O caderno de encargos é vasto. Importa, por isso, pôr mãos à obra. E, quanto mais rápida e empenhadamente, melhor.

Na mudança para o novo edifício da CMS-Portugal, na Rua Castilho 50, impus a mim mesma fazer uma arrumação que me libertasse dos papéis que acumulei ao longo de quase 29 anos das minhas lides na advocacia. Na era da digitalização, acelerada pela Pandemia Covid-19, todos percebemos, afinal, que é possível trabalhar em casa e, melhor do que isso, apenas com o nosso computador e com a legislação necessária à mão.

Nessas arrumações, deparei-me com uma pasta onde guardei diversos artigos de especialistas e opinion makers sobre o sector da Energia, escritos entre os anos 2008-2014, os anos da crise económico-financeira e das dívidas soberanas.

Então, como agora, dividiam-se as opiniões sobre o papel das então designadas Energias Alternativas (precisamente por constituírem uma alternativa aos combustíveis fósseis – carvão, petróleo, gás). De um lado, aqueles que defendiam a aposta feita em tais energias (posteriormente redenominadas energias renováveis), para elas olhando como parte da solução e não do problema. Do outro lado, aqueles que atacavam os apoios “à custa dos contribuintes”, ignorando as contas que pagávamos (e que ainda hoje pagamos, embora menos) com a aquisição de combustíveis fósseis que não produzimos. E ignorando, também, que sem subsídios que incentivassem o investimento e permitissem uma mudança do paradigma energético, nunca teríamos chegado onde estamos hoje, apesar das muitas medidas e leis cuja implementação muito prejudicou a dinâmica do sector.

Com a crise actual causada por uma Pandemia que parou as economias em todo o mundo, se bem que assente em razões bem diversas surgem, de novo, diferentes posicionamentos: vozes positivas – representadas, por exemplo, pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, Eng.º António Guterres, ou pelo nosso Secretário de Estado Adjunto e da Energia Dr. João Galamba – que acreditam que a tão desejada recuperação económica só será possível através da criação de negócios e empregos verdes, da alocação de fundos públicos a projetos sustentáveis e da incorporação dos riscos ambientais e da transição energética no sistema financeiro e empresarial; e vozes negativas que, pelo contrário, advogam pelo abandono das preocupações ambientais e de transição energética (e dos respetivos acordos), em prol de uma supostamente mais rápida recuperação da economia, das indústrias, da produção e do consumo.

Para mim, que me incluo nas vozes mais positivas não tenho qualquer dúvida de que, se alguma coisa de bom se pode retirar da crise gerada pela Pandemia Covid-19, são lições para o futuro, leia-se para uma necessária mudança pois tornou-se evidente que não podemos continuar no caminho da destruição ambiental. Por isso mesmo, foi com satisfação que vi a Alemanha e a França aprovarem, no dia 18 de Maio, uma iniciativa na qual reafirmaram o Acordo Verde Europeu como a nova estratégia de crescimento e um plano para uma economia próspera e resiliente a caminho da neutralidade do carbono até 2050. Tratou-se, indiscutivelmente, de um passo importante para calar as vozes dos mais negativos ou dos mais cépticos.

“Fazer da Recuperação da UE um Green Deal” (Pacto Verde), é uma ideia defendida por um grupo alargado de países, entre os quais Portugal, para que os enormes desafios do presente sejam ultrapassados “sem repetir os erros do passado”. É tempo, por isso, de voltar ao caminho certo, aproveitando para retomar projectos que, se não estão esquecidos, parece.

Os fundos que, se tudo correr bem, começarem a chegar da UE ainda no ano de 2020, constituirão, para isso, uma oportunidade única. Mas é indispensável que sejam correctamente encaminhados, geridos e controlados, também aqui não repetindo erros do passado.

Refiro-me, em especial, ao reforço das interligações com Espanha – bem como de tudo quanto possamos fazer para pressionar as interligações com França, já que, por muito que se faça no âmbito do mercado ibérico, este tem evidentes limites, além de que não existirá um verdadeiro mercado interno ao nível europeu sem essa ligação-, da mobilidade elétrica, da eficiência energética. Não deixar estes temas apenas para o papel e para a diplomacia económica é, nessa medida, crucial.

Portugal tem afirmado internacionalmente a sua ambição em matéria de renováveis. O objectivo do Plano Nacional de Energia e Clima é que, em 2030, Portugal produza 80% da sua eletricidade a partir de fontes limpas. Para 2050, a meta é ainda mais ambiciosa: 100% de energia limpa na eletricidade e 90% nos transportes. Sucede que, neste momento, a eletricidade representa cerca de 25% do consumo total de energia em Portugal. Há, portanto muito a fazer.

Mas a Energia não é só produção de eletricidade: é também mercados a funcionar e, para isso, é necessário procura; é eficiência energética; é investigação e desenvolvimento em novas formas de armazenamento; é projetos como o do hidrogénio solar que, embora possa suscitar dúvidas, é um importante passo para uma economia verde.

O caderno de encargos é vasto. Importa, por isso, pôr mãos à obra. E, quanto mais rápida e empenhadamente, melhor.

(A autora escreve de acordo com o antigo acordo ortográfico)

  • Mónica Carneiro Pacheco
  • Sócia coordenadora da área de energia e mudanças climáticas da CMS Rui Pena & Arnaut

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