Gastos das famílias caem a pique, mas atingem recorde com a comida

Num trimestre em que quase tudo na economia registou quedas históricas, o consumo de bens alimentares foi a única componente do consumo privado que aguentou. Nos setores, o resistente é a construção.

No início da pandemia, em março, foram várias as notícias de açambarcamento nos supermercados, apesar dos apelos das autoridades, com as lojas online também a esgotarem o stock de vários produtos. Os números divulgados esta segunda-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmam que este comportamento continuou em abril e revelam que o consumo de bens alimentares foi a única componente da procura interna a crescer no segundo trimestre, atingindo um máximo histórico.

Ao todo, a despesa em bens alimentares situou-se nos 6.255 milhões de euros entre abril e junho, quase mais 280 milhões de euros (+4,7%, a maior subida de sempre) do que no mesmo trimestre do ano passado. Este é o valor mais elevado desde, pelo menos, 1995, quando arranca a série do INE. Já no primeiro trimestre o consumo de bens alimentares tinha crescido de forma expressiva, então ao maior ritmo desde 1999.

O aumento desta componente permitiu amparar, ainda que muito parcialmente, a queda abrupta do consumo de outros bens, como os duradouros, e de serviços, que levou o consumo privado a contrair 15% no segundo trimestre. O consumo de bens duradouros contraiu 27,6%, “refletindo principalmente uma quebra abrupta das aquisições de veículos automóveis”, segundo o INE. Os números das vendas de automóveis em abril, maio e junho já deixavam antecipar este cenário.

Não existe uma desagregação maior dos dados para perceber onde é que os cidadãos deixaram de consumir, mas presume-se que os serviços com atendimento ao público, como os restaurantes, foram dos mais afetados, levando os consumidores a fazerem mais refeições em casa (e a comprar mais bens alimentares).

Apesar do consumo de bens alimentares ter resistido, isso não impediu uma quebra histórica da procura interna — que conjuga o consumo privado, o investimento e o consumo público –, levando esta componente a dar um contributo negativo de 11,9 pontos percentuais para o PIB, que caiu 16,3%.

Os restantes 4,4 pontos percentuais devem-se à procura externa líquida (exportações descontadas das importações), que caiu menos uma vez que esta crise afetou tanto as vendas como as compras ao exterior, ainda que de forma mais expressiva as exportações por causa da interrupção quase total do turismo.

Construção foi a única a aguentar. Investimento no setor em máximos de 2011

Além dos bens alimentares, houve algo mais que tenha sobrevivido à crise pandémica? Sim, a construção, pelo menos para já. Tanto o VAB (valor acrescentado bruto de um setor) como o investimento do setor da construção resistiram, continuando a expansão que se registava na economia portuguesa até ao primeiro trimestre de 2019, um percurso que foi interrompido de forma violenta pela Covid-19 nos restantes setores de atividade.

Enquanto o investimento total (privado e público) na economia portuguesa caiu 10,8% no segundo trimestre, o investimento na construção — que é a maior componente do investimento — cresceu 7,5%, em termos homólogos, permitindo amparar a quebra das restantes componente. O investimento em construção situou-se nos 4.744 milhões de euros, subindo mais de 300 milhões face ao segundo trimestre de 2019 e alcançando o valor mais elevado desde 2011.

Este desempenho é particularmente notável dado que contrasta “com o verificado em vários países da União Europeia, onde o setor da construção terá também sido muito afetado pelo impacto negativo da pandemia Covid-19″, nota o INE.

Ao contrário do que aconteceu na anterior crise em que a construção foi dizimada, este setor, que não parou por causa do vírus, foi ajudado nesta fase inicial da pandemia pelos concursos das obras públicas e pelas vendas de cimento. Isso também é visível no VAB da construção que aumentou 5,1% no segundo trimestre, dando um contributo positivo de 0,2 pontos percentuais para o VAB total. Todos os restantes setores, exceto o da agricultura (+1,7%) que é o que pesa menos, registaram fortes quedas, principalmente o comércio, alojamento e restauração e as outras atividades de serviços.

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