Costa apoia Vieira. O que diz o Código de Conduta do Governo?

António Costa decidiu integrar a comissão de honra da recandidatura de Luís Filipe Vieira à presidência do Benfica. O que diz o Código de Conduta quanto ao conflito de interesses?

O primeiro-ministro aceitou fazer parte da comissão de honra da recandidatura de Luís Filipe Vieira à presidência do Benfica. A decisão já foi criticada da esquerda à direita e, entre os críticos, há quem recorde a criação do Código de Conduta do Governo, após o Galpgate em 2016 quando a petrolífera ofereceu a vários governantes bilhetes para o Europeu desse ano. O que dizem as normas que os membros do Executivo têm de cumprir?

Não há referências diretas ao desporto, futebol ou sobre apoios que possam ser dados quando em funções. O mais concreto que o Código tem é o impedimento aos membros do Governo de aceitarem presentes (ou convites) com valor igual ou superior a 150 euros — a não ser que a rejeição significasse “quebrar o respeito devido por um Estado estrangeiro” –, o valor a partir do qual se assume haver um “condicionamento da imparcialidade e da integridade do exercício de funções”. No entanto, há disposições gerais que podem ser interpretadas à luz deste caso.

Exemplo disso é o artigo 6 que versa exatamente sobre os conflitos de interesses: “Considera-se que existe conflito de interesses quando os membros do Governo se encontrem numa situação em virtude da qual se possa, com razoabilidade, duvidar seriamente da imparcialidade da sua conduta ou decisão, nos termos dos artigos 69.º e 73.º do Código do Procedimento Administrativo“. Estes artigos definem os casos em que os titulares de funções públicas “não podem intervir em procedimento administrativo ou em ato ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública”.

Além disso, o artigo 4º define os deveres que os membros do Governos devem cumprir no exercício das suas funções, nomeadamente “abster-se de qualquer ação ou omissão, exercida diretamente ou através de interposta pessoa, que possa objetivamente ser interpretada como visando beneficiar indevidamente uma terceira pessoa, singular ou coletiva“.

De notar ainda o artigo 10º, relativamente a convites, onde se lê que “os membros do Governo abstêm-se de aceitar, a qualquer título, convites de pessoas singulares e coletivas privadas, nacionais ou estrangeiras, e de pessoas coletivas públicas estrangeiras, para assistência a eventos sociais, institucionais ou culturais, ou outros benefícios similares, que possam condicionar a imparcialidade e a integridade do exercício das suas funções”.

O ECO questionou o gabinete do primeiro-ministro sobre se considera que a decisão de integrar a comissão de honra é compatível com o Código de Conduta, mas não recebeu resposta até à publicação deste artigo.

A interpretação feita pelo presidente da Associação Transparência e Integridade, João Paulo Batalha, este sábado na SIC Notícias é clara: o apoio de Costa a Vieira ao estar na comissão de hora vai contra o Código de Conduta. “Confesso que já estou habituado a ver promiscuidades entre futebol e política, mas até eu estou perplexo com este caso“, disse, assinalando que “Vieira pediu emprestada a honra da Câmara Municipal de Lisboa e do Governo português para a sua candidatura e eles aceitaram emprestar”. Na sua intervenção, João Paulo Batalha recordou, além dos casos judiciais, o impacto dos negócios de Luís Filipe Vieira nas contas do Novo Banco, um dossiê que envolve o Executivo de Costa desde, pelo menos, a venda do banco em 2017 à Loan Star.

O Código de Conduta do Governo foi criado em 2016 após o Galpgate, o caso em que a Galp ofereceu bilhetes a vários governantes para o Europeu de futebol desse ano, levando à sua demissão. Foi o caso do então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade, que passou a ser deputado do PS, e do então assessor económico de António Costa, Vítor Escária, que voltou recentemente a trabalhar com o primeiro-ministro para ser o seu chefe de gabinete. O processo que incidia sobre os crimes de recebimento indevido de vantagem, com possibilidade de pena de cadeia, acabou por ficar resolvido com o pagamento de multas.

Quando apresentou o novo Código de Conduta, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, resumiu o seu âmbito: “Os membros do Governo devem recusar liminarmente quaisquer ofertas, convites ou outras facilidades que possam ser fornecidas na expectativa de troca de uma qualquer contrapartida ou favorecimento“.

Direita ataca Costa, mas esquerda também não o poupa

Questionado pelo Expresso, que revelou que Costa iria integrar a comissão de honra, o gabinete do primeiro-ministro argumenta que este está na comissão de honra “não como primeiro-ministro ou secretário-geral do PS, mas como adepto e sócio do Benfica desde 1988”. António Costa já tinha apoiado recandidaturas de Vieira em 2012, quando estava no lugar agora ocupado por Medina, e em 2016, quando era primeiro-ministro.

O líder do PSD já veio criticar o chefe do Governo por integrar a comissão de honra, que conta também com Duarte Pacheco, deputado do PSD, dizendo que “o ideal é que quando estamos em cargos políticos de algum relevo — não é só nos de topo — devemos abster-nos de misturar estas coisas”. “Sempre achei mal a mistura entre a política e o futebol profissional“, disse Rui Rio este sábado, em reação à notícia, argumentando que o futebol é ditado pela emoção e a política deve ser ditada pela racionalidade.

Miguel Poiares Maduro, ex-ministro do anterior Governo PSD, recorreu ao Twitter para criticar António Costa: “Lembram-se de um PM [primeiro-ministro] que dizia que os ministros se deviam recordar da sua condição mesmo à mesa de um café?… Pelos vistos, isso não se aplica em presença de uma bola de futebol… O PM já se acha DDT [dono disto tudo] para agir com tal impunidade”.

Mais à direita, Carlos Guimarães Pinto, ex-presidente da Iniciativa Liberal e candidato nas legislativas pelo círculo eleitoral do Porto, questiona a inteligência do primeiro-ministro: “Nesta história do apoio de Costa a LFV [Luís Filipe Vieira], já nem falo de tudo o resto, mas de inteligência: algum deles tem verdadeiramente alguma coisa a ganhar com o apoio? Nem Costa, nem LFV. Não me surpreenderia que acabasse desmentido”, escreveu no Twitter.

Mas as críticas não chegam só da direita. À esquerda, Pedro Adão e Silva, que já esteve no Partido Socialista, atacou diretamente o primeiro-ministro: “Há 15 dias António Costa recomendava que os membros do Governo não se pronunciassem sobre as presidenciais. Hoje, ficou conhecido o seu apoio a Luís Filipe Vieira nas eleições do Benfica. Uma contradição, uma promiscuidade desnecessária e prova de que os políticos não aprendem“, escreveu no Twitter.

Além de Pedro Adão e Silva, também Joana Mortágua já reagiu no Twitter, escrevendo que “integrar a comissão de honra de Luís Filipe Vieira não foi só uma má ideia de Costa, Medina, Joaquim Santos ou Telmo Correia“. “Que ninguém interprete como descuido uma coisa que está estruturalmente errada”, denunciou a deputada do Bloco de Esquerda.

Rui Tavares, do Livre, diz que “custa acreditar que um disparate destes possa ser verdade, mas pelos vistos é”. “António Costa muito mal aqui”, classificou.

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