O sócio da VdA critica a falta de eficácia dos nossos tribunais e assume que já não tem “jogo de cintura” para os jogos políticos. Sobre a resolução do BES diz que "está quase tudo por dizer".
Sócio da VdA, Jorge Bleck tem consigo os dossiers como o da Resolução do BES, Novo Banco e TAP. Sobre a resolução do BES e sobre a venda do NB, o advogado de sempre de Pedro Queiroz Pereira, admite que “está quase tudo por dizer no que concerne precisamente às circunstâncias e alternativas que então se deparavam”.
Critica a falta de eficácia dos nossos tribunais e assume que já não tem “jogo de cintura” para os jogos políticos. Defende Rui Rio, no sentido de achar que o seu plano para o PSD tem de ser levado até ao fim mas admite que está “mais à vontade” com Passos Coelho.
Com mais de 30 anos de experiência em M&A, assessorou clientes quer no lado vendedor, quer no lado comprador, nalgumas das mais relevantes operações em Portugal e no estrangeiro, nomeadamente em mainstream M&A, private equity, joint-ventures e privatizações.
Falemos do Novo Banco para onde foram parar os ativos ‘bons’. Como se justifica então as constantes perdas e as constantes necessidades de novo capital metido pelo Fundo de Resolução?
Faz-me uma pergunta à qual lhe posso assegurar que não haveria pessoa que mais gostasse de lhe dar uma resposta cabal. Todavia, para um advogado o sigilo profissional é matéria sagrada. Teria muito para dizer sobre isso e que muito provavelmente esclareceria, quem sabe se de uma vez por todas, muitas das coisas que se vêm dizendo e apontando, a maior parte das vezes sem o menor conhecimento de causa e das circunstâncias. Mas o sigilo a que estou obrigado não mo permite.
O Estado e o Fundo de Resolução foram bem defendidos na altura da venda do Novo Banco?
Continuamos no mesmo registo. É matéria sobre a qual caberá repetir uma frase que o Senhor Presidente da República disse recentemente: “ninguém pode ser bom juiz em causa própria”. Tenho obviamente a minha opinião, mas não a poderei fundamentar como seria necessário sem que incorresse em violação do sigilo profissional a que estou vinculado.
Todavia, deixe-me dizer-lhe algo que aprendi ao longo dos meus mais de 35 anos desta profissão que ainda hoje me apaixona. Quando era jovem – há muitos anos, pois, – era muitas vezes crítico quando me debruçava sobre um documento elaborado por outro colega. Hoje, em que a idade, ao mesmo tempo que me deu cabelos brancos, me deu, em compensação, sabedoria e experiência, percebo que não podemos formular qualquer juízo sobre um documento e sobre o que levou colegas, a maior parte das vezes experientes e sabedores, a aceitar determinadas cláusulas ou a não contemplar outras que, mais tarde e nos desconhecimento dos factos e das circunstâncias, nos parecem óbvias. É essencial termos presente as circunstâncias da negociação, o peso relativo de cada parte e as condicionantes a que os intervenientes possam ter estado sujeitos. Se assim não for, a probabilidade de não sermos rigorosos na apreciação ou justos no juízo, e, como tal, levianos, é enorme.
Ora, sobre a resolução do BES e sobre a venda do Novo Banco está quase tudo por dizer no que concerne precisamente às circunstâncias e alternativas que então se deparavam, ao peso relativo de cada parte interveniente, quer nas negociações quer nas fortes condicionantes internas e externas.
Agora que os documentos contratuais são públicos, estão sujeitos a todas as análises e a todas as críticas. Todavia, receio que sem se ter presente aquele quadro enformador, não se conseguirá fazer a análise que se impõe. Pela minha parte e tendo todo o quadro bem presente na memória, apenas posso dizer que, para além do orgulho que tenho em ter feito parte da numerosa equipa que conduziu o processo, quer quanto à resolução, quer quanto à venda do NB, tenho a convicção de que, se e quando for possível aquele quadro ser igualmente do conhecimento público, será fácil constatar que os interesses do Estado, do Fundo de Resolução e mesmo dos contribuintes, foram salvaguardados o melhor possível.
Como foi a passagem de testemunho e reorganização na sequência da morte inesperada de Pedro Queiroz Pereira?
Toca num tema que ainda hoje enfrento com especial sensibilidade: a partida prematura de um amigo também cliente, com o qual vivi momentos muito desafiantes e muito intensos. Tenho para com Pedro Queiroz Pereira uma enorme dívida de gratidão, a vários títulos, e a sua perda, como pessoa, como amigo e como empresário, ainda hoje a estou a digerir. Vivi ao seu lado e de perto muitos dos seus principais desafios: desde a compra da Secil, à frustrada OPA sobre a Cimpor, à bem-sucedida compra do controlo da então Portucel (hoje Navigator), à resistência à tentativa de assalto para a tomada de controlo do grupo Semapa por parte (como hoje se afigura claro) de Ricardo Salgado. Foram momentos em que se criou uma enorme cumplicidade, um enorme respeito e uma grande amizade.
Pedro Queiroz Pereira vinha de há muito a preparar uma estrutura familiar e uma equipa para a sua sucessão. Essa estrutura, embora apanhada desprevenida, assumiu as rédeas e assegurou a passagem de testemunho. Claro que a sua presença vai fazer muita falta, em particular pelo seu dinamismo, inconformismo, coragem, invulgar capacidade de empreender e visão. Todavia, como sabemos, ele há coisas que estão nos genes e estou seguro de que as suas descendentes e a sua equipa continuarão a notável obra do pai.
Guarda algum tipo de mágoa com o que acabou por acontecer à CIMPOR? A política mostrou-se mais poderosa do que se desejaria?
Já todos escutámos que de nada vale ter razão antes de tempo. A OPA da Semapa em conjunto com a Holcim – uma das cinco maiores cimenteiras mundiais – sobre a Cimpor é disso excelente exemplo.
Os sucessivos governos de Portugal alimentaram o sonho da criação de campeões nacionais; contudo, esqueceram-se, ou não cuidaram de saber, que com a destruição dos grupos privados portugueses levada a cabo com as nacionalizações e com o facto de nenhum governo ter tido a coragem de pagar a justa indemnização que era devida, pura e simplesmente destruíram, a níveis nunca antes vistos, o capital existente em Portugal. Como se isto não fosse suficiente, muito do capital privado que ainda assim restou, acabou por ser desbaratado por má gestão, isto quando não por atuação em violação dos mais elementares deveres a que um gestor está vinculado por lei. O resultado foi o de haver muito pouco capital privado em Portugal em volume que permitisse manter em mãos nacionais aqueles campeões, como hoje está bem à vista. Pedro Queiroz Pereira percebeu isso e antecipou o que acabou por inevitavelmente acontecer: um dia uma das grandes cimenteiras mundiais iria acabar por comprar a totalidade da Cimpor.
Os sucessivos governos de Portugal alimentaram o sonho da criação de campeões nacionais; contudo, esqueceram-se, ou não cuidaram de saber, que com a destruição dos grupos privados portugueses levada a cabo com as nacionalizações e com o facto de nenhum governo ter tido a coragem de pagar a justa indemnização que era devida, pura e simplesmente destruíram, a níveis nunca antes vistos, o capital existente em Portugal.
Em face dessa certeza – que o tempo tratou de confirmar (atualmente a Cimpor é da Camargo Correia, isto já depois de ter sido retalhada com a Lafarge, outra das grandes cimenteiras mundiais) – tratou de se aliar a um desses gigantes mundiais e cuidar de, ao menos, em face do que se via como uma inevitabilidade, que alguns dos principais ativos da Cimpor ficassem em mãos portuguesas.
Tudo isto foi explicado ao governo de então. Infelizmente e não obstante promessas de que iria deixar o mercado funcionar, acabou por intervir, o que levou à retirada da OPA. O resultado está à vista: hoje nem um ativo sequer da antiga Cimpor resta em mãos nacionais.
Essa foi uma das mágoas que guardo dessa operação. Mas há outra que se prende com a facilidade com que distintas e reputadas personalidades que tiveram um papel de relevo naquele desfecho e no que se lhe seguiu, têm em mentir ou mesmo em incorrer em perjúrio diante do tribunal; felizmente ainda não consigo ficar impávido quando assisto vir ao de cima o pior da natureza humana.
Porque se arrependeu de ter estado na PT?
Eu não me arrependi de ter estado na PT. Lamento sim as circunstâncias em que, por razões profissionais, tive de renunciar. Sou, acima de tudo, advogado e o meu dever está, antes demais, para com os clientes e para com a sociedade de que sou sócio. Ter sido, por mais de quatro anos, membro não executivo do Conselho de Administração da PT é algo de que me orgulho e uma experiência que foi muito enriquecedora (e não pela remuneração, diga-se); experiência essa que teve de terminar de forma abrupta em face de uma iniciativa de um cliente que eu não poderia de modo algum prejudicar a pretexto da minha posição pessoal como administrador da PT.
Não sentiu nenhuma promiscuidade excessiva entre a PT e o BES?
Os meus deveres fiduciários como administrador que fui da PT impõem que o que vi e ouvi no Conselho de Administração da PT fique comigo e com aqueles que então foram meus pares na administração.
TAP. Nas negociações entre Portugal e Comissão Europeia, em que ponto está o processo?
Vejo que insiste em me colocar questões que colidem com o meu dever de sigilo profissional. Vai-me, pois, desculpar, que de novo me escuse a responder. Todavia, posso confirmar que até meados de dezembro o Estado terá de submeter à Comissão Europeia um plano de reestruturação do Grupo TAP no qual já se está a trabalhar.
Como correram essas negociações?
O que lhe posso dizer e numa palavra: bem. Com a maior cortesia de parte a parte, uma enorme dedicação da Comissão em decidir num prazo recorde e dentro do quadro legal relativo aos auxílios de Estado em que o caso específico da TAP se enquadrava.
Tem sido uma exigência da Comissão Europeia que no futuro haja uma privatização parcial da companhia?
Até aqui apenas se abordou com a Comissão Europeia as condições do auxílio de emergência e nada mais.
O emagrecimento da TAP tem sido um dos lados da discussão. Mas o ministro Pedro Nuno Santos tem sempre evitado dado como garantido esse emagrecimento. Em que ficamos?
Como lhe disse, para além das condições em que poderia ser prestado o auxílio de emergência que acabou por ser prestado, apenas posso reiterar o que já respondi antes: nada mais foi ainda abordado ou tratado com a Comissão Europeia.
Em que é que esta solução encontrada é melhor do que uma nacionalização da empresa?
Sou advogado e enquanto advogado a política fica à porta. Não me cabe, pois, fazer comentários sobre opções políticas que possam caber ao Estado.
Está disponível para, no futuro, voltar a envolver-se em questões ligadas ao PSD?
Despertei para a política com Sá Carneiro e a Ala Liberal em 1969. Daí ter acorrido logo em maio de 1974, com 19 anos, a filiar-me no PSD, de que, com orgulho, sou o militante n.º 184. Hoje, para mim, ser do PSD é já como ser do Benfica: “é o meu clube”, pelo menos enquanto se mantiver dentro do que creio ser a sua matriz ideológica a qual, diga-se, é complexa e, felizmente, ampla.
Quanto a envolver-me, confesso que gosto de política e da causa pública, mas já há muito que aprendi que para a política, sobretudo como ela é vista em Portugal, não tenho nem jeito, nem jogo de cintura e, já agora, idade.
Como avalia a atuação de Rui Rio?
Conheço Rui Rio há muitos anos, desde os tempos da JSD. Fizemos parte da mesma Comissão Política Nacional quando Marcelo Rebelo de Sousa foi Presidente do PSD. Tenho por ele respeito e admiração como homem integro, sério e dedicado à causa pública. Não tenho a menor dúvida de que está a fazer o que entende ser melhor para o PSD. Mas a minha leitura política do que nos dias de hoje é a social-democracia é de pendor mais social-liberal, algo que, creio, não é a leitura em que Rui Rio se revê; nesse particular estava bem mais à vontade com Passos Coelho. Todavia e a meu ver, ambas as leituras cabem no espectro complexo e amplo da matriz ideológica do PSD. Rui Rio é o líder do PSD, eleito em Congresso. Há que o deixar levar por diante a sua estratégia, mesmo se não se concordar com ela. Tem toda a legitimidade para o fazer e eu só espero que ele esteja certo. Sou dos que acredita que o PSD, independentemente do seu líder, é o partido que, como nenhum outro, saberá sempre conciliar um forte sentido reformista, com a abertura a uma sociedade menos estatizante, fomentando a igualdade de oportunidades e lutando pela melhoria das condições de vida dos mais desfavorecidos.
Rui Rio é o líder do PSD, eleito em Congresso. Há que o deixar levar por diante a sua estratégia, mesmo se não se concordar com ela.
Espera que haja um aumento da atividade de M&A ou de compras por private equity, neste contexto de crise económica?
Como referi há pouco, Portugal é, infelizmente e há muito, um país sem capital privado e sem poupança. Por isso não há o suficiente entre portas para investir. Acresce que o nosso mercado de capitais é incipiente, sem liquidez, excessivamente burocratizado, impondo sobre as empresas uma pesada carga e demasiados ónus, ainda para mais sem que com isso se tenha até hoje conseguido dar a proteção devida a quem investe. Ora, isso não ajuda a atrair investimento nacional. Temos, por isso, de recorrer a capital e poupança estrangeiros.
Num mundo em que as taxas de juro estão negativas e em que os fundos de pensões e os particulares não sabem o que fazer para obter rendimentos das poupanças acumuladas, há uma enorme disponibilidade de liquidez. Este excesso de liquidez está a ser aproveitado pelas sociedades gestoras de fundos de private equity para recolherem no mercado, precisamente junto de fundos de pensões, family offices e outros particulares de elevados rendimentos, montantes a níveis nunca antes vistos.
Estando Portugal na situação de descapitalização antes descrita e com os seus ativos a perderem valor, não é difícil de prever que os ativos disponíveis mereçam atenção particular dos fundos de private equity. Nesse sentido, é de prever que assistamos a um aumento do interesse destes fundos por ativos portugueses.
Pode acontecer, como aconteceu na crise de 2011, que algumas das nossas empresas possam a ir parar a mãos estrangeiras?
Se não houver capital ou poupança nacional, nem um mercado de capitais atrativo em que as empresas nacionais se possam financiar (com equity – ações e não debt – obrigações), desejavelmente sem perderem o controlo, não vejo que se possa evitar assistirmos à continuação da venda de ativos nacionais a estrangeiros.
Infelizmente creio que a fragilidade de Portugal quanto à falta de capital nacional se iniciou bem antes da crise de 2011, já que os problemas de sobre-endividamento das empresas portuguesas por falta de capitais próprios (seus e dos seus acionistas) já é muito anterior. A meu ver, aliás, chega mesmo a conhecer as suas raízes nos idos anos de 1975, com as nacionalizações do 11 de março e a apropriação pelo Estado sem cuidar de pagar a justa indemnização. Isso terá levado os grupos portugueses a terem de se endividar para comprar aquilo que era deles e lhes haviam tirado sem pagar. Qual a consequência? As suas preocupações passaram a focar-se não tanto em capitalizar as empresas, mas antes em extrair delas os lucros necessários que lhes permitisse satisfazer o serviço da dívida.
Continua a achar que Portugal tem tribunais em excesso?
Esta é uma matéria polémica e por isso em vez de eu lhe dar a minha opinião – que porventura interessará a pouca gente – o melhor é deixar aos leitores alguns dados objetivos que lhes permita tirarem por si próprios as conclusões que entenderem.
De acordo com o último relatório (7.º) sobre os Sistemas Judiciários Europeus, relativo a dados de 2016, elaborado pelo CEPEJ (Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça a funcionar junto do Conselho da Europa – CdE), o orçamento português afeta ao sistema de justiça €56,57 por cada 100 mil habitantes, isto quando a mediana europeia (relativa aos 47 países membros do CdE), é de €53,57.
De igual modo e ainda de acordo com o mesmo relatório, Portugal tem por cada 100 mil habitantes mais juízes (19,3), mais magistrados do ministério público (14,5) e, sobretudo, (numa assustadora percentagem), mais advogados (295,6) do que a mediana europeia que é de, respetivamente, 17,8 (juízes), 11 (MP) e 119,2 (advogados). Por outro lado, o número de localizações geográficas de tribunais por 100 mil habitantes era, em 2016, de 2,5, acima da mediana europeia de 1,6.
Ou seja, objetivamente, Portugal afeta à justiça mais dinheiro e mais meios humanos e materiais que a mediana europeia.
Dever-se-ia então esperar, ao menos, que a eficácia do sistema correspondesse. Vejamos ainda com base no citado relatório do CEPEJ: Portugal tem o 3º maior número de operadores judiciários no cômputo dos países analisados do CdE, correspondendo-lhe, no entanto, o terceiro pior lugar relativamente à eficiência do sistema, isto em termos do número de dias necessários para que um processo transite em julgado.
Na verdade, o rácio relativo ao disposition time (“DT” – i.e., tempo decorrido entre a entrada de um processo e o seu trânsito em julgado) é ainda muito insatisfatório (ainda que esteja a melhorar). Basta referir que o DT relativo a (i) processos de natureza cível e comercial é de 289 dias, contra 192 da mediana europeia, (ii) processos de natureza criminal é de 235 dias, contra 117 da mediana europeia e (iii) processos de natureza administrativa é de 911 (!) dias, contra 241 da mediana europeia. Os números não mentem, não têm ideologia e não fazem política.
Que modelo europeu a nossa Justiça deveria seguir para obter melhores resultados?
Eu vou arriscar responder, pese embora não ser um especialista em matéria tão complexa, mas apenas um mero curioso que, aqui e ali, vai lendo algumas das publicações que vão saindo à luz do dia em Portugal e no estrangeiro.
Por exemplo, o Observatório Permanente da Justiça vem de há muitos anos a esta parte a publicar um valiosíssimo trabalho sobre o que se passa na Justiça em Portugal, nomeadamente em comparação com outros países e com as recomendações do Conselho da Europa. Para além disso, tem também um vasto trabalho sobre algumas das reformas que foram sendo implementadas em países como Espanha e a Holanda. Este último, em particular, fez uma reforma no início do século (isto só para ver o quão atrasados estamos) que poderia ser interessante Portugal seguir de perto, já que, em face dos resultados obtidos, poderia servir-nos de inspiração, isto se acaso quiséssemos efetivamente reformar a Justiça.
O que justificou a sua mudança para a VdA em 2013?
No início de 2013 já estava longe da idade em que na Linklaters, tradicionalmente, é suposto um sócio dar o lugar aos mais novos. Acresce que sendo o único sócio em Lisboa que estava há muito no plateau (i.e., no topo do lockstep) o meu número de pontos começava a pesar não só na progressão dos sócios mais novos em Lisboa, como também na possibilidade de em Lisboa se fazerem mais sócios.
Começou então a ficar claro que era chegado o tempo de me retirar, não da profissão, mas da Linklaters e dar espaço à progressão dos mais novos, i.e., àqueles que assegurarão o futuro e a continuidade de um grande projeto.
Que balanço faz dessa mudança?
Tive o enorme privilégio de ser namorado por algumas das melhores sociedades de advogados de Lisboa (foi, confesso, um momento alto para a minha autoestima); acabei por optar pela Vieira de Almeida por concluir que seria aquela onde o meu perfil se poderia encaixar melhor. Hoje posso confirmar que acertei em cheio, razão por que o balanço que faço é o melhor possível. Sinto-me como se estivesse aqui estado desde sempre; como peixe na água, pois comungo dos valores, comungo da cultura, comungo da forma de ver a profissão, comungo do ambiente, comungo da irrequietude e do desejo de fazer sempre mais e melhor, comungo da obsessão pela inovação e pela recusa em estar parado e sobretudo, sinto que, profissional e humanamente, estou entre muito boa gente e gente boa; em suma: a minha gente.
Que diferenças existem entre a Linklaters e a VdA?
Falamos de duas realidades diferentes, porque atuam em mercados diferentes. Para uns o mercado é o mundo e os concorrentes são mundiais; para outros o mercado é Portugal e ainda outros mercados concentrados sobretudo em África, nomeadamente nos países que resultaram da descolonização. Todavia, ressalvada a dimensão e tudo o que ela acarreta (a Linklaters é dez vezes maior do que a VdA em número de advogados e de sócios), os desafios não diferem e as exigências de gestão e de organização não são assim tão diferentes, ressalvado, claro, aqui e ali, aquela condescendência que é (ainda) muito portuguesa. Aliás, o nível da organização com que me deparei na VdA surpreendeu-me bastante pela positiva, de tal modo que foi muito fácil adaptar-me.
O que diferencia a VdA da PLMJ e Morais Leitão, os seus concorrentes mais diretos?
Estamos a falar de três sociedades de topo em Portugal. Tenho o orgulho de ter estado com o João Morais Leitão e o José Manuel Galvão Teles, ambos advogados ímpares, ainda que de perfil muito diferente, na fundação da então Morais Leitão, Galvão Teles & Associados, em 1993. Aliás, foi com o José Manuel Galvão Telles que me fiz advogado, tendo tido na minha formação profissional e humana um papel determinante pelo qual lhe estou grato para a vida.
A PLMJ, foi, depois da então Gonçalves Pereira & Associados (hoje Cuatrecasas), a pioneira das grandes sociedades de advogados em Portugal, muito sob a liderança de quem considero ser ainda hoje o melhor advogado de corporate/business law em Portugal: o Luís Sarágga Leal. Estamos, pois a falar de grandes sociedades e dos nossos principais concorrentes nacionais.
Sobre o que nos diferencia (e deixando a apreciação do fator qualidade para os clientes), eu diria que o que mais me salta à vista é, sobretudo, a forte cultura e unidade da VdA. Creio que o selo VdA é muito forte na colegialidade, na solidariedade entre sócios, no ambiente informal e de camaradagem, na permanente inquietude, na obsessão de não parar no tempo e de não nos deixarmos dormir à sombra dos louros conquistados. Tudo isso se reflete nosso do dia-a-dia e transparece no trabalho que entregamos aos clientes.
Como sócio da VdA, de que forma é que a Covid-19 pode ter mudado a forma de se exercer advocacia?
Creio que ainda é muito cedo para tirarmos conclusões sobre as alterações que a Covid-19 poderá vir a ter na forma como se exercia a advocacia até aqui. De momento receio que ainda não estejamos distantes o suficiente para tirar conclusões.
Claro que algo se irá passar com o teletrabalho a que o confinamento nos levou, aliás em velocidade meteórica, fazendo-nos avançar anos neste capítulo. Mas não creio que o contacto humano entre colegas e com clientes, a livre troca de ideias e de discussões que ele proporciona vá ser coisa do passado. Por certo será intermediado com mais trabalho em casa. Seguramente que o trabalhar desde casa irá passar a ser visto com outro olhar, o que é muito positivo, quer em termos de qualidade de vida, quer mesmo em termos de produtividade. Todavia, não vejo, pelo menos para já, que o trabalho e a presença física no espaço do escritório possam passar para segundo plano, pelo menos na advocacia. Posso estar enganado, claro, mas o tempo o dirá.
O mercado britânico já assumiu que vão proceder a cortes nos escritórios. Acha que esse caminho também poderá vir a ser tomado pelos escritórios portugueses?
Estamos a falar de realidades diferentes. O mercado britânico, como aliás o mercado americano, são de uma flexibilidade e mobilidade impressionantes, que não têm comparação com o mercado português. Em Londres, de um dia para o outro, podem-se dispensar associados (e mesmo sócios) às centenas; todavia, um advogado que se veja dispensado num dia, sabe de antemão que numa questão de semanas ou de um mês estará a exercer a sua profissão noutra sociedade ou numa empresa. Em Portugal, nesse aspeto em particular, tudo é diferente e por isso têm necessariamente de ser diferentes todas as abordagens à chamada gestão do attrition; também nesse capítulo a cultura da VdA é um bom seguro: estamos aqui para sermos uns para os outros, o que não deve ser confundido com abdicarmos de uma criteriosa gestão da performance, crescentemente exigente, já que a isso nos obriga a qualidade com que nos comprometemos para com os clientes.
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