Dona da Bolsa quer que o Banco de Fomento dê garantias públicas para a emissão de obrigações

Presidente da Euronext Lisbon explica, em entrevista ao ECO, como vê a instituição financeira -- que arranca em novembro -- a impulsionar o financiamento das empresas no mercado de capitais.

A menos de um mês do arranque do Banco Português de Fomento (BPF), a presidente da Euronext Lisbon defende que este poderá ser usado para ajudar a dinamizar o financiamento das empresas portuguesas no mercado de capitais. Em entrevista ao ECO, Isabel Ucha pede ao Governo que a instituição complemente o trabalho da banca de investimento privada (nomeadamente junto de empresas de menor dimensão), e dê garantias públicas para a emissão de obrigações.

“O Banco de Fomento deve ter um pilar estratégico dedicado à promoção e desenvolvimento do mercado de capitais, não necessariamente para atividades que sejam concorrentes da banca de investimento privada, mas para atividades que sejam complementares e em que a banca de investimento privada não esteja tão ativa ou porque são iniciativas menos rentáveis ou porque não há tanta apetência naturalmente devido ao modelo de negócio”, explica Isabel Ucha.

A ideia é partilhada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), que fez uma lista de 20 recomendações para a dinamização do mercado de capitais português após um trabalho de diagnóstico que foi feito ao longo de um ano em colaboração com a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e a pedido do Ministério das Finanças. No documento apresentado no início do mês, a OCDE propunha a institucionalização do Círculo Empresarial Português no âmbito do Banco de Fomento para ajudar na formação e esclarecimento, bem como que o banco prestasse serviços de research, subscrição e market maker para empresas mais pequenas sem capacidade de aceder a instituições financeiras maiores e num cenário de escassez destes serviços.

A presidente da bolsa concorda que “para empresas mais pequenas seria interessante que houvesse mais cobertura de research” e também que “ao nível da mobilização, formação e capacitação, o Banco de Fomento podia ter um papel importante”. Mas vai mais longe: “Um terceiro aspeto é, por exemplo, ao nível das garantias mútuas nas emissões de obrigações“, diz Isabel Ucha.

“O Governo — através do sistema nacional de garantia mútua — tem atribuído volumes muito elevados de garantias ao crédito de emergência que está a ser canalizado para as empresas, que é muito importante neste momento que estamos a viver, mas seria interessante começarmos a contar também com garantias semelhantes — delimitado a empresas com menor dimensão e até talvez a alguns setores específicos que precisem de um apoio mais forte, como o turismo por exemplo — para as emissões de obrigações”, refere.

Seria interessante começarmos a contar também com garantias semelhantes — delimitado a empresas com menor dimensão e até talvez a alguns setores específicos que precisem de um apoio mais forte, como o turismo por exemplo — para as emissões de obrigações.

Isabel Ucha

Presidente da Euronext Lisbon

O Banco de Fomento resulta da fusão de três entidades: a Sociedade de Garantia Mútua, a Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD) e a PME Investimentos. Assim, a gestora lembra, dentro do banco, haverá estas várias capacidades que poderão ser aproveitadas para dinamizar o mercado de capitais.

“Porque as emissões de obrigações em mercado alargam as fontes de financiamento e alargam a maturidade dos créditos”, aponta, sublinhando que um dos indicadores que a OCDE identificou foi a elevada dependência de endividamento bancário de curto prazo do tecido empresarial português em comparação com outros países da Europa. “As empresas portuguesas têm muito endividamento, mas sobretudo de curto prazo, que não é todo adequado para financiar investimento, investigação e desenvolvimento ou projetos de internacionalização. Termos mais empresas a emitir mais obrigações no mercado de capitais também seria um resultado muito interessante”, diz Isabel Ucha.

Sobre a forma de funcionamento dessas garantias (nomeadamente o eventualmente condicionamento dos custos das obrigações, como acontece nas linhas de crédito bancário lançadas devido à Covid-19), a presidente da bolsa de Lisboa diz que teriam ainda de ser estudadas. “Não estamos ainda nesse ponto, mas o que me parece é que seria útil para as empresas terem uma opção de financiamento de médio e longo prazo, que permitisse estender estes mecanismos que agora têm, mas que são de emergência e portanto limitados no tempo”.

Regime das SIMFE pode vir a juntar capital público e privado

O tema da dinamização do mercado de capitais não é novo para o Governo, que criou já dois veículos exatamente com esse objetivo: primeiro, as sociedades de investimento para o fomento da economia (SIMFE) e, mais recentemente, as sociedades de investimento e gestão imobiliário (SIGI). Em ambos os casos, são veículos obrigatoriamente cotados em bolsa, que investem num setor específico: as SIMFE em pequenas, médias e micro empresas e as SIGI em imobiliário. Das primeiras existe só uma, a Flexdeal, e das segundas também apenas uma, a Ores.

Sobre o pouco recurso a estes instrumentos, Isabel Ucha diz que “os instrumentos estão lá, esperamos que sejam mais utilizados, até pelo interesse original que eles tinham”, mas admite que há melhorias a fazer, em especial no regime das SIMFE.

“Estamos a olhar para o regime das SIMFE com duas perspetivas. Uma é perceber se esse veículo poderá vir a ser utilizado para dinamizar outro tipo de investimento, até numa lógica público-privada em mercado de capitais, permitindo aqui que o Estado ou o Banco de Fomento possam utilizar este instrumento em parceria com o investimento privado. E também no sentido de simplificar ou corrigir algumas regras que — da experiência que tivemos com a Flexdeal e com outros casos que foram aparecendo e que infelizmente não se chegaram a concretizar — identificámos alguns aspetos a melhorar”, aponta.

Apesar de essa revisão estar ainda numa fase inicial, a presidente da bolsa considera que poderá também, neste caso, ser uma forma de colocar o Banco de Fomento ao serviço da dinamização do mercado de capitais. “Não sei ainda o que vai sair desse trabalho. Esse é um dos trabalhos que porventura poderá também vir a fazer parte da taskforce que está a começar a trabalhar“, acrescenta sobre o grupo de trabalho que foi formado no seguimento da apresentação do relatório da OCDE, que conta com vários intervenientes do mercado — incluindo o Governo, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e associações setoriais, além da Euronext Lisbon — e que irá começar a trabalhar nas próximas semanas para traduzir as recomendações em medidas de política pública.

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