Com os restaurantes quase vazios e quebras de faturação que rondam os 70%, a restauração foi apanhada de surpresa com as novas medidas. Preveem futuro "dramático". Alertam para a onda de falências.
Portugal voltou ao estado de emergência. E com ele, vieram medidas mais gravosas, desta vez apenas para os 121 concelhos de elevado risco de transmissão da Covid-19, nomeadamente o recolher obrigatório à noite e em parte do fim de semana. Em Lisboa e no Porto, depois de alguma retoma nos meses de verão, os restaurantes voltaram, nas últimas semanas, a ficar praticamente desertos com a segunda vaga. Registam-se quebras expressivas de faturação que serão agudizadas pelas novas restrições. Vem aí um período “dramático” para a restauração que, alertam os empresários do setor ao ECO, se durar muito tempo pode abrir caminho a uma onda de falências.
Foi num Conselho de Ministros extraordinário que o Governo concretizou as medidas que enquadram o novo estado de emergência proposto pelo Presidente da República. Entre as novidades está o recolher obrigatório nos 121 concelhos de risco, entre as 23 horas e as 5 horas da manhã. Mas os constrangimentos vão sentir-se também aos sábados e domingos durante os próximos dois fins de semana. A partir das 13h00 e até às 5h00, a regra é ficar em casa. Ou seja, não há jantares fora nos dias em que a restauração mais fatura.
“O fim de semana é a parte forte” do negócio, diz António Branco. “Durante a semana trabalhamos pouco, ao fim de semana é quando conseguíamos recuperar um bocadinho”, afirma o sócio da Cervejaria “A Roda”, em Benfica, ao ECO. “Agora, assim não podemos recuperar“, desabafa.
Situado há cerca de 40 anos na Estada de Benfica, este é um dos restaurantes mais antigos da zona. Mas se antes da pandemia o negócio ia de “vento em poupa”, agora as mesas estão praticamente vazias. Segundo o responsável, “há muito pouco trabalho” e a situação “piorou muito”, desde que o teletrabalho foi decretado obrigatório e a obrigatoriedade do desfasamento de horários foi imposta. “Antes estávamos com quebras na ordem dos 50%, agora com esta fase passou para os 70%”, lamenta.
Para o sócio desta cervejaria, as últimas medidas anunciadas pelo Executivo não “têm lógica nenhuma” já que o vírus “não circula só à noite” e a limitação para o encerramento ser até às 22h30 “é muito cedo para a restauração”. Mas como a lei é para cumprir, António Branco pondera nem sequer abrir nos próximos dois fins de semana. “Não sei se vou fechar estes dois fins de semana, mas se calhar é a melhor opção. Para abrir até à uma da tarde não vale a pena”, admite.
Uns metros mais à frente, no número 540, a situação é semelhante. O “Caco, o Original” só reabriu as portas aos clientes em meados de junho, sendo que enquanto esteve fechado funcionou por delivery. E se em agosto houve uma quebra significativa, em outubro “recuperámos um bocadinho”, conta Diogo Duarte, responsável pelo restaurante, acrescentando que neste início de mês já se nota que “está muito mais fraco do que era habitual”.
E as medidas anunciadas pelo Governo não antecipam nada de bom para o futuro próximo. “Durante a semana já fechávamos às 22h30, por isso, não nos afeta muito. Agora ao fim de semana sim, acredito que nos vá afetar bastante“, assegura. Neste contexto, a limitação de horário aos fins de semana é a maior queixa de Diogo Duarte, já que estes dias representam cerca de “20% a mais” do que estão a faturar aos dias de semana. E tal como a cervejaria “A Roda”, só não vão fechar por causa das entregas em casa. “Abrir ao 12h para fechar à 13h não valia a pena. Como vamos trabalhar com as plataformas de entregas vamos ver o que vai cair”, diz.
Neste momento, é ver mês a mês se compensa continuar aberto ou não, se dá para pagar as contas, se dá para pagar aos colaboradores… Se se mantiver assim vamos aguentado, agora se voltar a cair muito mais vai ser complicado
Para fazer face aos prejuízos o estabelecimento ainda recorreu ao lay-off simplificado, regime extraordinário lançado em resposta à pandemia e que permitia suspender os contratos de trabalho ou reduzir os horários dos trabalhadores, que recebiam, pelo menos, dois terços do seu salário. Neste regime estiveram abrangidos cinco dos oito funcionários, mas as quebras de faturação levaram a que neste momento o pessoal esteja reduzido a seis empregados. “Neste momento, é ver mês a mês se compensa continuar aberto ou não, se dá para pagar as contas, se dá para pagar aos colaboradores. Se se mantiver assim, vamos aguentado. Se voltar a cair muito mais, vai ser complicado“, atira.
Também o confinamento foi “muito difícil” para o restaurante “O Chafariz”, mas o tempo quente dos últimos meses trouxe alguma esperança. Localizado desde 1996 no coração de Benfica, neste restaurante de comida tradicional portuguesa “o sábado costuma ser o melhor dia da semana em termos de faturação e movimento”, revela José Araújo, o dono deste estabelecimento comercial, ao ECO. Em “comparação aos outros dias é para aí 30% a 40% a mais”.
Assim, a limitação dos dois próximos fins de semana vai pesar nas contas do restaurante, que tinha vindo a sentir uma recuperação no verão, já que os clientes preferiam as esplanadas ao espaço interior. “Agora com o inverno e com o frio poucos clientes querem ir para a esplanada e cá dentro é mais difícil porque tenho menos mesas e menos lugares”, assinala. Habitualmente fechado ao domingo, José Araújo ainda não decidiu se vai abrir no próximo sábado, mas nota que há menos clientes a virem aos restaurantes. “Este mês tem estado muito menos. Caiu para metade comparativamente com os clientes que tinha no verão”.
Também David José, dono do restaurante “David”, sublinha que “desde que o primeiro-ministro falou” há menos clientes nos restaurantes. E se em termos gerais, a quebra de faturação ronda os 30% neste estabelecimento, se olharmos apenas para os jantares é ainda mais acentuada. “Ao almoço a quebra é menor, mas aos jantares a quebra é entre 50% a 60%”, assume. Com uma “clientela fixa”, o responsável prevê um período “dramático” para a restauração, na sequência das novas medidas. Assim, para colmatar os prejuízos, o restaurante que fechava habitualmente aos domingos vai abdicar dessa folga, pelo menos nos próximos dois fins de semana, funcionando como take away.
“Todos os negócios estão em risco”
Se na capital os empresário da restauração estão receosos quanto a restrições que, na sua perspetiva, não fazem sentido, na Invicta alerta-se para o exagero das medidas. “O recolher obrigatório é importante, mas acho que existem horários que não fazem sentido como o recolher obrigatório das 13h às 05h nos próximos dois fins de semana. Deixamos completamente de conseguir trabalhar. Foi uma medida exagerada e é duro para a restauração. Estas medidas são duríssimas e está a impossibilitar de faturar“, afirma o chef Vasco Coelho Santos, dono do “Restaurante Euskalduna Studio” e “Semea by Euskalduna”, em declarações ao ECO.
O restaurante “Euskalduna Studio” é considerado um dos melhores restaurantes da cidade Invicta, tendo sido único restaurante português a entrar na lista dos 100 melhores restaurantes do mundo o ano passado, no site Opiniated About Dining, e tem neste momento quebras de faturação de 40%, já o “Semea by Euskalduna” supera os 50%. E se antes da pandemia, este último espaço servia “22 almoços”, agora o restaurante está praticamente vazio. “Hoje servimos oito almoços”, mas foi uma situação atípica, confessa. “Temos dias que servimos um a dois almoços”, refere. Face à situação crítica, o chef alerta que “todos os negócios estão em risco” e que se nada for feito “vai ser duríssimo” e vão “acabar por falir muitas empresas”.
"Damos sustento a muitas famílias e estamos a tentar segurar o barco. Esperamos que não vá ao fundo.”
Também a “Taberninha do Manel”, situada no Cais de Gaia, não contava com o novo estado de emergência, muito menos “com estas “novas regras ao fim de semana”. Com quebras de faturação a chegar aos 80%, Rúben Ferreira, funcionário do restaurante, antecipa o “caos” e um “impacto enorme” para a restauração, já que o fim de semana é o período mais forte para o setor. “Não faz muito sentido esta medida e no horário que estão a praticar. É uma medida que vai afetar bastante a restauração porque no horário normal vamos estar com o restaurante fechado”, diz, antes de António Costa anunciar que vai avançar com um pacote para compensar o setor pelas receitas perdidas nestes dois fins de semana.
Certo é que para tentar aliviar o impacto dos próximos fins de semana, tal como o dono do Restaurante “David”, em Lisboa”, também este restaurante optou por adequar os horários. “Hoje [segunda-feira] era um dia que estávamos encerrados para folga e tivemos que reabrir para compensar um bocadinho os dois próximos fim de semana que vamos ficar em casa parados“, sublinha. A Taberna do Manel emprega 14 pessoas e até agora ainda não despediu ninguém. “Nós damos sustento a muitas famílias e estamos a tentar segurar o barco. Esperamos que não vá ao fundo”. Ainda assim, para já o restaurante não está em risco de fechar portas porque tem uma “estabilidade financeira grande”.
No restaurante “Sabores da Fininha”, também no Cais de Gaia, a situação é ainda mais dramática. Localizado numa zona tipicamente turística, o estabelecimento regista já quebras de faturação na ordem dos 95%, já que a clientela era maioritariamente estrangeira. Segundo Paulo Sousa, sócio-gerente deste estabelecimento, os fins de semana “eram dois dias cruciais para a sobrevivência do negócio” e, por isso, com estas medidas o negócio fica “completamente em crise e comprometido”.
“Neste momento estamos abertos para manter o negócio vivo, não é para ganhar dinheiro”, confessa o sócio-gerente, acrescentando que “se as medidas continuarem a apertar e não existir uma vacina, o negócio não sobreviverá mais de quatro a cinco meses”. Temos feito um grande esforço para manter vivo todos estes anos de trabalho”, assegura.
Neste momento estamos abertos para manter o negócio vivo, não é para ganhar dinheiro. Se as medidas continuarem a apertar e não existir uma vacina o negócio não sobreviverá mais de quatro a cinco meses.
A tentarem resistir desde o princípio da pandemia, tal como vários restaurantes o “Sabores da Fininha” apostou no take away, contudo, Paulo Sousa admite que mesmo assim a aposta “não é suficiente” para salvar o negócio. “A maior parte da restauração aderiu ao serviço delivery, a oferta é muito grande e a procura é pouca. Neste momento o take away representa 5% das vendas. O take away não compensa até porque [as empresas que prestam esse serviço] levam 35% de comissão. É mais que um sócio”.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Restaurantes deitam toalha ao chão. Sem fins de semana “vai ser dramático”
{{ noCommentsLabel }}