Empresas estão “viciadas” na proximidade física. O que fazer para evitar “a febre das reuniões”?

As reuniões por videochamada prolongam-se e, por vezes, com demasiados participantes. Os trabalhadores acusam o cansaço e os especialistas em teletrabalho apelam a uma comunicação mais assíncrona.

Skype, Webex, Zoom, Microsoft Teams, Whatsapp: todas, plataformas digitais. E todas, pontos de encontro diário para milhões de pessoas em teletrabalho. Desde o início da pandemia, o trabalho à distância e, fora do escritório, tornou-se regra um pouco por todo o mundo. As reuniões e encontros presenciais foram substituídos por novas rotinas que incluem as videochamadas diárias e que se estendem por várias horas, em plataformas digitais. É a “febre das reuniões”.

O estudo “When change is the new normal”, desenvolvido pelo especialista em comportamento organizacional Michael Parke, em parceria com a London Business School, e realizado em agosto de 2019, dava conta de que mais de metade da jornada de trabalho dos portugueses (54%) era perdida em “atividades desnecessárias” como reuniões, chamadas telefónicas, ‘emails’ e “outras distrações”. Através de um inquérito ‘online’ que foi respondido por cerca de 9.000 pessoas, de 15 países europeus e oriundas de 10 indústrias diferentes, o estudo propunha-se a “identificar soluções para as organizações desenvolverem todo o potencial das pessoas, num mundo em profunda mutação”.

Agora, pouco mais de um ano depois da divulgação deste estudo, os especialistas em trabalho remoto começam a alertar para as consequências que esta “febre das reuniões” à distância podem ter na saúde mental e na produtividade dos trabalhadores e, em último caso, no impacto económico nos negócios.

Reuniões esporádicas, curtas e com poucos participantes, parecem ser a receita para o sucesso dos encontros à distância, mas será possível quebrar hábitos?

Nadim Habib, professor na Nova SBE e consultor internacional nas áreas de estratégia, inovação e criatividade, acredita que no futuro a comunicação será assíncrona e que os encontros — também por videochamada — continuarão a ser imprescindíveis apenas em dois momentos: na aprendizagem e na construção da cultura organizacional.

“Quando falamos em trabalho remoto, especialmente chamadas remotas, o que tendemos a fazer é não ir suficientemente longe, porque pensamos que isto é temporário. Se eu aceitar que a pandemia mudou tudo, então cria-se um espaço para começarmos a ter conversas um pouco mais sérias sobre como é que queremos funcionar no futuro. Tipicamente, vamos começar a ver que só precisamos de ver as pessoas em momentos de aprendizagem ou em momentos de construção de cultura, em que trabalhamos em grupo. O resto podemos fazer de forma assíncrona”, detalha o professor.

Um dos desafios das reuniões à distância é o foco. Inês Guerreiro, responsável de recursos humanos da empresa de software Penguin Formula, assina que os encontros passaram a exigir uma atenção redobrada, para colmatar as dimensões da comunicação não-verbal ou para gerir os momentos em que as vozes se sobrepõem durante a videochamada. “Dentro da minha rede de contactos, e mesmo dentro da organização onde colaboro, já me confessaram, em jeito de desabafo, sentir alguma sobrecarga no número de reuniões tidas à distância”, começa por contar à Pessoas.

Contudo, Inês Guerreiro verifica que, apesar de frequentes, as reuniões à distância”são bastante pontuais”, ou seja, “se alinhámos a videochamada para às 15h00, ela acontece de facto às 15h00. Da mesma forma, um adiamento de uma reunião tem um impacto distinto, já que mais facilmente se realiza o reagendamento e mais rapidamente se retorna a uma outra atividade”, sublinha.

Trabalho remoto ou trabalho pandémico?

No Web Summit, Jason Fried, CEO da Basecamp, uma empresa norte-americana de gestão de equipas, falou da sua experiência de muitos anos como trabalhador remoto e realçou os perigos do contexto atual de trabalho remoto durante a sua intervenção no Web Summit. Na empresa, as reuniões têm no máximo três pessoas e acontecem apenas quando as partes estão disponíveis.

Têm de estar tantas pessoas quantas as necessárias e envolvidas em cada projeto. Se houver gente a mais numa reunião virtual, isso diz mais sobre a gestão de projeto do que sobre a própria reunião em si.

Henrique Paranhos

Fundador da WEBrand Agency

Por cá, Gonçalo Hall, cofundador do Remote Europe e nómada digital, assegura que todos os seus clientes “têm um problema de excesso de reuniões”. O que estamos a viver não é trabalho remoto, é uma experiência de home office forçada, com as mesmas regras que as empresas tinham nos escritórios mas sem barreiras ou limites, o que leva a um excesso de comunicação que está a levar as pessoas ao burnout e à exaustão”, destaca Gonçalo.

Na área da consultoria às empresas, o especialista aconselha uma videochamada semanal com toda a equipa, “para fortalecer os laços sociais, deve durar 30 minutos ou no máximo 45 minutos e com a equipa de trabalho”, e uma chamada mensal individual entre o gestor da equipa e cada membro da equipa, sendo “50% social e sobre a parte pessoal e 50% sobre o trabalho realizado, bloqueios e feedback”, detalha.

Na WEBrand Agency, uma empresa 100% remota que nasceu muito antes da pandemia, há reuniões semanais para organização do trabalho e as reuniões mais longas são marcadas antecipadamente. Há sempre um planeamento prévio e alguém responsável por liderar a reunião. Contudo, o fundador Henrique Paranhos, acredita que as reuniões só devem acontecer quando “estritamente necessárias”, mas vai depender do tipo de gestão que se quer ter e do tipo de negócio da própria empresa. “Têm de estar tantas pessoas quantas as necessárias e envolvidas em cada projeto. Se houver gente a mais numa reunião virtual, isso diz mais sobre a gestão de projeto do que sobre a própria reunião em si”, sublinha o responsável.

Por isso, Henrique Paranhos aconselha “a flexibilidade suficiente para reuniões pop-up de esclarecimento rápido, de dois, três minutos. Isto porque muitas vezes a comunicação escrita pode ser insuficiente. Mas para isso, temos que ser disciplinados e assertivos, para que essas calls sejam produtivas“.

Calcular o custo de uma reunião

Desde o início da pandemia, Gonçalo Hall tem ajudado empresas na transição para o remoto, e acredita que o preço a pagar por não fazer uma transição correta é “demasiado alto”. “Outro problema que encontro em Portugal é o excesso de chamadas de duas horas com pessoas que nem precisavam estar na chamada”, reforça Gonçalo Hall.

As empresas perdem milhões de euros em reuniões, é um mindset que temos de mudar“, ressalva. Para saber quanto pode estar a perder numa reunião demasiado longa, há já ferramentas online que o ajudam a calcular os gastos, como é o caso da Readytalk ou da Meetingking. Nestas plataformas, pode introduzir o tempo das reuniões e o número de participantes e calcular o custo de cada reunião, tendo por base o salário de cada trabalhador.

Quando falamos em trabalho remoto, o que tendemos a fazer é não ir suficientemente longe, porque pensamos que isto é temporário. Se eu aceitar que a pandemia mudou tudo, então cria-se um espaço para começarmos a ter conversas um pouco mais sérias sobre como é que queremos funcionar no futuro.

Nadim Habib

Professor da Nova SBE

“As empresas ainda estão muito ‘viciadas’ na proximidade física entre colegas de equipa, então tudo será pretexto para marcar uma reunião que acaba por interromper o fluxo de trabalho e por ser contraproducente”, alerta Henrique Paranhos, da WEBrand Agency, que também tem ajudado empresas a transitar para o remoto, desde o início da pandemia. “O que aprendemos com a nossa experiência foi de que não se pode aplicar o conceito one size fits all. Cada caso é um caso, cada empresa é uma empresa, cada equipa é uma equipa. Porque, ao final do dia, as empresas são feitas de pessoas e cada ser humano pode ter diferentes hábitos de trabalho e rotinas de produtividade”, realça o fundador.

Gestores podem ter um papel fundamental

O problema que a pandemia criou é que nós criamos uma ferramenta chamada Teams Zoom, Webex ou Skype, e estamos a tentar fazer tudo com ela“, alerta Nadid Habim, em conversa com a Pessoas.

A pandemia ensinou-nos três coisas muito importantes. A primeira é que muitas das mudanças que fizemos por causa da pandemia, já devíamos ter feito antes. A segunda é que todos [líderes] subestimaram a capacidade das suas equipas para fazer esta mudança. A terceira lição — visível em agosto e setembro –, é a forma como todos queriam voltar para o passado”, sublinha o professor da Nova SBE, questionando: “Em vez de celebrar as equipas, devemos começar a questionar os líderes. Porque que é subestimaram tanto as vossas equipas?”.

Para quem já trabalhava remotamente antes da pandemia, e para quem olha para o futuro, as conclusões são comuns: a comunicação dentro das empresas — e que inclui as reuniões –, terá de ser mais assíncrona e vai exigir mais confiança por parte de quem gere.

O segredo para as empresas que querem adaptar-se a esta realidade, aconselha Henrique Paranhos, é “aprenderem a confiar e comunicar muito – o máximo possível – dar muito feedback e gerir sempre as expectativas das chefias, colegas e colaboradores. E isto não significa estar o tempo todo a reunir por tudo e por nada”, explica.

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