Desde 1976, Parlamento já fez mais de 80 comissões de inquérito. Dez foram à banca
Em 1994, Ferro Rodrigues foi um dos 30 deputados do PS que estiveram na base do inquérito à privatização do Totta & Açores. Há duas semanas, deu posse à 10.ª comissão de inquérito à banca em 30 anos.
Há duas semanas, o presidente da Assembleia da República deu posse à nova comissão de inquérito ao Novo Banco. Na ocasião, Ferro Rodrigues referiu que as “expectativas são altas” em relação ao trabalho dos deputados no apuramento das perdas do banco que foram imputadas ao Fundo de Resolução, e lembrou as responsabilidades que têm as comissões de inquérito, algo que conhece muito bem. Em 1994, enquanto deputado, ajudou a aprovar a primeira comissão de inquérito de sempre em relação a um banco: foi a privatização do Totta & Açores, da autoria de PS, PCP e PSN.
Desde 3 de junho de 1976, quando se iniciou a primeira legislatura, o Parlamento já realizou mais de 80 de comissões de inquérito. Foram 82, ao todo, de acordo com os dados fornecidos pelos serviços da Assembleia da República ao ECO.
Deste total, dez inquéritos parlamentares tiveram como alvo o setor financeiro, contando com as já referidas comissões de inquérito à privatização do Totta & Açores (1994), banco que foi vendido a Champalimaud e que hoje em dia pertence aos espanhóis do Santander, e ao Novo Banco (2020).
Há 26 anos, na apresentação da proposta da comissão de inquérito à privatização do Totta & Açores, o grupo parlamentar do PS, onde estava Ferro Rodrigues, lamentava o bloqueio do PSD a “todos os inquéritos parlamentares relativos às privatizações propostos por todos os grupos parlamentares da oposição”.
Já na altura havia uma preocupação com a “espanholização” da banca portuguesa, com receios em relação à transferência de poder num setor tão sensível:
“A gravidade deste caso, que justificou o pedido de inquérito, insere-se numa lógica de progressivo domínio estrangeiro (nomeadamente espanhol) do sistema financeiro nacional, sendo certo que tal ocorre numa altura em que todos os países (independentemente das obrigações comunitárias) acautelam o controlo nacional desse setor“, notava o grupo de deputados socialistas que contava ainda nas suas fileiras com António Costa, atual primeiro-ministro.
Apesar da falta de consenso, a proposta do PS, PCP e PSN acabou por ser aprovada. E lá surgiu a primeira comissão de inquérito a um banco que se destinou “a apreciar a forma e as condições em que se tem processado a privatização do Banco Totta & Açores e os atos praticados pelo Governo nesse processo, nomeadamente no que respeita ao cumprimento dos limites legalmente impostos à aquisição de partes sociais por entidades estrangeiras”, de acordo com a resolução da Assembleia da República n.º 32/94, aprovada a 20 de maio de 1994.
Volvidos estes anos, ainda hoje o tema do controlo estrangeiro da banca portuguesa se mantém na agenda pública. Porém, no que diz respeito a divergências no Parlamento, as coisas foram diferentes desta vez, com o maior consenso entre os grupos parlamentares quanto à necessidade de investigar as perdas geradas pelo Novo Banco e que foram imputadas ao Fundo de Resolução.
Desde 2017, o Novo Banco já pediu 3.000 milhões de euros ao fundo gerido por Máximo dos Santos, que tem coberto parte dos prejuízos milionários do banco ao abrigo do acordo de capital contingente. Ainda sobram 900 milhões. Os deputados querem saber se tudo foi feito dentro das normas antes de nova injeção. E têm agora quatro meses para trabalhar e chegar a uma conclusão.
Do BCP ao BPN, da queda do BES à Caixa
Depois do inquérito ao caso do Totta & Açores, que só viria a terminar no ano a seguir, em 1995, os deputados só voltaram a debruçar-se sobre temas bancários em comissões de inquérito mais de uma década depois, designadamente em 2008, com as investigações parlamentares ao “Exercício da Supervisão dos Sistemas Bancário, Segurador e de Mercado de Capitais“, na sequência da guerra acionista no BCP, e à “Situação que levou à Nacionalização do BPN e sobre a Supervisão Bancária Inerente“.
Nunca mais pararam desde então, refletindo também um dos períodos mais conturbados para a banca nacional. Surgiram crises (financeira e das dívidas soberanas) e falências de instituições financeiras (BES e Banif) e as fragilidades dos bancos levaram o Estado a injetar mais de 20 mil milhões de euros para salvaguardar a estabilidade do sistema, à razão de 1,7 mil milhões de euros por ano, de acordo com o último balanço do Tribunal das Contas.
É também isto que está em causa agora, como notava o presidente da comissão de inquérito ao Novo Banco ao ECO, Fernando Negrão: “Os deputados devem ter preocupação primeira de saber se dinheiros públicos estão a ser bem usados. Caso contrário, se houve mau uso, devem saber se há ou não consequências. Deve haver, obviamente”, disse o deputado social-democrata.
Eis a lista dos 10 inquéritos à banca desde 1994:
- Comissão de inquérito sobre a privatização do Banco Totta & Açores, da autoria do PS, PCP e PSN (1994-1995);
- Comissão de inquérito ao exercício da supervisão dos sistemas bancário, segurador e de mercado de capitais, da autoria do PSD (2008);
- Comissão de inquérito sobre a situação que levou à nacionalização do BPN e sobre a supervisão bancária inerente, da autoria do CDS-PP (2008-2009);
- Comissão de inquérito ao processo de nacionalização, gestão e alienação do BPN, da autoria do PAR (2012);
- Comissão de inquérito à gestão do BES e do Grupo Espírito Santo, da autoria do PCP (2014-2015);
- Comissão de inquérito ao processo que conduziu à venda e resolução do Banif, da autoria do PS, BE, PCP, PEV (2016);
- Comissão inquérito à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e à gestão do banco, da autoria do PSD, CDS-PP (2016-2017);
- Comissão de inquérito à atuação do XXI Governo Constitucional no que se relaciona com a nomeação e a demissão da administração do Dr. António Domingues, da autoria do PSD, CDS-PP (2017);
- II Comissão de inquérito à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e à Gestão do Banco, da autoria do PSD, PS, BE, CDS-PP (2019);
- Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, da autoria de PS, BE e IL (2020-2021).
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