Economia surpreendeu no final de 2020, mas não chega para compensar mau arranque de 2021

Com a economia a cair menos do que o esperado em 2020, basta crescer 4,4% este ano, em vez dos 5,4% estimados no OE 2021, para atingir o nível do PIB previsto pelo Governo.

A economia portuguesa contraiu 7,6% em 2020, menos do que o esperado, mas ainda assim uma “queda acentuada”, como classificou o Ministério das Finanças. É a maior quebra do PIB no período democrático, provocada pela pandemia, e o novo confinamento decretado em janeiro deverá levar a uma nova contração no primeiro trimestre de 2021. O efeito positivo do crescimento do quarto trimestre não deverá ser suficiente para amparar a redução da atividade económica no arranque do ano, segundo os economistas consultados pelo ECO.

Vamos por partes. Em 2020, Portugal, tal como outros países, foram assolados pela pandemia de Covid-19 que, além da crise de saúde, levou a uma queda da atividade económica “sem precedentes” na série estatística. Contudo, os dados divulgados esta terça-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmaram essa expectativas, mas trouxeram uma surpresa positiva: a queda foi menos má, face ao previsto, e no quarto trimestre, com restrições em vigor em grande parte do território, o PIB cresceu face ao terceiro trimestre, em vez de cair, como se previa.

Esta resiliência da economia portuguesa no final de 2020 apanhou de surpresa os economistas — “julgo que se terá sobrestimado o impacto do confinamento“, admite Pedro Braz Teixeira –, e levaria, numa situação normal, a melhorar as perspetivas de 2021: “É verdade que em termos puramente matemáticos, o primeiro trimestre parte de uma base relativamente mais alta, o que seria relevante num contexto de ‘normalidade’ em que a economia tipicamente cresce de uma forma quase linear”, explica Paula Carvalho, economista-chefe do BPI, ao ECO, referindo-se ao “significativo” efeito de carry-over (de contágio) do PIB, “na ordem dos 2,7 pontos percentuais”.

Contudo, não estamos em tempos normais. “Tal como em 2020, a evolução trimestral [em 2021] será muito volátil, com queda nos primeiros meses do ano e recuperação posterior”, explica a economista, alertando que “as oscilações são de tal dimensão que esse fator [efeito de carry-over] é pouco relevante”. Assim, o crescimento da economia no final de 2020 de pouco servirá a um 2021 que arrancou logo com um confinamento. “O efeito do novo confinamento deve dominar o efeito carry-over, mas estamos em território estatístico novo”, reforça João Borges de Assunção, do NECEP/Católica.

Os economistas consultados pelo ECO consideram que o impacto do novo confinamento deste ano ficará abaixo do do segundo trimestre de 2020, mas acima do efeito das medidas restritivas de novembro e dezembro, apontando para uma contração em cadeia — o Santander, por exemplo, aponta para uma queda de 6 a 7% face ao quarto trimestre. Apesar de tanto a Católica como o Fórum para a Competitividade já admitirem cenários com recessão também em 2021, os restantes economistas continuam a acreditar numa retoma económica este ano, ainda que mais tímida do que o previsto anteriormente.

“Dados os apoios em vigor, externos e nacionais, que permanecerão amplos, e face à perspetiva de progressos na vacinação, o cenário a partir do segundo trimestre é positivo, pelo que a nossa previsão para o conjunto do ano se mantém em 4,9% ainda que sujeita a riscos de reavaliação“, diz Paula Carvalho, do BPI. Já Rui Constantino, economista-chefe do Santander, está mais pessimista ao antecipar que, “mesmo com uma rápida reversão no trimestre seguinte, a média anual deve traduzir-se num crescimento mais baixo em 2021, em redor de 2%”.

O novo confinamento terá um impacto negativo, mas é mais limitado que o de março/abril de 2020, nomeadamente sobre a indústria, que tem sido um dos setores mais resilientes“, detalha António da Ascenção Costa, do grupo de análise económica do ISEG, admitindo que “o facto de o nível do PIB ter sido maior no final de 2020 deixa melhores perspetivas para 2021 e permite uma recuperação mais robusta se os problemas na frente sanitária se vierem a resolver gradualmente”. Paulo Rosa, do Banco Carregosa, antecipa que o impacto deverá ser negativo, mas recorda que “ainda faltam dois meses para o final do trimestre e se o pico desta atual vaga da pandemia estiver a ser alcançado e se as restrições forem levantadas mais cedo do que esperado, o impacto na economia não será tão penalizador“.

Certo é que a palavra de ordem continua a ser “incerteza” e, por isso, ainda há muitos riscos que ao longo deste ano podem baralhar as previsões económicas. Paula Carvalho refere pelo menos três a que se deve estar atento: “A capacidade de contenção da terceira vaga de contágios, particularmente intensa em Portugal; a evolução das medidas de contenção e restrição à mobilidade, com o impacto potencial na época de turismo de 2021; e os progressos na vacinação e concretização do objetivo [da Comissão Europeia] de vacinar 70% da população adulta até ao final do verão”.

Com praticamente 11 meses ainda por decorrer, a imprevisibilidade ainda é grande, mas o Governo tem agora uma “boa notícia” depois de ter uma “má notícia” com o novo confinamento: para chegar ao mesmo nível do PIB no final de 2021 que tinha projetado no Orçamento do Estado, agora “só” precisará de colocar a economia a crescer 4,4%, em vez dos 5,4% estimados anteriormente, dado que o ponto de partida é melhor. O mesmo se aplica às contas públicas, com o défice abaixo do esperado, mas a “folga orçamental” poderá esgotar-se rapidamente com o reforço dos apoios públicos para amparar o impacto do novo confinamento.

Quarto trimestre foi uma “surpresa positiva”. Mas de onde veio?

Na estimativa rápida, o INE não detalha o que aconteceu à economia no quarto trimestre face ao terceiro trimestre — diz apenas que tanto a procura interna como a externa deram um contributo positivo — para que o PIB tenha crescido em vez de contrair, como antecipava a maioria dos economistas. Contudo, especula-se: o Governo, desde logo, atribuiu o sucesso às empresas pelo lado do investimento e das exportações, disse Siza Vieira, e aos apoios públicos que o Governo colocou no terreno.

O tira-teimas só chegará a 26 de fevereiro quando o gabinete de estatísticas divulgar os pormenores da evolução do PIB no final do ano passado, mas os economistas adiantam algumas explicações. “No caso de Portugal, o impacto relativamente pequeno do confinamento parcial do último outono na atividade económica é uma surpresa positiva”, diz João Borges da Assunção, concluindo: “Os custos dos confinamentos parciais podem ser menores do que antecipávamos anteriormente“.

Rui Constantino, do Santander, aposta mais no Natal: “A evolução decorrerá sobretudo dos efeitos positivos da reabertura no período do Natal, além das exportações”, nota. Já Paula Carvalho, do BPI, adianta que “os motivos para ter sido melhor prendem-se com maior resiliência da procura interna, atendendo ao destaque do INE, sobretudo o comportamento do investimento tem sido boa surpresa“. Quanto às exportações, a economista assinala a maior resiliência das exportações de bens — nomeadamente produtos agrícolas e farmacêuticos — face às importações.

Paulo Rosa, do Banco Carregosa, relembra o enquadramento externo: a economia da Zona Euro contraiu menos do que o esperado também, apesar dos confinamentos em alguns países, e a “vizinha Espanha, o maior parceiro económico de Portugal, cresceu também 0,4% no quarto trimestre, quando era esperada uma contração”. “Os números do PIB na Europa melhores do que esperado, e uma expansão económica em Espanha serão provavelmente os principais fatores para o melhor desempenho“, argumenta o economista.

Mas a maioria dos economistas consultados pelo ECO também atribui esta resiliência acima do esperado à eficácia dos apoios públicos. “Os apoios têm sido fundamentais, não só os internos como os externos, com destaque para a atuação forte e musculada do Banco Central Europeu e mecanismos de suporte da Comissão Europeia“, concretiza Paula Carvalho. Porém, essa tese não convence todos: Pedro Braz Teixeira, do Fórum para a Competitividade, referindo-se aos apoios internos, diz que é “excessivo elogiar os apoios públicos, até porque foram inferiores ao autorizado”, isto é, o défice e a despesa ficaram aquém do orçamentado.

Só os dados mais completos do INE permitirão ter conclusões, mas António da Ascenção Costa, do ISEG, diz que “é provável que o consumo público tenha dado um contributo positivo, tal como no terceiro trimestre”, admitindo que “talvez o comportamento menos negativo do investimento tenha a ver com investimento público”. Ainda assim, o economista recomenda cautela sobre a “eficácia, ou não, dos apoios públicos à economia”: “Há sempre um efeito positivo, [mas] se foi suficiente ou não, e mais ou menos eficaz, é difícil de avaliar no momento”, conclui.

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