Alex Muscatelli, responsável pela avaliação de ratings soberanos, diz que a Fitch estará a acompanhar as políticas de resposta ao novo confinamento e o uso dos fundos vindos da Europa.
A dimensão, abertura e exposição ao turismo da economia portuguesa poderão ser entraves à retoma. Mas será o ritmo da retoma que marcará o regresso da dívida e do défice a uma trajetória de redução. Esta é a expetativa de Alex Muscatelli, responsável pela avaliação de ratings soberanos da agência Fitch, que não espera austeridade nos próximos dois anos em Portugal.
Em entrevista ao ECO, por ocasião da conferência anual da agência de rating, Muscatelli explica que a Fitch vai acompanhar a resposta do Governo português ao novo confinamento, bem como o aproveitamento dos fundos vindos da Europa. Deixa ainda um aviso: a qualidade dos ativos da banca vai deteriorar-se com o fim das moratórias pelo que é preciso, tanto aos bancos como ao supervisor, preparar esse momento.
A dívida recorde compromete o rating de Portugal?
O elevado nível de dívida pública de Portugal — estimamos que seja o terceiro mais elevado da Zona Euro em 2020 — condiciona o rating. Mas os riscos associados ao elevado stock de dívida são mitigados por baixos custos de juros e um prazo médio relativamente longo da dívida. Além disso, as condições de financiamento de Portugal são muito favoráveis, beneficiando do programa de compra de ativos do Banco Central Europeu (BCE) e da resposta à pandemia em toda a União Europeia. O facto de uma parcela relativamente alta da dívida ser detida por credores oficiais também atenua os riscos de refinanciamento (40% da dívida total).
Quando se espera uma diminuição?
Esperamos que o rácio da dívida comece a diminuir este ano, dada a recuperação económica projetada, e atinja cerca de 131% do PIB em 2022. Nessa altura, a dívida pública ainda estará a aumentar em termos nominais, mas a um ritmo mais lento e o pico deverá acontecer logo a seguir. Esperamos que o défice volte a cair nos próximos dois anos, para 2,8% do PIB até 2022. Há riscos para ambos os lados das nossas projeções.
Esperamos que o rácio da dívida comece a diminuir este ano, dada a recuperação económica projetada, e atinja cerca de 131% do PIB em 2022. Nessa altura, a dívida pública ainda estará a aumentar em termos nominais, mas a um ritmo mais lento e o pico deverá acontecer logo a seguir.
Como será possível fazer essa diminuição? Esperam austeridade?
De forma geral, a melhoria nas métricas das finanças públicas será impulsionada pela recuperação económica. Apesar de terem havido medidas de aumento da receita no orçamento, a orientação orçamental geral ainda é expansionista. Portanto, não caracterizaria a melhoria nas métricas de finanças públicas que devemos ver este ano e no próximo como o resultado de “austeridade”.
Apontava o impacto da política do BCE nos juros de Portugal. Ainda poderá haver mais descidas? Há mais que o BCE possa fazer?
É difícil dizer. É certo que não esperamos que as taxas de juro de curto prazo na Zona Euro subam nos próximos dois anos e, nos últimos meses, temos assistido não só a um queda das yields das obrigações de Portugal a longo prazo como do spread face à Alemanha, em pontos, o que é um sinal de menor risco. O que o BCE está a fazer é muito importante. Isto tem importado para a nossa avaliação de rating e continuará a importar.
A política monetária do BCE reduziu os riscos de refinanciamento dos soberanos da Zona Euro a curto prazo e está a ajudar a viabilizar a resposta orçamental a esta crise. Baixas yields das obrigações e um período alargado de quantitative easing apoia a qualidade de rating dos países pois reduz o fardo do serviço da dívida. Isto é particularmente relevante para países como Portugal, onde o stock de dívida pública é extremamente elevado.
Mas tenho de sublinhar que, na nossa opinião, a política monetária do BCE dá apoio aos países, mas não é um limite. E os riscos de elevado endividamento são atenuados, mas não são totalmente neutralizados pelas condições de financiamento extremamente favoráveis.
A política monetária do BCE dá apoio aos países, mas não é um limite. E os riscos de elevado endividamento são atenuados, mas não são totalmente neutralizados pelas condições de financiamento extremamente favoráveis.
Além do endividamento, que outros fatores vão influenciar o rating de Portugal?
Além do elevado nível de dívida pública, o baixo potencial de crescimento de médio prazo é a outra principal restrição ao rating. Esses fatores são equilibrados pelos pontos fortes institucionais de Portugal, elevado rendimento per capita em comparação aos pares e indicadores de governança relativamente rígidos.
Olhando para fatores que possam conduzir a subidas no rating, destaco o regresso da dívida pública a uma firme trajetória de descida, em conjugação com melhorias no crescimento da economia portuguesa, possivelmente potenciadas por reformas estruturais. Uma deterioração das perspectivas de médio prazo para as finanças públicas seria um fator que poderia afetar o rating ou o outlook numa direção negativa.
O PIB português teve uma queda menor que o esperado em 2020, mas Portugal está num novo confinamento. Quais as expetativas para a recuperação?
Estimamos que a economia portuguesa cresça 4,8% este ano, mas o novo confinamento que Portugal enfrenta representa um claro risco para as nossas previsões. Ao mesmo tempo, a primeira estimativa para 2020 indica que a queda do PIB não foi tão acentuada quanto esperávamos — de 7,6% face à nossa projeção de 8,8%. Mecanicamente, isso melhorará o efeito de carryover e a taxa média de crescimento para 2021 — veremos qual efeito é o mais forte.
De um modo mais geral, uma economia pequena e aberta como a de Portugal, com elevada dependência do turismo deixa o nosso cenário base vulnerável a riscos descendentes para a indústria de viagens global e desenvolvimentos nos principais parceiros comerciais. Por outro lado, os fundos disponibilizados pelo Next Generation EU, se utilizados de forma eficiente, representam uma vantagem para as nossas projeções, tanto a curto quanto a médio prazo.
Embora as moratórias de crédito tenham impedido um aumento rápido do crédito malparado em Portugal, representam riscos claros de médio e longo prazo para o setor. a Fitch espera uma deterioração severa na qualidade dos ativos bancários em 2021.
Têm preocupações políticas? O PS está a ganhar peso nas sondagens, mas perdeu o apoio informal da geringonça. É um risco?
Estamos mais focados na direção das políticas económicas do que nas dinâmicas dos partidos políticos. Em particular, estamos a olhar para possíveis anúncios de políticas orçamentais suplementares após as restrições mais recentes e, depois, na primavera, para as atualizações dos planos do Governo, especialmente para como pretende usar os fundos do Next Generation UE e do Programa de Estabilidade. Vamos analisar estas implicações no contexto da nossa próxima revisão para Portugal, em meados de maio.
E no sistema bancário, vê riscos? Haverá um agravamento do malparado no fim das moratórias?
Embora as moratórias de crédito tenham impedido um aumento rápido do crédito malparado em Portugal, representam riscos claros de médio e longo prazo para o setor. Uma elevada percentagem de empresas portuguesas recorreram a este regime (beneficiam cerca de 30% do total dos empréstimos a empresas), incluindo em alguns dos setores mais afetados. Também há sinais de alguma exposição a famílias em situação de vulnerabilidade com experiência recente de dificuldades de pagamento.
Portanto, a Fitch espera uma deterioração severa na qualidade dos ativos bancários em 2021. O nosso cenário base é que o índice de crédito com imparidade do sistema bancário aumente para cerca de 9% nos próximos 12 a 18 meses, já que os bancos terão que continuar a analisar dinamicamente quais os clientes em risco de ficarem sem capacidade de retomar os pagamentos após o fim da moratória. E esperamos que os supervisores bancários monitorizem de perto o desempenho esperado dos empréstimos subjacentes, aumentando o escrutínio sobre as carteiras dos bancos.
Poderemos enfrentar uma crise no crédito?
Na realidade, os dados apontam para uma dinâmica de crédito positiva nos últimos meses, embora também apontem para padrões de aperto. As linhas de crédito garantidas pelo Estado têm suportado os volumes de crédito de forma significativa e, portanto, mitigam o risco de uma crise de crédito no curto prazo. No entanto, o envelope de Portugal para empréstimos garantidos pelo Estado tem um espaço relativamente limitado para novos empréstimos. Um apoio adicional para além do envelope acordado teria de ser discutido com as autoridades europeias.
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Recuperação económica deverá fazer baixar o défice sem austeridade, diz a Fitch
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