O Social Trading e o Short Selling: o caso da GameStop
Esta será, certamente, uma matéria a ser objeto de iniciativas regulatórias no curto prazo, que procurarão acautelar os interesses a ponderar.
A internet 2.0 e a tecnologia chegaram às atividades tradicionais do mercado de capitais, trazendo consigo a democratização de investimentos que até há pouco estavam reservados a setores especializados. Como geralmente acontece no fenómeno da tecnologia financeira (FinTech), à inclusão financeira anda ainda associada uma redução significativa de custos de intermediação. Existem, também, novos riscos: o recente caso, da supervalorização das ações da empresa GameStop é disso bem elucidativo.
Apps de trading sobre instrumentos financeiros, onde não existem comissões de intermediação, associadas a feeds de notícias em redes sociais, possibilitam a investidores de retalho o acesso ao mercado de capitais e formas alternativas de analisar dados financeiros, permitindo-lhes saber o que outros investidores estão a fazer e copiar e comparar técnicas e estratégias. Permite-lhes, assim, reduzir o custo de formação sobre o funcionamento dos mercados e também concertar estratégias de investimento.
Foi o que esteve na origem da valorização muito acentuada das ações da GameStop.
Grandes fundos de investimento (“hedge funds”) apostavam na desvalorização da GameStop, vendendo as suas ações a descoberto (“short selling”): procederam à venda de ações emprestadas, para as adquirir posteriormente (para as restituir) a um preço mais baixo do que o da venda. Em reação a essa estratégia, os social traders adquiriram opções de compra (“call options”) sobre o mesmo ativo, obrigando intermediários financeiros a adquirir ações daquela empresa para cobrir (“hedging”) o risco da operação, movimento que levou à sua valorização.
A valorização das ações fez entrar os hedge funds em possíveis perdas potenciais (pela compra de ações (para restituir os empréstimos) a um preço mais elevado que o da sua venda), assim chamado de short Squeeze, o que levou à necessidade de virem a adquirir as ações da GameStop, em larga escala no mercado, para limitar a acumulação de perdas decorrente da crescente valorização do ativo.
Tudo isto provocou uma espiral de procura que levou a um aumento de valor de ações acima dos 1700%.
Com as vendas a descoberto, realidade que não é nova, pode questionar-se se estamos apenas perante uma aposta na desvalorização ou se já estamos a caminhar para uma profecia autorrealizável (“sel-fulfilling prophecy”).
A União Europeia tem entendido que tal estratégia pode ser admitida, na medida em que contribui para a eficiente formação dos preços, policiando valorizações especulativas passíveis de criação de bolhas no mercado, tendo aprovado, em 2012, o Regulamento (UE) n.º 268/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14/03 de 2012 (“Regulamento”), que é a principal peça legislativa a disciplinar as vendas a descoberto.
A novidade deste caso reside, no entanto, nas implicações jurídicas do social trading.
A valorização da GameStop foi artificial, não era sustentável: tendo chegado aos USD $ 347,51, em 27 de janeiro, as ações estão hoje a $ USD 46,00. Com esta enorme volatilidade, investidores de retalho veem aumentar o risco de virem a suportar perdas significativas, em especial se sugestionados pela informação existente nas redes sociais.
Na sequência deste episódio, a Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA), na sua comunicação do passado dia 17 de fevereiro (ESMA70-155-11809), salienta a necessidade de que investidores de retalho sejam extremamente cautelosos quando tomam decisões de investimento exclusivamente baseados em informações das redes sociais ou outras plataformas online não reguladas, devendo conformar a fiabilidade e qualidade da informação.
Por outro lado, afirmando que o social trading não é, por si só, uma prática abusiva de mercado, sublinha que organizar ou executar estratégias coordenadas para negociar ou colocar ordens em certas condições e horários para mover o preço de uma ação pode constituir manipulação de mercado. Afirma, finalmente, que as recomendações e consultoria de investimento são matéria de intermediação financeira e, logo, sujeitas a regulação.
Esta será, certamente, uma matéria a ser objeto de iniciativas regulatórias no curto prazo, que procurarão acautelar os interesses a ponderar: promover a inovação salvaguardando a integridade do mercado e a proteção dos investidores.
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