As empresas e os custos com o teletrabalho. Uma visão diferente

  • Tiago Piló e Rui Diniz Miquelis
  • 1 Março 2021

Não nos parece que, no âmbito da resposta à conjuntura de pandemia, estejamos, em bom rigor, perante um verdadeiro teletrabalho, que mobilize prontamente a aplicação das normas do regime geral.

Recentemente, o Governo tornou público o seu entendimento de que as empresas estariam obrigadas a suportar os custos de internet e de telefone dos trabalhadores que estivessem em teletrabalho.

Nos tempos que vivemos, em que se legisla por diploma, por FAQs e por conferência de imprensa, poucas – ou mesmo nenhumas – foram as vozes que se levantaram contra esta posição.

Mas será mesmo assim?

Parece claro que o entendimento do Governo se baseou numa norma do regime geral do teletrabalho, estabelecido no Código do Trabalho, segundo a qual, na falta de estipulação expressa, a responsabilidade pelo pagamento das despesas de consumo inerentes à utilização das tecnologias de informação e de comunicação cabe à empresa. Com efeito, devendo o teletrabalho, nos termos gerais, ser objeto de um acordo escrito, no qual deve ficar expressamente estabelecido, entre outros aspetos, quem é responsável pelo pagamento das inerentes despesas, a lei presume que, na ausência dessa estipulação em concreto, a responsabilidade é do empregador.

Quer isto dizer que o Governo se socorreu do disposto nesta norma do Código do Trabalho (o já famoso art. 168.º) para afirmar que, em relação aos trabalhadores que se encontrem a exercer a sua atividade a partir do domicílio, as empresas têm que pagar os custos relacionados com o tarifário de comunicações e ligações de acesso à internet (excluindo, contudo, despesas de outra natureza, como sejam aquelas relacionadas com o consumo de água, gás e eletricidade).

Todavia, no atual quadro legal de combate à pandemia, o teletrabalho foi imposto, independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções em causa o permitam e o trabalhador disponha de condições para as exercer. Neste sentido, o recurso às normas do regime geral do teletrabalho – que tem na base um acordo entre as partes – e a sua aplicação a esta forma obrigatória de trabalho à distância não é de todo evidente, desde logo porque não é certo que o regime excecional de teletrabalho, no âmbito da pandemia da doença COVID -19, se equipare ao regime geral de teletrabalho previsto no Código do Trabalho.

Com efeito, as diferenças entre os dois regimes são, de facto, assinaláveis:

  1. Obrigatoriedade: enquanto que o teletrabalho do regime geral é facultativo, dependendo do consenso das partes, o teletrabalho do regime pandémico é obrigatório, por determinação legal;
  2. Formalidade: enquanto que o teletrabalho do Código do Trabalho tem de constar de documento escrito, o teletrabalho atual dispensa qualquer formalização;
  3. Âmbito de aplicação: enquanto que o regime geral do teletrabalho é visto como uma modalidade contratual circunscrita às relações de trabalho subordinado, o regime pandémico é igualmente aplicável às relações de trabalho independente, que não se encontram subordinadas à legislação laboral em sentido estrito;
  4. Instrumentos de trabalho: enquanto que, no regime geral de teletrabalho, o empregador não está obrigado a disponibilizar os instrumentos de trabalho necessários, tal obrigação existe no regime pandémico, sem prejuízo de o trabalhador poder usar os seus próprios meios;
  5. Tecnologias de informação e comunicação: o regime geral do teletrabalho comporta uma vertente tecnológica através da qual se exige a utilização das tecnologias de informação e comunicação na prestação do trabalho, ao passo que, pelo menos numa primeira fase, o teletrabalho pandémico abrangeu igualmente funções que não requeriam a utilização daquelas tecnologias, desde que pudessem ser executadas fora das instalações do empregador;
  6. Local de prestação do trabalho: enquanto que o pressuposto do regime geral de teletrabalho se prende com o exercício da atividade do trabalhador em qualquer lugar, desde que fora das instalações da empresa, no regime pandémico, o trabalhador tem obrigatoriamente que desempenhar as suas funções a partir do seu domicílio, atento o dever geral de recolhimento domiciliário.

Assim sendo, não nos parece que, no âmbito da resposta à conjuntura de pandemia, estejamos, em bom rigor, perante um verdadeiro teletrabalho, que mobilize prontamente a aplicação das normas do regime geral, mas antes de uma modalidade de trabalho à distância ou trabalho remoto, porquanto não se verificam os pressupostos necessários à sua qualificação como teletrabalho propriamente dito.

Em face do exposto, questiona-se se faz sentido aplicar uma regra pensada para um regime que está dependente do acordo entre as partes a outro claramente excecional, imposto por determinação do legislador e pensado para dar resposta a uma situação de crise sanitária sem qualquer paralelo.

Estando para breve uma redefinição do quadro legal do teletrabalho, no âmbito da reflexão que se iniciará com o prometido Livro Verde para o Futuro do Trabalho, esta é, seguramente, uma matéria que requer uma clarificação até porque, de acordo com a maioria dos estudos divulgados, a tendência será para, no futuro, ser privilegiado um modelo híbrido, que alternará entre o teletrabalho e o trabalho presencial, no qual esta questão, a par de outras, assumirá um papel central.

  • Tiago Piló
  • Associado coordenador da VdA
  • Rui Diniz Miquelis
  • Associado da VdA

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