Não compete ao Ambiente pronunciar-se sobre existência de “borla fiscal” à EDP, diz Governo

APA deu à EDP, Águas Profundas, GDF Internacional, Mirova Hugo e Crédit Agricole a autorização para a venda das barragens "no âmbito de uma transação entre estas entidades privadas".

Depois de há dois dias ter dito que não há mais nada a acrescentar sobre a venda de seis barragens da EDP à francesa Engie, por 2,2 mil milhões de euros, o Ministério do Ambiente e da Ação Climática veio agora esclarecer que a Agência Portuguesa do Ambiente apenas se “pronunciou sobre os aspetos técnicos a que estava obrigada no que respeita à transmissão dos títulos de utilização de recursos hídricos“.

“Não está — nem pode estar — aquela agência obrigada a outras considerações sobre um negócio que envolve privados, nem compete àquela agência pronunciar-se sobre a sua natureza fiscal”, disse fonte do MAAC ao ECO/Capital Verde.

No parecer da APA de novembro de 2020, fica explícita a autorização da venda das barragens dada pela agência à EDP, à Águas Profundas (que mais tarde viria a chamar-se Movhera I – Hidroelétricas do Norte e a integrar por fusão a Camirengia Hidroelétricos, a sociedade para a qual a EDP transferiu as barragens), à GDF Internacional, à Mirova Hugo e à Predica Prévoyance Dialogue du Crédit Agricole, “no âmbito de uma transação entre estas entidades privadas”.

A sociedade Águas Profundas tinha sido criada quase um ano antes, em dezembro de 2019, pelo consórcio da Engie (40%), Crédit Agricole Assurances (35%) e Mirova (25%) com a perspetiva de explorar no futuro as barragens da EDP. A empresa foi criada com o objetivo concentrar os interesses dos vários acionistas numa única sociedade, através da qual se iriam desenvolver as negociações e comunicações com a EDP até à conclusão do processo de aquisição.

Nos últimos dias, Bloco de Esquerda e PSD têm levantado dúvidas sobre uma eventual “borla fiscal” dada pelo Governo à elétrica na venda das barragens. A suspeita foi levantada por Adão Silva, líder parlamentar dos social-democratas e deputado eleito pelo círculo eleitoral de Bragança (onde se situam as barragens), em declarações ao ECO.

O deputado do PSD diz que acha “estranha a articulação entre o Ministério do Ambiente e o das Finanças” neste assunto, acusando-os de “criar um conjunto de fantasias” que levaram este processo para uma “engenharia fiscal” ou “planeamento fiscal (agressivo) para evitar os impostos nesta transação”. E recorda que o operação teve de ser autorizada pelo próprio Estado, através da Agência Portuguesa do Ambiente, da Direção-Geral de Energia e Geologia e da REN – Redes Elétricas Nacionais, as quais deram parecer positivo, e pela Comissão Europeia.

Já a líder bloquista, Mariana Mortágua, acusa a EDP de “fugir ao Imposto do Selo” no valor de 110 milhões na venda das barragens, mas também o Governo por permitir que isso acontecesse.

O MAAC vem também agora esclarecer que os contratos de concessão relativamente às barragens podem ser objeto de transmissão nos termos previstos no artigo 72.º da Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, na sua redação atual (Lei da Água).

“Tratando-se da concessão de um contrato, a sua transmissão assume a forma de cessão da posição contratual, aplicando-se o Código dos Contratos Públicos. Esta cessão carece sempre da autorização do contraente público, a qual só pode ser concedida após comprovação de que o potencial cessionário – adquirente do título – possui as habilitações, capacidade técnica e financeira exigidas ao concessionário originário”, explica o Governo.

Significa que a EDP podia vender as barragens mas para isso precisava da autorização do Governo, que tem de se certificar que quem compra sabe o que está a fazer e vai conseguir substituir a elétrica portuguesa na tarefa de gestão das mesmas.

Para esta avaliação, diz fonte do MAAC ao ECO/Capital Verde, foram então exigidos às empresas envolvidas na transação “os documentos que fizessem prova destes elementos, que foram apresentados, tendo-se concluído que possuía capacidade técnica e financeira para a prossecução das obrigações que constam nos referidos contratos de concessão que seriam transmitidos”.

A DGEG apenas se pronunciou sobre a transmissão das licenças de produção, tal como está obrigada. Quanto à APA deu o seu parecer favorável, mas com condições: durante dois anos a EDP deve dar apoio técnico à gestão das concessões; e quem compra fica impedido de prevalecer dos seus acordos e contratos realizados com a EDP para invocar ao Estado qualquer alteração futura nos contratos de concessão; registar em Portugal as empresas relacionadas com a propriedade e operação das barragens, entre outras.

Diz fonte do ministério que “os termos destas pronúncias de entidades tuteladas pelo MAAC são conhecidos e constam da página do Parlamento”.

As obrigações ambientais de quem comprou

O MAAC prefere agora pôr a tónica nas obrigações ambientais associadas à exploração das barragens” do Douro a que a empresa compradora estará sujeita daqui para a frente e que estão associadas à gestão destes aproveitamentos hidroelétricos, tais como ocumprimento de convenções internacionais, nomeadamente a Convenção de Albufeira, a gestão em situações de exceção, na defesa de pessoas e bens e ainda a articulação com outros usos de um recurso tão valioso e escasso como é a água”.

Assim:

  • Passou a estar definido a obrigatoriedade de garantir nas albufeiras da cascata do Douro um volume mínimo diário, o que permite ir mais além do que as obrigações associados ao regime de caudais da Convenção de Albufeira;
  • Foram definidas as condições de bombagem entre as albufeiras exploradas por concessionários diferentes, garantindo que esta exploração não coloca em causa o estado das massas de água;
  • Foi realizada uma caracterização detalhada do estado de cumprimento das obrigações no âmbito dos contratos de concessão em questão, em particular as medidas constantes das Declarações de Impacte Ambiental, bem como da transmissão de responsabilidades, incluindo um período de transição de dois anos em que a EDP acompanhará os trabalhos, garantindo a continuidade de implementação das medidas ambientais, manutenção e monitorização;
  • Foi incluída nas barragens que já teriam pago a Taxa de Recursos Hídricos a obrigatoriedade de pagamento do que resultar da aplicação do coeficiente de escassez que venha ser definido na sequência dos estudos estão a ser elaborados e deverão estar concluídos durante o 1º semestre de 2021;
  • Foram densificadas as obrigações de operacionalidade das passagens para peixes existentes na cascata das albufeiras do Douro entre o Pocinho e Crestuma.
  • A APA reservou-se no direito de fazer uma avaliação, ao nível da bacia do Douro, dos caudais ecológicos ou ambientais que devem ser garantidos bem como a responsabilidade a associada a cada utilizador dos recursos hídricos para os manter, podendo vir a ser necessário fazer acertos nas condições de exploração definidos nos diferentes títulos emitidos.

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