“O Grande Confinamento”. Um ano depois, uma crise pandémica cheia de recordes
Em 2020, a pandemia "rebentou" com as estatísticas, levando-as para números impensáveis. Houve muitos recordes, a maior parte deles negativos, e uma certeza para os economistas: a incerteza.
Para o bem e para o mal (mais para o mal), 2020 foi um ano de recordes no que se refere a dados económicos. “O Grande Confinamento”, nome que foi dado a esta crise pelo Fundo Monetário Internacional, provou quebras históricas na atividade económica, subidas anuais sem paralelo do défice orçamental e da dívida pública e uma disrupção no comércio internacional. Apenas o mercado de trabalho teve uma reação mais contida, pelo menos na Europa, incluindo Portugal. Um ano depois, a crise pandémica ainda paralisa a economia nacional (mas menos), a incerteza continua a reinar e não se sabe se a maior destruição ainda está por se concretizar.
Economia contraiu 7,6%, a maior queda anual da democracia
A pandemia provocou uma queda de 7,6% na economia portuguesa em 2020 face a 2019, a maior do período democrático. O principal contributo negativo (-4,6 pontos percentuais) veio da procura interna, sobretudo devido à contração do consumo privado. A procura externa líquida (exportações menos importações) deu um contributo negativo de três pontos percentuais, refletindo sobretudo a diminuição sem precedente das exportações de turismo. As exportações de bens e serviços caíram 18,6% ao passo que as importações baixaram 12%, o que resultou numa balança comercial negativa em 2020, contrariamente ao observado desde 2013.
Mas nem tudo foi uma tragédia, desde logo com o quarto trimestre a crescer em cadeia mesmo com restrições elevadas em vigor. Acresce que o investimento na economia portuguesa baixou 4,9% em 2020, resistindo melhor do que em outras crises. Todas as componentes deram um contributo negativo com o investimento em equipamento de transporte a cair 27,2%, mas houve uma exceção: em contraciclo, o investimento em construção aumentou 4,8% em 2020, o que compara com uma subida de 7,2% em 2019. O VAB (valor acrescentado bruto) da construção também foi o único a aumentar em 2020, ano em que os preços dos imóveis também se aguentaram.
Crise pandémica penaliza menos o défice orçamental do que crise financeira
Acusado de ter um dos estímulos orçamentais mais baixos da Zona Euro, de acordo com estimativas do Banco Central Europeu (BCE) que o ministro das Finanças diz estarem desatualizadas, o Governo é atacado politicamente por ter uma baixa execução do Orçamento, tal como mostram os dados da Direção-Geral do Orçamento em contabilidade pública. Em contabilidade nacional, a ótica que interessa para comparações internacionais, os dados só serão divulgados no final de março.
Ainda assim, o défice orçamental deverá subir de forma vertiginosa, passando de um pequeno excedente de 0,1% do PIB em 2019 para um défice próximo dos 6,3% do PIB, tal como previsto no Orçamento Suplementar. Este montante fica abaixo de défices da crise anterior em que o resgaste de bancos engordou o número final. Neste caso, em 2020, também houve ajudas estatais (a TAP, por exemplo), mas o défice é mais explicado pela perda de receita e o aumento da despesa provocado pela pandemia.
Desemprego melhor do que o esperado explica resiliência do rendimento
A taxa de desemprego terá ficado nos 6,5% em dezembro, surpreendendo até os mais otimistas. Os dados do INE indicam que a população inativa aumentou significativamente por causa da subida do número de pessoas que não procuram emprego ativamente, o que ajuda a explicar o desempenho da taxa de desemprego (que é calculado face à população ativa) apesar do aumento do número de desempregados. Este fenómeno registou-se com mais força em meses de confinamento como abril e maio, depois diminuiu mas voltou em dezembro com o aumento das restrições.
Fonte: Instituto Nacional de Estatística.
A contenção do desemprego — que ainda assim aumentou significativamente — e os apoios do Estado ajudam a explicar a evolução do rendimento. Os dados do rendimento disponível dos portugueses mostram que houve um “comportamento benigno” no meio de uma “crise histórica” em 2020, ao contrário do que aconteceu em crises anteriores. Contudo, haverá franjas da população afetadas dado que o impacto é heterogéneo: ou seja, há quem tenha tido ganhos e quem tenha tido perdas, levando para um resultado perto de zero no meio de uma queda histórica do PIB.
Dívida pública em novo recorde. Almofada financeira também
A dívida pública disparou em 2020, somando mais 20,4 mil milhões de euros, enquanto o PIB caiu 7,6%. O resultado é um rácio recorde de 133,4% do PIB, um aumento anual inédito desde 1995 de 16,6 pontos percentuais. Uma parte deste maior endividamento foi para financiar as medidas, através do défice (que ficou abaixo do esperado), e a outra parte serviu para aumentar a almofada financeira neste período de incerteza com os depósitos das administrações públicas a aumentarem 9,4 mil milhões de euros para os 23,9 mil milhões de euros.
No caso dos dados do IGCP, os 17 mil milhões de euros representam a maior almofada financeira — uma espécie de “seguro” contra imprevistos — dos últimos anos, não tendo sido possível conhecer dados mais antigos. Ainda assim, com base no que está disponível, é possível concluir que é superior aos 12,4 mil milhões de euros no final de 2014, por exemplo, ou aos 10,2 mil milhões de euros em 2016. Face a 2019, o aumento é de 10,2 mil milhões de euros num só ano.
Endividamento da economia dispara com mais dívida para amparar crise
2020 ficará marcado pelo reforço da dívida tanto do Estado como das empresas para dar resposta à crise pandémica. O endividamento da economia (todos os agentes económicos exceto a banca) aumentou 27,4 mil milhões de euros num só ano para os 745,77 mil milhões de euros. Em percentagem do PIB, o endividamento fixou-se em 368,8% no fim de 2020, o que representa um aumento de 32 pontos percentuais face a rácio de 336,8% do PIB registado no fim de 2019. Apesar de o rácio não estar em máximos, esta é a maior subida anual de que há registo.
Fonte: Banco de Portugal.
BCE intensifica política monetária expansionista e balanço dá maior salto de sempre
Os ativos detidos pelo Banco Central Europeu (BCE), nomeadamente dívida pública, aumentaram em 2,3 biliões de euros entre o final de 2019 e o final de 2020, com o balanço a atingir uns inéditos 6,9 biliões de euros. Esta é uma subida sem precedentes nas duas décadas em que a moeda única existe e é explicada pela crise pandémica que levou o BCE a dar um apoio massivo à economia da Zona Euro. Em 2021, o balanço do Banco Central Europeu já superou os sete biliões de euros e é expectável que continue a crescer enquanto durar o PEPP, o programa de compras de emergência pandémica.
Esta expansão monetária permitiu levar os juros das dívidas soberanas da Zona Euro para mínimos históricos durante 2020, baixando gradualmente o custo de financiamento dos Estados. Já em 2021, Portugal emitiu pela primeira vez a dez anos a taxas negativas. Além disso, este ambiente de taxas de juro baixas impulsionou os mercados bolsistas, recuperando rapidamente das fortes quedas de março. Nos EUA os índices já estão acima do nível pré-pandemia ao passo que na Europa (Stoxx 600, o índice que agrega as 600 principais cotadas europeias) e em Portugal (PSI-20) ainda estão aquém, mas perto.
Após máximos históricos, a carga fiscal terá baixado em 2020
Ainda não há um número final de 2020, mas tanto o Governo como o Conselho das Finanças Públicas apontam para uma redução da carga fiscal no ano passado. O CFP estima que os impostos cobrados, que contam para a carga fiscal, tenham reduzido de 53.490 milhões de euros nos três primeiros trimestres de 2019 para 50.037 milhões de euros nos três primeiros trimestres de 2020, ou seja, menos 3.453 milhões de euros. Assim, a carga fiscal baixou de 33,8% do PIB para 33,5% do PIB nesse período. Isto quer dizer que em 2020 — ano em que houve prorrogação de prazos fiscais — o valor de impostos e contribuições entregue pelos portugueses, empresas e outras entidades ao Estado contraiu mais do que a queda do PIB (-7,6%).
Exportações de bens resistem melhor que as de serviços. Contas externas aguentam impacto
Com o fecho das fronteiras, a crise pandémica trouxe também problemas para a globalização. Num período inicial, o medo e o desconhecimento — com exceção aos bens médicos — condicionaram bastante as trocas comerciais, mas a normalidade foi sendo reposta ao longo do ano. Ainda assim, as exportações e as importações registaram quedas de dois dígitos: 18,6% e 12%, respetivamente. O resultado foi uma balança comercial negativa, o primeiro desde 2013. Contudo, Portugal acabou por fechar 2020 com um pequeno excedente externo (inclui bens e serviços, mas também outras categorias) de 256 milhões de euros.
Mas o que mudou em 2020 face a 2019? Desde logo, o excedente da balança de serviços diminuiu drasticamente por causa da queda história da atividade turística. Em números: o excedente passou de 17.845 milhões de euros em 2019 para 8.603 milhões de euros em 2020, ou seja, menos 9.242 milhões de euros, o que se traduz numa redução para menos de metade num só ano. Porém, houve fatores que compensaram este fenómeno explicado pela pandemia. Um deles foi a diminuição do histórico défice da balança comercial de bens. As exportadoras portuguesas de bens conseguiram resistir melhor à crise pandémica com as importações de bens a descerem mais do que as exportações. Assim, o défice de bens passou de 16.287 milhões de euros em 2019 para 12.186 milhões de euros em 2020, uma melhoria de 4.101 milhões de euros.
Portugueses compram mais alimentos e menos carros. Taxa de poupança dispara
Uma tendência marcada desta crise pandémica foi o aumento da compra de bens alimentares. Com os portugueses confinados e com limitações à ida a restaurantes (ou até a proibição, como atualmente), os gastos transferiram-se para o supermercado com a compra de bens alimentares a disparar para um máximo histórico. Numa fase inicial da pandemia houve mesmo rutura de stocks e uma corrida a certos bens.
Todas as restantes categorias do consumo baixaram, desde logo os bens duradouros. É dentro dessa categoria que estão os carros. Com os portugueses confinados e limitados na mobilidade, a aquisição de carro baixou significativamente. Segundo os dados da ACAP, no período de janeiro a dezembro de 2020, foram colocados em circulação 176.992 novos veículos, o que corresponde a uma quebra de 33,9% face a 2019.
A redução do consumo privado, que não foi acompanhada pelo indicador do rendimento disponível em termos agregados, levou a um aumento da taxa de poupança para os 10,8% no terceiro trimestre, o valor mais elevado desde o segundo trimestre de 2013. Uma poupança “forçada”, classificam os economistas, que não deverá manter-se, ainda que a poupança tenda a subir durante as crises, para quem consegue, por precaução.
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