Candidatura de Portugal ao IPCEI do hidrogénio vai acelerar ainda em março

O projeto de hidrogénio "H2Sines está a ser desenvolvido com mais 6 projetos" para integrar a candidatura portuguesa ao IPCEI. Consórcio já mudou de configuração e está na mira da Justiça.

A candidatura portuguesa ao estatuto IPCEI – Projeto Importante de Interesse Europeu Comum para o Hidrogénio está neste momento a acelerar, antes de entrar na sua reta final. O mês de março será decisivo porque a partir de agora vão ter lugar várias reuniões entre os países europeus interessados em produzir e consumir hidrogénio verde para alinhar estratégias antes de apresentarem os seus planos conjuntos a Bruxelas para beneficiarem de apoios comunitários.

Portugal tem já um Memorando de Entendimento assinado desde setembro de 2020 com a Holanda, para produzir hidrogénio em Sines e exportá-lo para o Porto de Roterdão, e um “namoro” de longa duração com a Alemanha.

Bruxelas valorizará as candidaturas ao estatuto IPCEI para o hidrogénio que agreguem um maior número de países e um triângulo entre Portugal, Holanda e Alemanha, um cenário que já tinha avançado o ministro do Ambiente e Ação Climática, Matos Fernandes, ao ECO/Capital Verde, poderia ficar bem na linha da frente para ter acesso privilegiado aos fundos comunitários para desenvolver a cadeia de valor deste gás renovável.

No entanto, dentro de portas, há ainda um conflito por resolver que pode vir a complicar a candidatura portuguesa ao estatuto IPCEI – Projeto Importante de Interesse Europeu Comum para o Hidrogénio: a saída do empresário holandês Marc Rechter, CEO do Resilient Group em julho de 2020, quase no último minuto, do H2Sines (anteriormente batizado de Green Flamingo) e da parceria que tinha com a Galp e com a EDP, para se juntar a outro consórcio concorrente.

Fonte próxima do processo admite ao ECO/Capital Verde que não é positivo para Portugal ter o projeto H2Sines sob investigação judicial e ainda esta “sombra a pairar” sobre a Estratégia para o Hidrogénio. Ainda assim, oficialmente, o Governo rejeita quaisquer efeitos colaterais e diz que o que interessa neste momento é que o “projeto H2Sines se mantém e está a ser desenvolvido juntamente com mais 6 projetos que obtiveram parecer favorável na manifestação de interesse que apresentaram e que se localizam, também, em Sines”, disse ao ECO/Capital Verde fonte do Ministério do Ambiente e da Ação Climática.

Depois de num primeiro momento recusarem responder às questões envidas, EDP, Galp e REN, as empresas do consórcio H2Sines, enviaram posteriormente uma nota a esclarecer que “o Resilient Group não integra o projeto por decisão própria, nomeadamente por pretender que as demais empresas lhe atribuíssem benefícios e contrapartidas incompatíveis com o seu contributo para o desenvolvimento do projeto e por não observar os requisitos exigíveis para a participação nos processos de reconhecimento do interesse europeu do projeto.”

Com um investimento associado de 1,5 mil milhões de euros para instalar um projeto-piloto de 10MW de eletrólise que, ao longo desta década, poderá evoluir até 1GW de capacidade, para a instalação de cerca de 1,5GW de capacidade de geração de energia elétrica renovável para alimentação dos eletrolisadores, o H2Sines é um dos maiores projetos selecionados pelo Governo para integrar a candidatura portuguesa ao estatuto IPCEI para obtenção de fundos comunitários significativos.

EDP, Galp e Rechter de costas voltadas

O consórcio inicial para o projeto H2Sines incluía o empresário holandês, mas acabou por verificar-se um divórcio litigioso com as empresas portugueses e com o próprio Governo. Na visão do holandês, logo “desde o início das negociações que foram notórias as divergências entre o Resilient Group e as empresas que se propunham integrar o consórcio, sobretudo sobre a liderança do projeto”. Garante que “a procura do entendimento foi levada até ao limite” e fala de “divergências não ultrapassáveis” para explicar porque é que não conseguiu chegar a um acordo razoável com as empresas portuguesas.

Desta lista de “divergências”, sabe o ECO/Capital Verde, constava o facto de a EDP e a Galp ignorarem o histórico do projeto (trabalho, tempo e despesa investido pelo Resilient Group) ao longo de três anos e o valor criado, a “exclusividade” que o impediria de desenvolver outros projetos no âmbito do IPCEI, a tentativa de estabelecer que foi o Governo português que criou o Green Flamingo, o estabelecimento de uma governance que permitiria ao consórcio controlar todas as decisões e os custos com consultoria.

Mas do lado de Rechter havia também exigências que as empresas do consórcio consideravam inaceitáveis, segundo fonte próxima do processo. O empresário holandês exigiu a isenção de quaisquer custos no processo, que seriam liquidados apenas depois da aprovação final do projeto; participação entre 5% a 10% não diluível do projeto (não obstante investimento direto futuro); proposta de remuneração com um ‘fee’ mensal de 100 mil euros por mês e ainda 2,5% de todos os subsídios aprovados e convertidos em capital do projeto.

O ECO/Capital Verde sabe ainda que com a entrada da Martifer no consórcio, em março de 2020, o grupo industrial português ainda tentou mediar estes conflitos e gerir a “situação difícil”, mas sem sucesso. Neste momento, Rechter acredita ainda num “possível entendimento” com as novas administrações da EDP e Galp e num “diálogo com o Governo”.

Sem resultados, o empresário holandês comunicou formalmente por email no dia 17 de julho às 11h39 (horas antes de terminar o prazo para a entrega do documento de manifestação de interesse junto do Governo português) que não assinaria o Memorando de Entendimento subjacente a esse manifestação de interesse ao lado das empresas portuguesas e da Vestas, mas estaria do lado do grupo de empresas holandesas que subscreve também este memorando ((ABN AMRO, Vopak, Shell, Gasunie, entre outras).

E justificou essa decisão “por não aceitar os termos e condições” impostos, de acordo com uma carta assinada pelos promotores do H2Sines e enviada ao Governo, a que o ECO/Capital Verde teve acesso.

H2Sines na mira da Justiça por indícios de tráfico de influência e corrupção

Além desta cisão entre empresas e a disputa sobre a autoria do projeto para fazer nascer em Sines um mega polo industrial para a produção de hidrogénio verde continuarem a fazer correr tinta, o projeto H2Sines está também na mira da Justiça portuguesa.

O que está em causa? De acordo com informações não desmentidas, publicadas pela revista Sábado, há investigações do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), órgão do Ministério Público especializado no combate à criminalidade mais complexa, e a Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária, a decisores políticos como o ministro da Economia, Siza Vieira, e o secretário de Estado da Energia, João Galamba, além das empresas EDP, Galp, Martifer, REN e Vestas e ainda o empresário holandês Marc Rechter, CEO do Resilient Group.

E estará em causa indícios de tráfico de influência e corrupção, entre outros crimes económico-financeiros, relativo a apoios que o Estado vai dar a empresas privadas nos próximos anos para a produção de hidrogénio verde. Ao ECO, fonte oficial da Procuradoria-Geral da República confirmou, na altura, “a existência de um inquérito a correr termos no DCIAP. O mesmo encontra-se em investigação, não tem arguidos constituídos e está em segredo de justiça”.

Sobre estas suspeitas, o empresário holandês afirma ao ECO que o Resilient Group apresentou o projeto às empresas portuguesas no dia 9 de janeiro de 2020, numa reunião promovida pelo Governo. “Desconhecíamos se existia intervenção do Governo antes dessa reunião”, diz Rechter.

No entanto, fonte oficial do Ministério do Ambiente e da Ação Climática (MAAC) explicou que no primeiro ‘concept paper’ apresentado pelo Resilient Group a João Galamba vinha referido que nos “trabalhos de desenvolvimento do modelo havia já contactado as empresas portuguesas, EDP, GALP, REN com as quais estava já a dialogar desde setembro de 2019 e a estruturar tecnicamente o projeto”.

“Só após a apresentação do projeto por Marc Rechter, o Governo contactou as empresas envolvidas para aferir da viabilidade do projeto e até da veracidade da apresentação que havia sido feita ao secretário de Estado da Energia [João Galamba]”, garante fonte oficial do MAAC.

Outra fonte do ECO, não oficial, garante também que já nas apresentações do projeto Green Flamingo, feitas em julho e dezembro de 2019 por Rechter estavam os logótipos da Galp, EDP e REN e o empresário garantia que as empresas iam participar, aguardando apenas o OK da administração. Ter-se-á seguido então uma reunião do ministro Matos Fernandes, a 20 de dezembro, com os três CEO das empresas em causa para confirmar isso mesmo.

(Notícia atualizada com a posição do consórcio H2Sines)

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