Na SÉRVULO desde 2006, a sócia Cláudia Amorim é a escolha da Advocatus para a rubrica "Como é fazer contencioso em plena pandemia".
Na SÉRVULO desde 2006, Cláudia Amorim é sócia no departamento de Contencioso e Arbitragem, exercendo a sua atividade com especial incidência na área de Penal e Atua com especial incidência no crime de colarinho branco (económico-financeiro ou de funcionários), nos crimes fiscais e contra a Segurança Social e nos crimes contra o património e contra a honra.
As férias judiciais são um tema que é politicamente recorrente. Perante este contexto da pandemia, concorda que deveriam ser reduzidas, de forma a recuperar o tempo perdido? Parece-me uma solução simples mas que terá alguns anti – corpos.
Penso que a redução das férias judiciais não vai resolver ou sequer mitigar o atraso decorrente da Pandemia. A experiência da alteração das férias judiciais, no passado, já mostrou que os processos não tiveram praticamente nenhum andamento nesses períodos.
Fala-se ou falou-se em situações de pre rutura do SNS. E do sistema de Justiça? O que se pode esperar com esta paragem derivada da pandemia?
Tal como o ano passado, esta paragem originou um adiamento em massa das diligências judiciais. Há julgamentos que já tinham sido adiados em Março/Abril do ano passado e que voltaram agora a ser adiados. No fundo, em muitos processos isto representa uma paragem de mais de um ano no seu andamento normal.
Quem serão as maiores vítimas desta paragem?
Para além dos advogados em prática individual que sofrem diretamente com o abrandamento da prestação de serviços aos seus clientes, as maiores vítimas são naturalmente as pessoas que recorrem aos Tribunais para ver os seus problemas resolvidos. Uma Justiça que não é célere não é uma verdadeira Justiça.
O discurso dos atrasos na Justiça é recorrente. Já foram adiadas 50 mil diligências devido à Covid-19. Esta passará agora sempre a ‘desculpa’ para esses mesmos atrasos?
Esse discurso é recorrente porque a delonga dos processos é uma realidade e muito antes da Pandemia. Se é certo que nos últimos anos se conseguiu recuperar muito do tempo perdido, a verdade é que há demoras inaceitáveis, principalmente nos inquéritos de processos crime e nos processos que correm em Tribunais Administrativos.
Não é fácil ser PM ou ministra da saúde nesta fase. Mas como avalia a atuação do Governo ao lidar com a pandemia? Estamos reféns das opiniões de demasiados especialistas?
A pressão mediática é gigantesca e de facto é preciso lidar com muitos quadrantes da sociedade portuguesa em que o consenso não impera. De todo o modo, é assim que funciona uma democracia. Julgo que os Governos europeus estão, de um modo geral, a lidar o melhor possível com uma situação que era desconhecida para todos.
A verdade é que há demoras inaceitáveis, principalmente nos inquéritos de processos crime e nos processos que correm em Tribunais Administrativos”
Fazer contencioso em confinamento é possível?
Sim, embora não seja um verdadeiro confinamento pois temos de nos continuar a deslocar para as diligências urgentes que, no caso do Contencioso Criminal, são frequentes.
As diligências feitas à distância são uma miragem, um discurso enganoso do poder político? A Justiça ainda não é suficientemente tecnológica?
Em certo tipo de processos, mais simples, é possível fazer, com sucesso, diligências à distância. Embora com dificuldades, grande parte dos Tribunais estão munidos dos equipamentos que permitem fazê-lo. Naturalmente que as circunstâncias pessoais dos magistrados, funcionários e advogados nem sempre permitem que tal aconteça. E nada como fazer os julgamentos “cara a cara” como o princípio da imediação recomenda.
Dá-se ao “luxo” de poder recusar casos?
Em primeiro lugar, o nosso Estatuto profissional dá-nos as linhas orientadoras para a recusa de determinados casos. Por outro lado, há sempre uma gestão a fazer de forma a assegurar o melhor serviço aos clientes.
O facto de estar integrado num escritório de grande dimensão, corta-lhe as vazas para aceitar alguns clientes?
Não, apenas podemos ter mais situações de conflitos de interesses, o que é natural em escritórios deste tipo com uma grande e diversificada carteira de clientes.
Sente que o escritório onde está, pela estrutura que tem, dá menos valor ao contencioso e mais a uma advocacia de negócios?
Não, o nosso departamento de contencioso tem crescido de forma muito sustentada nos últimos anos. A área de Penal e Contra-Ordenações, onde estou integrada, tem sido uma aposta ganha da Sérvulo, com resultados sólidos e gratificantes.
O contencioso já foi mais valorizado do que é?
Antes pelo contrário, quando iniciei a minha carreira, o Contencioso era uma espécie de parente pobre da advocacia. Hoje em dia, com o crescimento dos grandes processos e uma maior atenção da opinião pública para certo tipo de casos, é uma área que se tem vindo a afirmar.
E as boutiques nesta área fazem sentido?
Sim, principalmente na área sancionatória que exige um elevado nível de especialização.
Já foi ameaçada ou insultada em tribunal?
Sim. Como costumo dizer, os Tribunais são o “teatro da vida real” e por isso acontecem todo o tipo de situações comuns à natureza humana. Ainda para mais, sendo centros de resolução de conflitos em que se discutem questões muito relevantes para as vidas das pessoas, os ânimos podem ficar exaltados.
Qual foi o caso em que saiu do tribunal e pensou “saí-me mesmo bem!”? Sem falsas modéstias.
Não tenho por hábito falar de casos concretos que acompanho, mas como gosto muito “da barra”, já saí do Tribunal com essa sensação. O mais gratificante é quando esse reconhecimento vem de colegas, juízes, procuradores e funcionários – o respeito e admiração entre todos os operadores judiciários é fundamental.
A Justiça faz-se condenando. Esta é a tese que domina na opinião pública. Como explicar ao cidadão comum que não é esse o caminho?
A educação para a cidadania deve vir desde os bancos da escola. A nossa Constituição tem lá todos os princípios que devemos saber nesta matéria, o princípio da presunção de inocência é só um entre muitos. Tendo em conta que os media exercem um papel fundamental nessa educação cívica, acho que uma das chaves é precisamente enquadrar e balizar o interesse público das notícias tendo em conta que ninguém pode ser condenado antes de ser julgado, que todos têm o direito à sua defesa, nas instâncias próprias. Mais, o sistema está preparado para, após a condenação e o cumprimento da pena, as pessoas seguirem com a sua vida livremente. É preciso eliminar o estigma e fazer cumprir os ditames da nossa Lei Fundamental. Há muito desconhecimento e interesses que escapam à efetiva realização da Justiça. Cabe a cada um de nós esclarecer e elucidar o cidadão comum, combatendo a injustiça.
Como é a sua relação com a magistratura. É do tipo de advogado conflituoso, diplomata, respeitador ou mais provocador?
Os juízes, tal como todos, são pessoas. Pauto o meu relacionamento com os magistrados com todo o respeito, zelando sempre pelos direitos dos meus clientes e, acima de tudo, para que seja feita Justiça.
Se fosse ministra da Justiça quais seriam as suas três prioridades?
Verdadeira e efetiva igualdade no acesso à Justiça, o que implica um melhoramento muto significativo do sistema de acesso ao Direito; melhoria das condições do sistema prisional com especial incidência na reabilitação; formação e incremento dos meios dos operadores judiciários.
o sistema está preparado para, após a condenação e o cumprimento da pena, as pessoas seguirem com a sua vida livremente. É preciso eliminar o estigma e fazer cumprir os ditames da nossa Lei Fundamental. Há muito desconhecimento e interesses que escapam à efetiva realização da Justiça. Cabe a cada um de nós esclarecer e elucidar o cidadão comum, combatendo a injustiça”
E bastonária da Ordem dos Advogados?
A defesa das condições do exercício da profissão tem de ser constante. Para além disso, a Ordem tem também que ter uma palavra a dizer sobre os grandes temas da Justiça, não se podendo remeter a uma posição de mero espectador.
E, finalmente, se fosse PGR?
A luta pela defesa do segredo de justiça é para mim essencial. É inaceitável que a comunicação social saiba, por exemplo, de diligências de investigação antes dos próprios sujeitos processuais.
Qual foi ou é para si o melhor ministro/ministra da Justiça desde o 25 de abril? Cada um teve pontos negativos e positivos, em função da época.
Estamos (Portugal) muito obcecados com a corrupção?
Talvez não estejamos com o foco certo, na medida em que o fenómeno, embora mais controlado, continua presente.
Pretende algum dia pôr em prática a regra de denúncia obrigatória por parte de advogados que se deparem com suspeitas de lavagem de dinheiro?
Cumprirei a lei que se encontra em vigor nessa matéria. Na minha área essa questão não se põe.
Se pudesse escolher, em que jurisdição (europeia ou mundial) trabalharia e porquê?
Continuaria a trabalhar em Portugal. Temos muito ainda para melhorar e quero acreditar que posso contribuir.
Os advogados têm horizontes mais abertos que os magistrados (juízes ou procuradores)?
Depende muito das pessoas em causa.
As decisões judiciais – de primeira ou segunda instância – são muito dependentes ou influenciadas pelo mediatismo?
Infelizmente são influenciadas por uma série de fatores extra processuais que interferem na aplicação da lei.
Mudaria as regras dos advogados poderem falar de casos concretos, de forma a que o vosso trabalho fosse mais compreendido?
Não, embora essa regra em alguns casos pareça quase letra morta, penso que a reserva e o sigilo são elementos basilares do exercício da nossa profissão.
Gostaria que houvesse uma instância totalmente independente – com maioria de não magistrados – que avaliasse a ética e imparcialidade de um magistrado. Um canal direto entre cidadãos, advogados e magistratura?
A questão é saber o que é uma instância totalmente independente…
A prestação de contas dos nossos magistrados é necessária?
Claro que sim, como em qualquer profissão de interesse público.
Arbitragem versus tribunais. Este meio de justiça privada vai engolir os tribunais, mais cedo ou mais tarde?
Não creio. Talvez nos processos cíveis a arbitragem vá ganhando cada vez mais terreno, mas na área sancionatória é impensável.
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“Há muito desconhecimento e interesses que escapam à efetiva realização da Justiça”, diz Cláudia Amorim
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