Ricardo Salgado e Armando Vara vão ser julgados pelos mesmos três juízes

Nos dois julgamentos que resultaram da separação de processos decidida por Ivo Rosa, Salgado e Armando Vara serão julgados pelo mesmo coletivo de juízes, apesar da distribuição ter sido eletrónica.

Ricardo Salgado e Armando Vara serão julgados pelo mesmo coletivo de juízes. Salgado — cujo julgamento está marcado para 7 de junho — vai ser julgado pelo coletivo presidido por Francisco Henriques e Armando Vara — cujo julgamento está marcado para 9 de junho — terá Rui Coelho como juiz presidente. Apesar de a distribuição dos processos para julgamento ter sido efetuada, Francisco Henriques também fará parte do coletivo de Vara e Rui Coelho do coletivo de Salgado. Sendo que o terceiro magistrado desse coletivo é também o mesmo. Uma situação insólita, ou coincidência, já que a distribuição dos processos terá sido feita através de sorteio eletrónico, com uma lista de mais de 200 magistrados.

O ECO tentou esclarecer junto do Conselho Superior da Magistratura (CSM) como é que este sorteio foi realizado mas a resposta foi: “essas são questões de natureza jurisdicional e o esclarecimento deverá ser feito pelo Tribunal criminal ou Juiz Presidente da Comarca de Lisboa”. O contacto ao juiz presidente, Artur Cordeiro, foi feito pelo ECO e referiu que a “distribuição dos referidos processos foi realizada eletronicamente, nos termos legais e nada podemos esclarecer quanto ao agendamento das respetivas audiências de julgamento, cabendo a cada um dos Exmos. Senhores Juízes a quem tais processos foram respetivamente distribuídos a apreciação da possibilidade do seu agendamento”.

Francisco Henriques e Rui Coelho pertencem também ao mesmo coletivo de juízes que julgou o caso relativo à morte do passageiro ucraniano Ihor Homeniuk, nas instalações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e que acabou na condenação dos três inspetores a nove anos e sete anos de prisão.

O ex-banqueiro Ricardo Salgado começa a ser julgado em tribunal no próximo dia 7 de junho e já estarão também marcadas mais três sessões, designadamente, a 8, 14 e 15 de junho. Ou seja, no total, para já, estão previstas quatro audições. O antigo presidente do BES vai a julgamento por três crimes de abuso de confiança no âmbito da Operação Marquês. E de forma autónoma face aos restantes arguidos, já que Ivo Rosa, na altura da decisão instrutória, anunciou que iria proceder à separação de processos de Salgado, Vara, Carlos Santos Silva, João Perna e José Sócrates, os únicos arguidos que o juiz de instrução pronunciou a 9 de abril.

Ricardo Salgado estava acusado de um total de 21 crimes: um crime de corrupção ativa de titular de cargo político, dois crimes corrupção ativa, nove crimes branqueamento de capitais, três de abuso de confiança, três de falsificação de documento e três crimes fraude fiscal qualificada.

Já Armando Vara, antigo ministro e ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos, vai a julgamento no dia 9 de junho apenas por um crime de branqueamento de capitais, tendo Ivo Rosa deixado cair as acusações que sobre o arguido pendiam de um crime de corrupção passiva de titular de cargo político, um de branqueamento de capitais e dois de fraude fiscal qualificada.

Defesa de Salgado contesta separação de processos

Entretanto, a defesa de Ricardo Salgado entregou um recurso para a Relação por considerar que a separação de processos dos três crimes pelos quais o ex-banqueiro foi pronunciado e a restante pronúncia da Operação Marquês é ilegal e não respeita o princípio do contraditório prévio.

O ECO sabe que em causa não está o conteúdo da decisão de pronúncia propriamente dita (que é irrecorrível, segundo o Código de Processo Penal), mas sim a decisão de separação de processos que nem deveria ter sido anunciada no dia da decisão instrutória, já que é uma decisão autónoma. Separação essa que permitiu que o julgamento de Ricardo Salgado já fosse marcado. A defesa alegou ainda a incompetência territorial do Juízo Central Criminal de Lisboa para esta fase de julgamento, considerando que o tribunal competente é o de Cascais.

A defesa alega que, a verificar-se esta separação, haverá uma duplicação na produção de prova e poderão vir a ser ouvidos, na qualidade de testemunhas, sujeitos que foram ou são ainda arguidos no presente processo, com o acrescido risco de virem a ser pronunciados pelos mesmos crimes em comparticipação com Salgado se a decisão instrutória vier a ser revogada por Tribunal superior, na sequência do recurso a interpor pelo Ministério Público.

A defesa sublinha ainda que não estavam reunidos os requisitos para a separação de processos e que, assim, se corre o risco de ter julgamentos contraditórios. No entanto, o juiz Francisco Henriques considerou que esse argumento tinha que ser apresentado junto do processo da Operação Marquês, e não deste novo processo, avançando então com as datas de julgamento e consequente marcação de testemunhas. Ainda assim, o magistrado assumiu que se essa decisão de separação for considerada inválida, afetará este processo.

Armando Vara encontra-se atualmente a cumprir pena no Estabelecimento Prisional de Évora após ter sido condenado, em setembro de 2014, pelo Tribunal de Aveiro, a cinco anos de prisão efetiva, por três crimes de tráfico de influências.

Também José Sócrates, o principal arguido na Operação Marquês, que estava acusado de 31 ilícitos, vai a julgamento apenas por três crimes de branqueamento de capitais e três de falsificação de documentos, os mesmos pelos quais o seu amigo e empresário Carlos Santos Silva está também pronunciado.

O rato que a montanha pariu no caso dos Vistos Gold

Em janeiro de 2019, a decisão de primeira instância de outro dos processos mais mediáticos da nossa justiça, o processo dos Vistos Gold, era conhecida. Do total de 47 crimes que constavam da acusação do Ministério Público – distribuídos por 17 arguidos e em que um terço eram, à data, altos quadros do Estado – ficaram resumidos a sete crimes provados em fase de julgamento. Menos de sete atribuídos a António Figueiredo, ex-presidente do Registos e Notariado e a Maria Antónia Anes, secretária geral da Justiça. Crimes que acabaram por ser descobertos nesta teia chamada de labirinto mas que nada tinham a ver com corrupção na obtenção de Vistos Gold mas sim nos concursos da CRESAP. E foi este mesmo juíz que agora julgará o ex-líder do BES que desmontou esta lista extensa de crimes e arguidos para muito pouco, incluindo a absolvição do ex-ministro social democrata Miguel Macedo.

“Afinal a montanha pariu um rato?”, questionava uma jornalista à porta do Campus de Justiça, em janeiro de 2019, ouvida a decisão de absolvição da maioria dos arguidos. “Nem um rato pariu”, respondia um dos advogados dos arguidos.

Francisco Henriques considerou que alguns arguidos absolvidos tiveram certos comportamentos moralmente censuráveis, mas que não configuraram crime.

Quanto ao ex-ministro Miguel Macedo, absolvido de todos os crimes, o juiz Francisco Henriques considerou que, relativamente ao concurso público internacional para manutenção de helicópteros Kamov, “fez um uso que não devia” ao enviar ao seu amigo e empresário Jaime Gomes [também arguido] o caderno de encargos do concurso.

Segundo explicou, embora ficasse preenchido um dos requisitos do crime de prevaricação imputado a Miguel Macedo na questão dos Kamov, para que se verificasse aquele ilícito “era preciso algo mais”, ou seja, “uma intenção ou beneficiar alguém”.

Neste caso não se provou que Miguel Macedo tivesse intenção de prejudicar ou beneficiar alguém. O que foi feito foi mal feito, mas se foi para prejudicar ou beneficiar o tribunal não apurou qual foi a intenção”, disse o juiz. Por outro lado, o tribunal considerou “censurável e inadmissível” o comportamento da ex-secretária-geral do Ministério da Justiça Maria Antónia Anes, condenando-a a quatro anos e quatro meses de prisão, com pena suspensa, por corrupção ativa e passiva para ato ilícito.

O ex-presidente do Instituto de Registos e Notariado (INR) António Figueiredo foi condenado a quatro anos e sete meses de prisão com pena suspensa.

O processo referia-se a alegados favorecimentos para lucrar de forma ilícita com a atribuição de vistos gold, através de negócios imobiliários com empresários chineses que pretendiam obter autorização de residência para investimento. Em causa estavam também alegados favorecimentos a uma empresa de Paulo Lalanda de Castro, ex-patrão da farmacêutica Octopharma, que foi absolvido do crime de tráfico de influências.

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