Investigação às barragens da EDP num “patamar mais grave”. AT terá concluído que é devido imposto e suspeita de fraude
"Os crimes de fraude fiscal são situações graves, como quando uma empresa recorre a mecanismos artificiais para não pagar impostos", diz José Pedroso de Melo, Counsel da Telles.
No caso do negócio da venda de seis barragens da EDP à francesa Engie por 2,2 mil milhões de euros, a Autoridade Tributária já terá determinado, na inspeção que está a levar a cabo há vários meses, que há pagamento de impostos em falta por parte da elétrica. Além disso, o Fisco considera também que há pelo menos uma situação que pode configurar o crime de fraude fiscal, consideram os advogados ouvidos pelo ECO/Capital Verde.
“A investigação ao negócio das barragens está agora num patamar mais grave do que uma mera investigação fiscal. Num processo-crime quem dirige a investigação é o Ministério Público e este já determinou que se investigasse a prática de crime de fraude fiscal”, disse José Pedroso de Melo, Counsel da sociedade de advogados Telles, em declarações ao ECO.
Só isto justifica o envolvimento do Ministério Público nas buscas que esta terça-feira tiveram lugar na sede da EDP e da Agência Portuguesa do Ambiente. As sociedades de advogados Morais Leitão e a Cuatrecasas também foram alvo de buscas.
No total, as buscas realizaram-se em 11 locais do país (“instalações de barragens, escritórios de advogados, um organismo do Estado, uma sociedade de contabilidade e sociedades ligadas ao setor hidroelétrico” em Lisboa, Porto, Amadora e Miranda do Douro), no âmbito de um inquérito dirigido pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e cuja investigação se encontra a ser efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
“No processo investigam-se factos relacionados com o negócio da transmissão de seis barragens do grupo EDP para o consórcio francês integrado pela Engie, Crédit Agricole Assurances e Mirova (Grupo Natixis). Em causa estão suspeitas da prática de crime de fraude fiscal”, confirmou o DCIAP em comunicado. O inquérito encontra-se em segredo de justiça.
Significa isto, explica o Counsel da Telles, que se a Autoridade Tributária determinar, quando faz uma inspeção, que há imposto em falta “os factos apurados podem determinar apenas uma contraordenação, e dar origem a uma coima, ou então determinar crime, que pode originar multa ou prisão” para os administradores da empresa ou para os advogados que assessoraram o negócio, caso fique provada co-autoria. Em qualquer dos casos, a empresa é obrigada a pagar o imposto em falta, o que no caso da EDP ascende a, pelo menos, cerca de 110 milhões de euros de Imposto de Selo.
“Os crimes de fraude fiscal são situações mais graves, como quando uma empresa desenha uma estrutura ou recorre a mecanismos artificiais para não pagar impostos”, diz José Pedroso de Melo, argumentando que no caso da venda das barragens “o que está em causa é o Imposto de Selo no trespasse e o IRC das mais valias geradas”.
Diz o artigo 103º do Regime Geral das Infrações Tributárias), aprovado pela Lei n.º 15/2001, que existe fraude fiscal quando o valor em falta supera os 15 mil euros e se verifica uma destas situações:
- se oculta, altera factos ou valores que deveriam estar devidamente registados nos livros de contabilidade;
- se esconde ou altera declarações apresentadas ou declaradas no momento de fiscalização;
- não se declara factos ou valores devidos à Autoridade Tributária; se celebra um negócio simulado (relativamente a valor, natureza, interposição, omissão ou substituição de pessoas).
No entanto, diz uma outra advogada ouvida pelo ECO, “se o crime envolver agentes públicos ou vantagem superior a 50 mil euros trata-se de fraude fiscal agravada”. A mesma fonte refere que muitas vezes a Autoridade Tributária usa este mecanismo para “incentivar” os contribuintes em falta a regularizar a dívida e o processo no Ministério Público fica suspenso, não havendo lugar a acusação criminal.
“Mas o mais provável é este caso ir parar aos tribunais, onde ficará anos a fio. Mas como há processo-crime, não prescreverá assim tão facilmente”, refere.
EDP diz que não deve imposto, vai declarar mais-valias de 216 milhões ao Fisco
A inspecionar o negócio há vários meses, a AT tem um prazo máximo de um ano para apresentar as suas conclusões sobre se houve ou não planeamento fiscal agressivo por parte da EDP e se há ou não lugar ao pagamento de 110 milhões de euros relativos ao Imposto de Selo da operação.
No Parlamento, o CEO da EDP, Miguel Stilwell d’Andrade, insistiu na justificação do não-pagamento do Imposto do Selo precisamente com a aplicação desta diretiva europeia, sem responder aos deputados se a EDP invocou ou não o artigo 60.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Depois disso, a EDP garantiu ainda, em respostas aos deputados, que “em termos reais e económicos, a transação [de venda de seis barragens no Douro à francesa Engie] não gera um ganho” para a empresa e que “não existe neste processo mais-valia contabilística ou fiscal associada a cada uma das barragens, pois trata-se da venda de um portfólio, e não da venda ou trespasse de concessões”.
No entanto, a empresa diz que à venda de ações da Camirengia (empresa criada por cisão simples a partir da EDP Produção para deter as barragens) à Movhera (empresa com apenas um colaborador criada pelo consórcio liderado pela Engie para adquirir estes ativos) “está associada uma mais-valia contabilística de 216 milhões de euros”, que será agora declarada no Modelo 22 a entregar até ao final de julho pela empresa às Finanças (e que será escrutinado no âmbito da inspeção em curso pela Autoridade Tributária). O ECO sabe que esta declaração do Modelo 22 ainda não foi entregue pela EDP ao Fisco.
AT e Ministério Público analisam negócio à lupa
Em abril, a diretora-geral da AT, Helena Borges, tinha já garantido no Parlamento, em audição na Comissão de Orçamento e Finanças, que o Fisco estava a realizar uma inspeção à venda das seis barragens da EDP no rio Douro à francesa Engie e que estavam a ser recolhidos “todos os elementos de prova que permitam justificar as eventuais correções que venham a ser feitas”.
“O momento da fundamentação é decisivo, tem de ser sólida e capaz de sobreviver ao escrutínio, estas matérias acabam com frequência nos tribunais”, rematou Helena Borges, revelando que em 2020 a AT usou a norma anti-abuso mais vezes do que em 2019. Neste momento a AT tem a decorrer correções fiscais no valor de 20 milhões, 40 milhões e 200 milhões.
A responsável da AT confirmou também que teve conhecimento da operação de venda das barragens porque a EDP o comunicou ao mercado. “Não soubemos por nenhuma outra via e não houve qualquer envolvimento direto prévio da Unidade de Grandes Contribuintes”, disse a diretora-geral. A EDP e a Engie “tinham oportunidade de saber em antecipação a nossa posição sobre a matéria”, mas escolheram esse não-aconselhamento e não pediram qualquer informação vinculativa, acrescentou.
O negócio está também debaixo de olho do Ministério Público. Em março, o PSD entregou na Procuradoria-Geral da República (PGR) um pedido de averiguação da venda de seis barragens da bacia do Douro pela EDP, considerando que o Governo favoreceu a empresa e concedeu-lhe uma “borla fiscal”.
O anúncio foi feito no parlamento pelo líder parlamentar do PSD, Adão Silva, que salientou tratar-se de um negócio que rendeu à EDP 2,2 mil milhões de euros “sem o pagamento de IRC, de Imposto de Selo, de Imposto Municipal de Transações e de Emolumentos”.
Para o PSD, estão em causa “responsabilidades partilhadas” do Ministério do Ambiente – que acompanhou o processo de venda pela EDP das seis barragens na bacia do Douro (Miranda do Douro, Picote, Bemposta, Foz Tua, Baixo Sabor e Feiticeiro) a um consórcio liderado pela Engie – e do Ministério das Finanças, que tinha a “responsabilidade de cobrar impostos” neste negócio.
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