É preciso compreender o que leva os cidadãos a aderir aos movimentos populistas, defende o director da OCDE.
Falamos sobre os efeitos da política do novo presidente dos Estados Unidos na economia e no projeto europeu. A OCDE já avaliou os efeitos de uma onda de protecionismo no mundo. O resultado será menos crescimento para a economia norte-americana e europeia. Mas irá Donald Trump unir o desunir a Europa? É prematuro responder a essas questões, considera Álvaro Santos Pereira na entrevista ao ECO.
Sobre a Zona Euro, o diretor do Departamento de Economia da OCDE diz que a Organização não faz cenários sobre os efeitos de uma saída do euro. Também não se estudam cenários de invasão de extra-terrestres. Mas é assim tão remota a possibilidade de saída de um país do Euro?
Sobre a onda de populismo a que se assiste, Santos Pereira considera que tem as suas raízes no agravamento das desigualdades e no aumento dos sentimentos de injustiça. O que exige novas políticas.
Seria uma calamidade para os portugueses se o país saísse do euro, umas empresas sairiam de Portugal, outras não aguentariam o choque e quem tem um emprego correria o risco de o perder.
A zona euro está a recuperar e a inflação a subir. Na sua perspetiva temos que esperar já para este ano uma subida das taxas de juro na zona euro?
Vai acontecer nos Estados Unidos. Na zona euro não sabemos. Se o aumento da inflação continuar penso que é bem possível que o BCE comece equacionar parte da sua política monetária. Pode ser subida de taxas de juro ou a questão do ‘quantitative easing’ [reduzir a expansão monetária, comprando menos títulos de dívida pública].
A Alemanha está a ser a grande beneficiária do euro? Recentemente o conselheiro de Donald Trump, Peter Navarro, criticou e acusou a Alemanha de ser a grande beneficiária do euro. O Ministro das Finanças alemão referiu que isso era uma consequência da política monetária expansionista do BCE. Pensa que a Alemanha é de facto a grande beneficiária do Euro ou tem sido?
Os grandes beneficiários do Euro são os europeus. O Euro é um projeto não só económico, mas também politico. Apesar de alguns países, inclusivamente o nosso e outros como a Itália, terem tido um ajustamento difícil quando entraram no euro, penso que, como europeus, devemos ter orgulho na moeda única e fazer tudo o que está ao nosso alcance para tornar o euro, não só competitivo, mas principalmente fazer dele um projeto da construção europeia. Os portugueses e os europeus têm que utilizar as ameaças exteriores para reforçarem o projeto europeu.
Na sua perspetiva, a política de Donald Trump, pelo menos aquilo que conseguimos perceber neste momento, poderá unir ou desunir a Europa?
Nós ainda não sabemos muito do que é que vai acontecer ao nível do comércio… É prematuro falarmos sobre esta questão. A Administração Americana tomou posse há muito pouco tempo, há duas semanas. Nós [OCDE] aumentámos as nossas perspetivas económicas a curto prazo para os Estados Unidos. Estimamos que, este ano, os Estados Unidos cresçam cerca de 2.3% e para o ano 3%, graças ao estímulo que pensamos que vai ser dado ao nível de infraestruturas, mas também devido a um corte substancial do IRC americano. Obviamente, a longo prazo, veremos se o protecionismo vai aumentar. Se isso acontecer vai ter um impacto muito grande, não só sobre a economia americana, mas também sobre a economia mundial.
Se as tarifas [aduaneiras] aumentarem 10%, o crescimento nos Estados Unidos diminuía 0,5 a 1% e na Europa um bocadinho menos.
A única coisa que a OCDE integrou nas previsões foi a política orçamental mais expansionista nos Estados Unidos? A parte protecionista não integraram?
Certo. Na parte protecionista fizemos cálculos a nível global. E concluímos que, se as tarifas [aduaneiras] aumentarem 10%, o crescimento nos Estados Unidos diminuía 0,5 a 1% e na Europa um bocadinho menos, mas com uma magnitude ainda considerável.
Com efeitos mais graves para países como a Alemanha?
Eventualmente, porque estão mais vulneráveis à questão do comércio externo. Mas, obviamente, tudo depende do que vai acontecer.
No seu conjunto pensa que esta política americana poderá ser positiva ou negativa para a Europa? Ou seja, o efeito das políticas orçamentais expansionistas já percebemos que seria positivo para o mundo.
Sim, mas obviamente que politicas mais expansionistas vão trazer também alguns desafios. É bastante possível que, se a inflação começar a subir mais rapidamente nos Estados Unidos, as taxas de juro da Reserva Federal também vão subir mais depressa. Isso tem imediatamente repercussões, não só na Europa, como em outros países do Mundo.
Mas o vosso modelo põe isso em consideração, certo? O que me disse, se bem percebi, foi que integraram no vosso modelo uma politica orçamental mais expansionista nos Estados Unidos, com um aumento de investimento publico e redução de impostos, o que se traduziu num reforço do crescimento económico. Isto tem efeitos nos outros países da Europa e, desse ponto de vista, seria positivo, mesmo com um aumento de taxas de juro.
Nesse ponto de vista, claramente positivo. Mas o que eu estou a dizer é que há efeitos de curto prazo e efeitos de médio prazo. É bem possível que a médio prazo a inflação comece a subir um bocadinho mais. Vamos lá ver qual é o impacto no preço do petróleo. Mas, obviamente, há sempre bastante incerteza quanto ao que vai acontecer.
As respostas para combater esses movimentos populistas são boas políticas económicas, que façam diminuir as desigualdades nos países, ao mesmo tempo que reformulamos as economias para se tornarem mais competitivas.
Não me quer responder à questão sobre se a política americana vai unir ou desunir a Europa? O que é que tem sentido, uma Europa mais unida ou mais desunida?
A Europa tem de se unir para se fortalecer e para conseguir salvar o próprio projeto europeu. Vemos, em vários países, movimentos populistas que estão a ameaçar a democracia e o projeto europeu. Temos de perceber porque é que isto esta acontecer. Na minha perspetiva, tem a ver com as desigualdades que aumentaram nos últimos anos, com a corrupção que existia em alguns países e que, obviamente, exacerbou estas desigualdades, com a perceção de injustiça que muitas pessoas têm, e, depois, com o que se passou com a crise financeira. É natural que muitas pessoas, principalmente quando não vêm a luz ao fundo do túnel, tentem buscar respostas em movimentos populistas que prometem o céu e a terra. As respostas para combater os movimentos populistas são boas políticas económicas, que façam diminuir as desigualdades nos países, ao mesmo tempo que reformulamos as economias para se tornarem mais competitivas.
Voltando um bocadinho a Portugal… A desigualdade é um dos aspetos referidos no vosso relatório, apontado Portugal como um dos países mais desiguais no conjunto da OCDE. Na sua perspectiva, isso deve-se aos salários serem muito baixos ou muito altos?
Portugal continua a ser um dos países mais desiguais da OCDE embora, nos últimos anos, a nossa diferença relativamente a outros países tenha diminuído. Ou seja, durante a crise financeira, esses países tiveram um aumento da desigualdade muito superior ao nosso. Pensamos que é importante diminuir a pobreza, principalmente ao nível das crianças, ao mesmo tempo que temos que reduzir o foço entre os mais ricos e os mais pobres.
Ou seja, há salários demasiado elevados em Portugal?
Não estou a dizer que há salários mais elevados em Portugal. O que eu estou a dizer é que o fosso entre os mais ricos e os mais pobres é mais elevado em Portugal do que noutros países.
Porque as remunerações mais altas são mais altas?
Em parte, em alguns sectores, certamente que sim. Noutros sectores continuamos a ter salários mínimos, e mesmo salários médios, muito abaixo do que acontece nos outros países. Basta comparar Portugal com Espanha. Temos que fazer um aumento dos salários ao mesmo nível da produtividade. Se isso acontecer, não afecta a produtividade da economia e ajudamos a diminuir as desigualdades.
Uma saída do Euro, neste momento, ia ser, na minha opinião, trágico para a economia nacional, com consequências dramáticas para as nossas populações e para as nossas empresas.
Há algum risco de novas saídas da União Europeia ou perspetiva algum risco de algum país sair do Euro?
Não é certamente o nosso cenário central. Mesmo nos cenários que são menos centrais, neste momento não temos considerada essa possibilidade.
Mas a OCDE não deveria trabalhar também com cenários de cisne negro ou de baixa probabilidade?
Nas nossas publicações não estão lá esses cenários porque a maior parte dos nossos relatórios também são consensuais com os países e, sinceramente, muitas vezes, não vale a pena considerar cenários que neste momento não se colocam. Podemos ter um cenário em que extraterrestres invadem a Terra e aconteça uma desgraça, mas isso é um cenário que é muito remoto, embora possível. Não vale a pena considerar alguns cenários que sejam demasiado remotos.
A saída de um país do Euro é equivalente a um extraterrestre invadir a Terra?
Não. A probabilidade certamente não é tão remota. No entanto, pensamos que é uma probabilidade muito remota que neste momento não se coloca, não está em cima da mesa.
Portugal devia sair do Euro? Ou porque é que não?
Claramente que não. Se Portugal sai do Euro vamos ter um processo de ajustamento a curto prazo extremamente doloroso. Uma saída do Euro, neste momento, ia ser, na minha opinião, trágico para a economia nacional, com consequências dramáticas para as nossas populações e para as nossas empresas. Sair do Euro seria um erro…
Mas como? Dê-nos um exemplo. O que é que aconteceria à vida de uma pessoa normal, que tem o seu emprego numa empresa privada…
Nós temos uma dívida pública bastante elevada e uma divida privada muitíssimo elevada. A dívida das empresas já esteve em 168% do PIB, há cinco anos atrás. Neste momento está em 145% do PIB. Baixou cerca de 20 pontos percentuais. A dívida das famílias já esteve em cerca de 100% do PIB e agora está em cerca de 80% do PIB, ou seja, também diminuiu.
Ou seja, essa pessoa com um emprego numa empresa privada poderia ter problemas?
Podia perder o seu emprego. É muito provável que muitas empresas decidissem sair do país e outras não aguentariam o choque da transição, que ia ser extremamente dramático para Portugal. Sair do Euro está fora de questão, seria um erro de proporções calamitosas. Sinceramente, espero bem que isso não aconteça e que todos percebamos quais são as consequências terríveis que iriam assolar o nosso país.
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Como vencer o populismo? Com políticas que reduzam a desigualdade, diz Álvaro Santos Pereira
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