Sindicato dos juízes diz: “Ninguém tem de ser responsabilizado pelo que aconteceu”
Sindicato dos juízes fala sobre caso Rendeiro e recusa que alguém tenha de ser responsabilizado no sistema judicial. Aponta o dedo ao poder político, responsável pelas leis no país.
A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) considerou esta quinta-feira, sobre a questão da fuga do ex-banqueiro João Rendeiro que, “no plano da justiça e da moralidade”, é “inaceitável que qualquer arguido aproveite as garantias atribuídas pela Constituição e pela lei para as desvirtuar” e fugir à justiça, segundo comunicado enviado às redações.
João Rendeiro foi condenado em três processos autónomos a penas de dez, cinco e três anos de prisão efetiva pelos crimes de falsificação de documento, falsidade informática, lavagem de dinheiro, fraude fiscal, abuso de confiança e burla qualificada.
Em conferência de imprensa, pela voz da juíza desembargadora Paula Cardoso, o sindicato avisou que “ninguém tem que ser responsabilizado pelo que aconteceu” e não se “pode apontar um responsável no sistema judicial”. Defendendo os seus colegas que julgaram João Rendeiro, admitiu que “os juízes simplesmente aplicaram a lei”. Dizendo mesmo que, se alguma coisa está mal, é a lei. Responsabilizando o poder político. A magistrada, em representação do sindicato, disse ainda que “os juízes estão disponíveis para discutir alterações de fundo na lei”.
Em causa a aplicação do Termo de Identidade e Residência (TIR) a João Rendeiro, o mais leve das leis penais e que permitiu a que o ex-líder do BPP fugisse para parte incerta.
Paula Cardoso Justificou ainda que não se pode aplicar a prisão preventiva “sempre que o arguido tenha dinheiro”. Mesmo questionada sobre o facto de em fase de inquérito essa medida de coação — a mais gravosa da lista — ser aplicada a muitos arguidos que nem têm ainda uma acusação, a magistrada insiste que não havia o perigo de fuga. “Os juízes fizeram o que devia ser feito: aplicar o Termo de Identidade e Residência”. Omitindo o facto de existir uma lista de várias alternativas ao TIR que não seja apenas a prisão preventiva, como por exemplo apreensão do passaporte. Que teria evitado o perigo de fuga, segundo explicaram os jornalistas. Em resposta, Paula Cordeiro: “agora é fácil falar e ser treinador de bancada e dizer que a Justiça está em crise”.
A ASJP acrescentou ainda que a fuga de Rendeiro “é a todos os títulos inaceitável, mais ainda se, pessoalmente ou através de quem o representa no processo “– referindo-se aos advogados de Rendeiro — “se der ao desplante de usar esse facto para troçar das autoridades e dos portugueses”, no mesmo tom que a ministra da Justiça já se tinha pronunciado”.
Mas a associação diz também que, “como resulta dos factos agora conhecidos” e divulgados pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM), até 13 de setembro “não havia fundamento legal para sujeitar o arguido (João Rendeiro) a medida de coação mais grave que o TIR.
“Nem isso foi requerido, e o tribunal também não dispunha de qualquer informação que indiciasse risco de fuga. Quando esse risco foi conhecido, já o arguido estava ausente no estrangeiro”, argumenta a ASJP.
A ASJP refere que, no decurso do inquérito, da instrução e do julgamento, e até ao momento, João Rendeiro tinha “observado as obrigações decorrentes do TIR e nenhum facto tinha sido levado ao processo que permitisse considerar haver risco de fuga” que justificasse a aplicação de medida de coação mais restritiva da liberdade. Nesse quadro, nada indicava, segundo a organização, que o ex-banqueiro optasse por não regressar ao país
Só com a ausência no estrangeiro, diz a ASJP, violadora da obrigação de indicar um local de contacto, se indiciou perigo de fuga, o que levou a que o Ministério Público (MPP) e o assistente BPP no processo a requerer a reavaliação das medidas de coação do ex-banqueiro.
“Por isso, imediatamente, em 23 de setembro, o tribunal determinou que o arguido indicasse o local exato onde se encontrava e que comparecesse no dia 1 de outubro próximo para ser ouvido sobre a eventual aplicação de medida de coação mais grave”, relata a ASJP.
A ASJP sublinha que, nos termos da Constituição e da lei, a condenação a pena de prisão por um tribunal de primeira instância não é só por si elemento suficiente para sujeitar o arguido a prisão preventiva, se não existirem riscos que o justifiquem.
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