Da bolha às “cripto”: 5 temas quentes para o novo polícia dos mercados

Gabriel Bernardino toma posse como presidente da CMVM esta segunda-feira. Já disse que desafios vai ter pela frente, incluindo o risco de bolha nas bolsas e a emergência das criptomoedas.

Gabriel Bernardino é o novo presidente da CMVM.Miguel A. Lopes/Lusa

Gabriel Bernardino, 56 anos, chega ao regulador dos mercados num momento crítico. Com o mundo a sair da pandemia e em rápida transformação digital e ecológica, o novo presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) não vai ter um início de funções nada tranquilo. E o próprio já destacou alguns dos desafios que vai ter pela frente assim que vestir a farda de polícia dos mercados.

Atenção à bolha nas bolsas

Face ao impacto da pandemia, governos e bancos centrais de todo o mundo lançaram apoios às economias numa escala sem precedentes. Se ajudou a evitar o desastre completo quando as pessoas foram obrigadas a confinar, mantendo muitos negócios e postos de trabalho em “banho-maria”, as ajudas públicas também criaram efeitos menos desejáveis nos mercados financeiros, que já negoceiam em níveis iguais ou superiores à pré-pandemia, ainda que subsistam muitas dúvidas sobre a evolução do vírus e a recuperação das economias.

O regulador europeu já avisou para uma possível “correção significativa” dos preços dos ativos. Também Gabriel Bernardino deixou esse alerta quando foi ouvido no Parlamento: “Assiste-se neste momento a elevados níveis de avaliação dos ativos, nomeadamente das ações, os quais parecem traduzir uma desconexão com a economia real, levantando dúvidas sobre a sua sustentabilidade”.

Episódios como o colapso da Archegos Capital e a falência da Greensill e os fenómenos como a GameStop não deixam os reguladores descansados quanto à materialização destes riscos nos mercados e na confiança dos investidores.

Como o mercado de capitais pode ajudar à retoma?

Com as economias a “lamberem as feridas” da crise pandémica, o discurso oficial baseia-se agora na retoma económica pós-pandemia. Mas com as empresas mais endividadas e à procura de reerguerem-se, como vão ser capazes de retomar a atividade normalmente se estão de mãos atadas no que toca ao financiamento?

Para Gabriel Bernardino, o mercado de capitais pode representar uma solução para aquilo que chamou de “histórico enviesamento” do financiamento das empresas através da banca.

“Se olharmos para o tecido empresarial e para o que são as nossas PME há necessidade de capitalização. Se há uma coisa que não precisam é de mais endividamento”, afirmou no Parlamento, frisando que o mercado único de capitais da União Europeia será “oportunidade para desenvolver o mercado de capitais em Portugal”. O trabalho de Bernardino passará muito por tornar a bolsa atrativa para as empresas se financiarem. Ainda na sexta-feira o Parlamento aprovou a proposta de revisão do Código de Valores Mobiliários, num passo que visa tornar a bolsa mais atrativa para as empresas.

Por outro lado, o novo líder da CMVM também considera que o mercado de capitais pode ser uma forma de as famílias aplicarem as suas poupanças de forma segura e informada. “A longo prazo, porque o mercado é volátil e só o investimento a longo prazo permite obter mais rendimentos para os aforradores, numa perspetiva de complemento de reforma”, afirmou.

Nesse sentido, salientou a necessidade de reforçar a informação aos pequenos investidores e promover a literacia financeira.

“Impossível” proibir criptomoedas

Com as criptomoedas a atingirem níveis máximos, os reguladores tentam perceber como conseguem ter algum controlo sobre o mercado. Essa será também uma tarefa de Gabriel Bernardino, que sabe que “é impossível proibir as criptomoedas”. Mas isso não quer dizer que não vai estar atento ao assunto.

Para o novo presidente da CMVM, tecnologias como a blockchain, a tokenização e os criptoativos apresentam “um potencial de disrupção significativo nos modelos de negócio tradicionais de intermediação financeira, vislumbrando-se vantagens competitivas e riscos que importa avaliar com toda a ponderação”.

O regulador, prometeu, vai ter “uma atitude positiva” em relação à inovação. Contudo, Gabriel Bernardino também assegurou que a sua atuação neste capítulo se vai pautar pela “manutenção de elevados padrões de estabilidade financeira e de proteção dos investidores”. “A CMVM deve monitorizar a inovação tecnológica e estar aberta a abordagens inovadoras que permitam uma redução dos custos operacionais e a oferta de novos serviços e produtos”, disse.

Gabriel Bernardino também abordou a nova geração de investidores, que são mais evoluídos digitalmente assumem uma maior propensão ao risco e com quem o regulador deve “interagir de forma aberta”.

Vigiar produtos ESG vai exigir “conhecimento específico”

É cada vez maior a oferta de produtos financeiros ligados à sustentabilidade e às questões sociais e de governação (ESG), à medida que o mundo vai ganhando maior consciência para a necessidade de mudar os comportamentos e hábitos menos saudáveis.

Esta é mesmo uma das prioridades da União Europeia, sendo expectável que os mercados e os agentes financeiros assumam um papel principal nesta transição.

Gabriel Bernardino considera que a sustentabilidade “deve ser muito mais do que uma responsabilidade social” para o setor financeiro. “Deve ser uma questão de gestão do risco e de tratamento adequado dos clientes”, adiantou.

A CMVM, enquanto polícia dos mercados, também terá uma palavra importante. Mas tem de “adquirir conhecimento específico para a verificação das regras de prestação de informação sobre a sustentabilidade dos produtos e sobre o impacto dos fatores ESG”, de acordo com o novo presidente do regulador.

Reforçar a autonomia e capacidade da CMVM

O tema não é novo e foram várias as vezes que Gabriela Figueiredo Dias chamou a atenção para a necessidade de reforçar a autonomia financeira da CMVM e de dotar o regulador de mais meios, quer humanos, quer tecnológicos.

Gabriel Bernardino colocou o tema da seguinte forma junto dos deputados: “A capacidade para transformar os desafios em oportunidades depende em grande medida da disponibilidade os meios humanos e financeiros adequados às suas responsabilidades e competências e da autonomia e flexibilidade para usar esses meios”.

Em cima da mesa já esteve a possibilidade de a CMVM sair da lei-quadro das entidades reguladoras e abandonar a lei de enquadramento orçamental, o que permitiria libertar-se de alguns constrangimentos com que se defronta atualmente.

Para o Bernardino, o regulador precisa urgentemente de ter “recursos condizentes com a crescente atribuição de funções” que tem vindo a assumir. Este reforço de competências tem sobretudo a ver com a legislação europeia e também nacional.

“A independência operacional e financeira é um elemento essencial na avaliação das autoridades de supervisão nacionais que vai ser efetuada pela autoridade europeia no quadro das suas novas competências”, apontou o novo líder da CMVM.

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