Banco de Portugal vai criar “grupo de contacto” para debater euro digital e criptomoedas
O Banco de Portugal (BdP) vai constituir no início do ano um "grupo de contacto" para debater o possível lançamento do euro digital, bem como o fenómeno das criptomoedas.
O Banco de Portugal (BdP) vai criar um “grupo de contacto” para debater o fenómeno das criptomoedas e a possível emissão do euro digital, um projeto que está em discussão no seio do Banco Central Europeu (BCE). Será um grupo “pequeno”, acessível apenas “por convite”, disse ao ECO o administrador Hélder Rosalino.
O grupo deverá arrancar no início do próximo ano, numa altura em que decorre a fase de investigação que vai decidir se haverá ou não a emissão do euro digital. Recordando que os bancos e as instituições de pagamentos têm “preocupações” com os contornos daquilo que poderá ser a moeda digital do BCE, Hélder Rosalino disse que o BdP quer, através deste grupo, “recolher a sensibilidade do mercado nacional”.
“Isto vai ter impactos no retalho, vai ter impactos num conjunto de entidades, e nós queremos envolver nessa discussão os operadores dos sistemas de pagamentos em Portugal e o sistema financeiro, para que nos possam dar também a sua opinião e, no fundo, enriquecer a nossa visão sobre os impactos deste projeto e a forma como ele deve evoluir”, afirmou o responsável do BdP, à margem de uma reunião interbancária onde se discutiu o tema, na qual o ECO esteve presente.
Sobre quem fará parte do referido grupo, Hélder Rosalino fez referência a três instituições portuguesas, designadamente a Associação Portuguesa de Bancos (APB), a Associação Nacional de Instituições de Pagamentos e Moeda Eletrónica e a Associação Portuguesa de Blockchain e Criptomoedas. O administrador do BdP disse ainda que o grupo de contacto deverá incluir representantes de outros setores da economia, nomeadamente o retalho.
“Vamos criar [um grupo de contacto]. Vai ser por convite. Tem de ser um grupo relativamente pequeno, que cubra várias áreas, o sistema financeiro, mas que tenha também, eventualmente, pessoas do retalho e pessoas que representem várias visões. Só assim é que podemos entender este fenómeno”, afirmou o responsável, referindo-se ao euro digital e às criptomoedas.
Num ano em que o preço da bitcoin já quase duplicou de valor e o preço do Ethereum, outra criptomoeda, acumula um ganho de 526%, o BdP — sem poder para regular estes sistemas descentralizados –, tem vindo a alertar os investidores para os vários riscos de se investir em criptomoedas. Ora, o entendimento do BdP é o de que uma moeda digital emitida por um banco central, como o BCE, junta o melhor da inovação do mundo “cripto” às “vantagens” de um ativo financeiro ou meio de pagamento regulado.
Se não houver atrasos, em setembro de 2023, o BCE deverá decidir se avança ou não para a emissão do euro digital, o que permitiria aos cidadãos deterem euros numa espécie de “carteira” virtual custodiada pelo próprio banco central, fazendo pagamentos “sem risco”, explicou Maria Tereza Cavaco, diretora do departamento de sistemas de pagamentos do BdP, numa intervenção na referida reunião.
“Se vier a ser emitido, e a decisão ainda não está tomada, será a moeda digital de banco central do Eurossistema. Será disponibilizada aos cidadãos para fazerem pagamentos em tempo real e para todos terem acesso a moeda num meio mais digitalizado”, afirmou a responsável.
O euro digital complementaria, assim, o numerário e os depósitos junto do banco central, as “duas formas” que o euro assume atualmente, colmatando a perda de relevância das moedas e notas e assumindo-se como “meio de pagamento que não tem risco, que é simples e confiável”, acrescentou Maria Tereza Cavaco.
Bancos temem “preferência” pelo euro digital
Na visão da APB, nem tudo são benefícios. Na referida reunião interbancária, que decorreu na terça-feira no Museu do Dinheiro, em Lisboa, a associação que representa a banca, na pessoa do seu secretário-geral, elencou várias preocupações em torno da possível emissão do euro digital.
“A questão do euro digital é fundamental e vimos que é um processo que, não estando decidido, aparentemente já está decidido”, começou por apontar Norberto Rosa. “Muito dificilmente não evoluirá para a sua concretização”, rematou o responsável, antes de colocar questões aos principais intervenientes no encontro.
Norberto Rosa elencou alguns dos receios do setor, falando em “problemas concretos que o euro digital pode criar para o sistema financeiro” — nomeadamente a “desintermediação” e a “redução da inovação em sistemas de pagamentos”. Mas é a perda de relevância dos bancos que mais assusta a APB: “O euro digital pode ser vítima do seu próprio sucesso. Se funcionar tão bem, pode levar a uma preferência dos consumidores pelo euro digital em detrimento dos depósitos bancários, e isso poderá ter consequências bastante negativas em termos do financiamento da economia”, atirou.
Confrontado pelo ECO com esta posição da associação que representa a banca, Hélder Rosalino, administrador do BdP, disse que não é possível “generalizar” a ideia de que os bancos são contra o euro digital, mas admitiu que “toda a banca europeia tem algumas preocupações”.
“A criação de um euro digital pode alterar a forma como hoje as funções dos bancos comerciais e dos bancos centrais são desempenhadas. A ideia em abstrato de cada um de nós poder ter uma conta no banco central, onde temos alguns depósitos, é uma ideia que é complexa para o sistema bancário. O sistema bancário vive dos depósitos, porque recolhe depósitos, faz transformação de maturidades e concede crédito”, reconheceu.
Na reunião, alguns participantes — sobretudo Fred Antunes, presidente da Associação Portuguesa de Blockchain e Criptomoedas, e José Brandão de Brito, economista-chefe do Millennium BCP e responsável das áreas do investimento sustentável (ESG) e das criptomoedas — avisaram que, se o euro digital vir a luz do dia em 2023, chega já tarde. O banco central da China já tem a sua própria moeda digital, ameaçando a hegemonia do dólar e do euro.
Face a estas considerações, Hélder Rosalino ironizou, respondendo que isso permitirá ao Eurossistema “aprender com os erros dos outros”. Mais tarde, em declarações ao ECO, acabou por admitir: “O ideal era estarmos mais adiantados.”
A ideia do euro digital passa pela emissão de euros numa forma totalmente digital. Esses euros poderiam ser detidos pelos consumidores numa espécie de “depósito” diretamente no banco central, sem passar pelos bancos comerciais.
A avançar, é provável que haja um limite de euros digitais que cada consumidor pode ter, e ainda não está decidido se o euro digital poderá ou não permitir pagamentos mesmo sem conectividade. No início do ano, o BCE realizou uma consulta pública acerca do euro digital, que foi a mais participada de sempre na história do banco central.
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