Montepio nega ter praticado infração apesar do pedido de clemência no “cartel da banca”
Por ter apresentado um pedido de clemência, o Montepio beneficiou de uma redução da coima de 26 milhões para 13 milhões. O administrador diz agora que o banco não cometeu nenhuma ilegalidade.
O representante do Montepio disse esta sexta-feira, ao Tribunal da Concorrência, que, apesar de ter apresentado um pedido de clemência no processo em que 12 bancos foram multados por troca de informação, a CEMG não cometeu qualquer ilegalidade ou irregularidade.
José Carlos Mateus, administrador executivo com o pelouro financeiro na Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), depôs na fase final do julgamento dos pedidos de impugnação das coimas aplicadas a 12 bancos, em setembro de 2019, pela Autoridade da Concorrência (AdC), num valor global superior a 225 milhões de euros, que decorre desde 06 de outubro de 2021 no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém.
Questionado pela juíza Mariana Machado e pelo Procurador da República Paulo Vieira sobre a aparente contradição entre a apresentação de um pedido de clemência, que permitiu ao banco beneficiar de uma redução da coima para metade (de 26 milhões para 13 milhões de euros), e a não assunção de qualquer censura à sua atuação, José Mateus salientou que, não tendo feito parte da administração que tomou a decisão, o seu entendimento é o de que aquela visou “colaborar da forma mais diligente e aberta possível”.
Instado pelo mandatário da CEMG, o legal representante do banco confirmou que este, depois da adesão, em novembro de 2014, ao pedido de clemência apresentado inicialmente pelo Barclays – o qual deu origem à abertura do processo contraordenacional pela AdC, em 2013 –, entregou mais cerca de 400 documentos aos que a entidade administrativa já tinha na sua posse.
O advogado da CEMG salientou que, ao conceder a redução máxima possível ao segundo requerente de clemência, a AdC reconheceu que o banco reunia todos os requisitos previstos na lei da concorrência.
Antes, o procurador Paulo Vieira leu as normas que colocam como requisitos para a obtenção de clemência, nomeadamente, a indicação dos detalhes do acordo delineado entre as entidades concorrentes, a cooperação plena com as autoridades e a cessação da participação na infração.
“Para ter clemência, terá de reconhecer alguma prática anti-normativa”, disse, questionando a declaração de que o banco “não praticou nada de errado” e concluindo pela existência de “alguma ambivalência”.
José Carlos Mateus, que integra a administração da CEMG desde 2018, depois de 10 anos como diretor financeiro internacional, afirmou desconhecer o teor do pedido de clemência, reafirmando que entendeu a decisão como uma manifestação de vontade de “colaborar da forma mais diligente e aberta possível” e que foi posta à disposição da AdC “informação relevante”.
Reafirmando a atual posição do banco, de que este não praticou qualquer infração, o representante da CEMG reconheceu que, após as diligências da AdC, foram adotadas medidas, dando o exemplo da maior relevância dada à área de compliance e das alterações no Código de Conduta.
Questionado sobre como é feita atualmente a análise da concorrência, José Mateus afirmou que o banco apenas recorre à informação disponível nos sites das outras entidades bancárias, salientando que, “hoje em dia, tudo está lá”, pelo que já nem recorrem aos clientes-mistério.
O administrador fez questão de dizer ao tribunal que o valor da coima aplicada à CEMG não é equilibrada quando comparada com a sofrida pelos outros bancos, salientando que, mesmo depois da redução para 13 milhões de euros, vai prejudicar a trajetória de recuperação iniciada pelo Montepio em 2017, feita de forma “frágil, sozinho, pelos seus próprios meios”, sem nunca recorrer aos fundos disponibilizados pelo Estado.
José Carlos Mateus afirmou que o Montepio tem acumulado um passivo de quase 900 milhões de euros, o qual o banco tem conseguido cobrir com recurso a aumentos de capital (cerca de 700 milhões de euros) e emissão de dívida (200 milhões).
Em 2017 iniciou uma recuperação da quebra sofrida com a crise financeira, tendo, nesse ano, tido um resultado positivo de quatro milhões de euros, que subiu para os 14 milhões em 2018 e os 22 milhões em 2019, para baixar de novo em 2020 para os 81 milhões negativos, devido às imparidades provocadas pela pandemia da covid-19 e ao plano de reestruturação, disse.
A ser confirmada a coima aplicada pela AdC, o banco terá de se endividar no mercado, o que, afirmou, irá prejudicar a capacidade de concessão de crédito e de apoios à economia, numa instituição que definiu como “única e singular” por se situar no âmbito da economia social e devolver à sociedade civil os resultados gerados.
Na sua condenação, a AdC deu como provada a troca, entre os visados, de informação sensível, durante mais de 10 anos (de maio de 2002 a março de 2013), relativa aos preços a praticar nos créditos à habitação, ao consumo e às empresas, nomeadamente com partilha de tabelas de spreads a aplicar aos créditos a clientes, bem como sobre os valores de produção mensal, o que consubstancia uma prática concertada entre concorrentes.
A AdC condenou a Caixa Geral de Depósitos (CGD) ao pagamento de 82 milhões de euros, o Banco Comercial Português (BCP) de 60 milhões, o Santander Totta de 35,65 milhões, o BPI em 30 milhões, a Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) em 13 milhões (coima reduzida em metade por ter aderido ao pedido de clemência), o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria em 2,5 milhões, o BES em 700.000 euros, o Banco BIC em 500.000 euros, o Deutsche Bank (cuja infração prescreveu em outubro de 2020) e a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo em 350.000 euros cada um, a Union de Créditos Inmobiliarios em 150.000 e o Banif em mil euros.
O julgamento prossegue no próximo dia 9 de fevereiro com a audição de uma testemunha abonatória do BPI e de um economista sénior da AdC.
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