Leão corta almofada financeira em 8 mil milhões para baixar dívida
Após um ano atípico de pandemia, os cofres do Estado diminuíram em 8,1 mil milhões de euros, mais do que o previsto. A redução da almofada financeira foi determinante para baixar o rácio da dívida.
Após ter aumentado dez mil milhões de euros em 2020 por causa da pandemia, mais do que duplicando face ao valor pré-Covid, a almofada financeira voltou a normalizar em 2021 à medida que a economia portuguesa foi recuperando e o défice orçamental foi encolhendo. A redução acabou por ir além do previsto, beneficiando mais do que se antecipava o rácio da dívida pública, que baixou para 127,5% do PIB.
Os cofres do Estado deixam assim de estar tão “cheios”, uma expressão da ex-ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, em 2015, após a saída da troika, que ficou para a história — na altura, havia 7,8 mil milhões de euros nos cofres do IGCP, o instituto que gere a dívida pública. Em 2019, o valor situava-se nos 6,8 mil milhões de euros e em 2020, por causa da crise pandémica, com o esforço financeiro do Estado a disparar e a incerteza nos mercados, subiu para 17 mil milhões de euros.
Um ano depois, os cofres públicos fecharam 2021 com 8,9 mil milhões de euros, menos 8,1 mil milhões de euros do que em 2020 mas ainda acima do nível de 2019, segundo os dados do IGCP confirmados ao ECO pelo Ministério das Finanças. Porém, este valor fica abaixo dos 10,4 mil milhões de euros previstos pelo IGCP no início do ano passado para o valor da almofada financeira no final de 2021, o que indica que houve condições para reduzir a um ritmo mais acelerado, contribuindo para um rácio mais baixo da dívida.
Desde logo, há um fator essencial para a redução do rácio em 2021: o crescimento de 4,9% do PIB, o denominador do rácio. Mas não foi o único. No numerador, os números sugerem que a redução da almofada financeira foi essencial para reduzir o peso da dívida pública em 2021 uma vez que o rácio passou de 135,2% do PIB para 127,5%, mas retirando os depósitos (onde se inclui a almofada financeira) da conta o rácio reduziu-se apenas de 123,2% para 120,1%.
Ou seja, contas feitas, a redução ditada pela queda dos depósitos foi de 4,6 pontos percentuais, num total de 7,7 pontos. Sem a redução da almofada financeira, a dívida teria baixado apenas para 132,1% do PIB. Este fator foi destacado recentemente pelos economistas do BPI/CaixaBank no mais recente Pulso Económico numa análise aos números da dívida: “Nota ainda para a redução dos depósitos das APs [administrações públicas], em mais de 8.200 milhões de euros em 2021”.
Contudo, também é de recordar que em 2020 foi o aumento significativo da almofada financeira que ditou um aumento tão expressivo do rácio, portanto seria de esperar em 2021 uma queda pelo mesmo motivo com a normalização da almofada.
O que explica a redução da almofada financeira?
Questionado pelo ECO sobre a evolução da almofada financeira em 2021, o Ministério das Finanças confirma essa normalização: “Com a redução do patamar de incerteza, o nível de almofada financeira regressou à normalidade, estando relacionado com o valor das necessidades de financiamento do ano seguinte“.
Também questionado pelo ECO, o IGCP confirma que a “menor incerteza do lado da execução orçamental e o calendário mais bem definido dos desembolsos no âmbito de SURE e NGEU” [Próxima Geração UE] levou a uma melhoria do exercício de previsão. Assim, em 2021, “atingiu-se um valor final em linha com o projetado e, portanto, dentro do intervalo objetivo das necessidades brutas de financiamento”.
Em relação à dimensão que a almofada financeira deve ter, é de notar que esta não deve ser olhada apenas pelo valor absoluto, mas também pelas necessidades de financiamento previstas para os próximos 12 meses. É aqui que a redução do défice orçamental, que terá ficado abaixo do previsto em 2021 e deverá cair novamente em 2022, ajuda a aliviar os cofres face a 2020, assim como a chegada de mais financiamento europeu.
“O objetivo para a almofada de liquidez situa-se entre 30 e 40% das necessidades brutas de financiamento do ano seguinte, mas tem igualmente em consideração aspetos relativos à sazonalidade de reembolso anual da OT [Obrigações do Tesouro]“, explica o IGCP, lembrando que em 2021 o maior reembolso foi em abril e não no verão, “exigindo maior avanço do pré-financiamento no final do ano que caso a amortização acontecesse apenas em meados do ano”.
Porém, o instituto que gere a dívida pública admite que houve um “acréscimo significativo do excesso de tesouraria superior ao projetado” no final de 2020. Tal aconteceu por causa do “melhor comportamento da execução orçamental e disponibilização dos fundos do SURE em maior montante e mais rapidamente que previsto” no primeiro ano da pandemia, mas só se sentiu “próximo do final do ano quando era já impossível ajustar o programa de financiamento”.
Rácio da dívida pública seria de 120,1% do PIB sem almofada
Há duas formas de olhar para a almofada financeira: através dos depósitos das administrações públicas (conceito mais lato) divulgados mensalmente pelo Banco de Portugal ou através do saldo de depósitos no final do ano do IGCP que apenas se refere ao subsetor Estado (que representa apenas uma parte das administrações públicas). Este último indicador é o utilizado pelo IGCP, o Governo e os investidores.
Almofada financeira em % do PIB desce para mínimo de 2019
No caso dos dados do Banco de Portugal, a almofada financeira está nos 15,7 mil milhões de euros, o valor mais baixo desde dezembro de 2019 quando os cofres tinham 14,5 mil milhões de euros, em linha com a redução verificada nos números do IGCP.
Em percentagem do PIB, a almofada financeira neste sentido mais lato baixou de 12% no final de 2020 para 7,4% no final de 2021, o que compara com os 6,8% registados no final de 2019 (antes da pandemia). Ainda assim, Portugal mantém-se como um dos países da União Europeia com a maior almofada financeira, como mostram os dados do Eurostat.
Se Portugal não tivesse qualquer almofada financeira, o rácio da dívida pública seria de 120,1% do PIB em 2021, o que compara com 123,2% do PIB no final de 2020 na mesma ótica.
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