A capitalização de empresas e os “empréstimos participativos”: água de janeiro vale(rá) dinheiro?

  • José Costa Pinto e Tiago Picão de Abreu
  • 3 Fevereiro 2022

Sabemos que a realidade não se muda por decreto, pelo que só o futuro dirá se este novo instrumento irá ter um impacto prático na capitalização das empresas.

Se antes de março de 2020 o desafio da capitalização das empresas nacionais já era apontando como um dos mais relevantes no contexto do tecido empresarial nacional, este cenário agravou-se ainda mais nos quase dois anos que vivemos sob contexto pandémico.

Neste enquadramento, o primeiro mês de 2022 trouxe-nos uma novidade legislativa em matéria de capitalização de sociedades comerciais, que visa criar (mais) um instrumento ao dispor para responder a este desafio. Com efeito, no passado mês de janeiro foi aprovado o Decreto-Lei n.º 11/2022, de 12 de janeiro, que veio estabelecer o regime jurídico dos “empréstimos participativos”.

Sob os argumentos de diversificar as fontes de financiamento das empresas, reduzir a sua dependência do sistema bancário e facilitar o acesso das PME ao mercado de capitais, entre outros, o presente diploma veio introduzir em Portugal esta figura jurídica inovadora, que permitirá que a capitalização das empresas através de financiamento seja classificada não como dívida, mas antes como capital próprio. Para tanto, o retorno neste tipo de financiamento baseia-se predominantemente nos lucros ou prejuízos da empresa-alvo (não havendo retorno garantido em caso de incumprimento), correspondendo a remuneração de determinado investimento a uma participação nos resultados do mutuário.

Já em 2014 a Comissão Europeia, numa comunicação que aprovava as orientações relativas aos auxílios estatais para promoção dos investimentos de financiamento de risco (2014/C 19/04), considerou serem compatíveis com o mercado interno os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas atividades económicas, nomeadamente os investimentos de quase-capital, classificados entre capital próprio e dívida e com um retorno para o titular baseado principalmente nos resultados da empresa-alvo. Desde então, vários ordenamentos jurídicos europeus adotaram sistemas de empréstimos participativos com mecanismos semelhantes entre si, sob as formas de “subordinated loans”, “loans with profit participation” ou “loan participacions”.

No caso português, este novo regime jurídico estabelece as características essenciais dos “empréstimos participativos”, desde a sua definição, aos tipos de entidades que os podem comercializar, a como se processa a remuneração dos créditos ou a conversão do empréstimo em capital social e as respetivas normas societárias que regulam as relações entre a sociedade, os seus sócios e as entidades financeiras. Ainda que não se pretenda fazer uma análise exaustiva da lei, será útil avançarmos com algumas considerações gerais que nos ajudem a clarificar os conceitos e as regras aqui definidos.

Um “empréstimo participativo” é um contrato de crédito oneroso (sob a forma de mútuo ou de títulos representativos de dívida) cuja remuneração e reembolso ou amortização dependem, ainda que parcialmente, do resultado da atividade do mutuário e cuja dívida pode ser convertida em capital social do mutuário, nas condições aqui previstas. Este empréstimo pode ser concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras, organismos de investimento alternativo especializado, sociedades de investimento mobiliário para fomento da economia, o Fundo de Capitalização e Resiliência ou quaisquer outras entidades habilitadas à concessão de crédito a título profissional (os “Mutuantes”). Mediante deliberação prévia da assembleia geral de sócios da sociedade em causa (o “Mutuário”), que fixa desde logo a finalidade do empréstimo, a contratação do “empréstimo participativo” faz-se por escrito quando assume a forma de mútuo, sendo que no caso de ser realizado através da emissão de títulos representativos de dívida seguirá o regime aplicável à emissão de valores mobiliários.

Como se referiu, o “empréstimo participativo” assume um caráter oneroso, pelo que a sua remuneração se encontra (total ou parcialmente) indexada a uma participação nos resultados do Mutuário. Caso a remuneração não seja paga nos termos acordados, o Mutuante poderá acionar as garantias prestadas ou, alternativamente, converter o “empréstimo participativo” em capital social. O Mutuário poderá proceder a todo o tempo ao reembolso do empréstimo pelo valor nominal acrescido da remuneração fixada no contrato de mútuo ou nas condições associadas aos títulos de dívida, sendo que o Mutuante poderá também solicitar o reembolso total ou parcial, desde que tal tenha sido acordado entre as partes e se existirem fundos que, nos termos da lei societária, possam ser distribuídos aos sócios. Aqui encontramos, pois, uma limitação à remuneração e ao reembolso, prevendo igualmente este diploma que nos casos em que (i) o capital próprio do Mutuário seja (ou se tornasse em virtude do pagamento) inferior à soma do capital social e das reservas e quando (ii) os lucros do exercício sejam necessários para cobrir prejuízos transitados ou para formar reservas legal contratualmente impostas, não haverá lugar ao pagamento da remuneração do empréstimo nem ao seu reembolso.

Sabemos que a realidade não se muda por decreto, pelo que só o futuro dirá se este novo instrumento irá ter um impacto prático na capitalização das empresas. Há um antigo provérbio português que diz que “a água de janeiro vale dinheiro”, veremos se os “empréstimos participativos” que janeiro de 2022 nos trouxe terão efetivamente um impacto na capitalização das empresas e se, para estas, valerão dinheiro.

  • José Costa Pinto
  • Sócio fundador da Costa Pinto
  • Tiago Picão de Abreu
  • Associado sénior da Costa Pinto

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