Mobilidade como serviço em tempos de big data

  • Pedro Lomba e Rita de Sousa Costa
  • 23 Março 2022

A adopção de estratégias de legal design thinking, na gestão de projecto, e a incorporação dos princípios do constitucionalismo digital poderão constituir, em última análise, aspectos diferenciadores.

A literatura académica é fértil em definições de “mobilidade como serviço”, em inglês “Mobility-as-a-Service” (MaaS). Referimo-nos, muito simplesmente, da integração, numa plataforma digital, que pode ser, por exemplo, uma app, de diferentes serviços de mobilidade – como comboios, táxi, TVDE, e-bikes, entre outros – que podem ser acedidos a pedido dos utilizadores finais. Nessa plataforma integrada, é ainda possível a consulta de horários, aquisição de títulos e o acesso a outras informações relevantes, como a existência de atrasos ou a supressão de serviços.

Os sistemas de MaaS – como, de resto, de forma mais ampla, todo o sector da mobilidade inteligente – estão altamente dependentes da análise de enormes volumes de dados (big data) gerados em tempo real. Neste sentido, instrumentos como o futuro Regulamento sobre Governação de Dados (Data Governance Act) irão criar oportunidades únicas no sector, o mesmo sucedendo, por maioria de razão, no que respeita à regulação da inteligência artificial através do futuro Regulamento sobre a Inteligência Artificial (Artificial Intelligence Act).

Para além do RGPD, que regula o tratamento de dados de natureza pessoal, a “Estratégia Europeia para os Dados” oferecerá soluções jurídicas tendentes à (ainda pouco frequente) reutilização (lícita) dos dados (pessoais e não pessoais). Também tecnologias como a blockchain e, intimamente relacionado com esta, os smart contracts, irão facilitar transacções no ecossistema MaaS, em particular, aquelas que são, do ponto de vista da interpretação jurídica, menos flexíveis e, por isso, cuja execução pode ser (pelo menos, parcialmente) automatizada.

As oportunidades, porém, não vêm sem desafios. Um desafio que destacaríamos é o da confiança dos utilizadores nos diferentes agentes do ecossistema MaaS. A obtenção da confiança dos utilizadores é, em termos gerais, e em qualquer sector de actividade, algo que exige dedicação e investimento. É que a confiança constitui – e, seguramente, continuará a constituir – um dos “bens” (permita-nos o leitor elevá-la a “bem”) mais poderosos para qualquer entidade, numa “economia dos dados”, em que, rapidamente, produtos e serviços promissores se tornam “tóxicos”.

A viabilidade de qualquer solução de mobilidade inteligente – e, em particular, de projectos mais ambiciosos de MaaS – está intimamente dependente não só da confiança que vier a ser gerada junto dos utilizadores finais, enquanto consumidores, mas também das diferentes camadas de serviços, seja ao nível dos operadores de transporte (pense-se em grandes operadores ferroviários ou de ferry, mas também em empresas mais pequenas, como operadores de TVDE), dos prestadores intermédios (como, por exemplo, os serviços de pagamento, os serviços de bilheteira, etc), ou das plataformas digitais de gestão integrada de serviços (as “apps”).

Isto porque a génese da MaaS está na colocação da “pessoa” no centro do desenvolvimento de toda a reflexão em torno da transformação do sector da mobilidade e das próprias cidades. Implementar um projecto de MaaS implica, por isso, ter presente a necessidade de gerar confiança junto de todos os intervenientes dos diversos níveis da cadeia de operações, sendo fundamental o desenho das relações jurídicas aplicáveis e o conteúdo dos instrumentos de compliance a produzir.

Ainda no plano jurídico, uma estratégia clara em relação ao uso lícito e leal dos dados, aliada a práticas comerciais alinhadas aos valores da concorrência, assim como a disponibilização de termos e condições transparentes no que concerne aos direitos dos consumidores e aos direitos dos utilizadores profissionais, tem, conjuntamente, um efeito determinante na criação de confiança ao longo da cadeia da MaaS.

A adopção de estratégias de legal design thinking, na gestão de projecto, e a incorporação dos princípios do constitucionalismo digital poderão constituir, em última análise, aspectos diferenciadores num projecto inovador de MaaS.

  • Pedro Lomba
  • Sócio da PLMJ
  • Rita de Sousa Costa
  • Associada da PLMJ

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Mobilidade como serviço em tempos de big data

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião