Oito anos depois, em que ponto está a Operação Marquês?

Armando Vara e Salgado já foram condenados, mas ainda faltam três arguidos ir a julgamento: Sócrates, Carlos Santos Silva e João Perna. Em que ponto está um dos processos mais mediáticos da justiça?

Foi em julho de 2013 que o empresário Carlos Santos Silva despertou a atenção das autoridades judiciárias numa investigação iniciada em 2011. Um ano e quatro meses depois, José Sócrates era detido em direto nas televisões, à saída do aeroporto de Lisboa, vindo de Paris. Com ele, foi também detido o amigo Carlos Santos Silva. Foi então em novembro de 2014 que o país e até o mundo ficou a conhecer o que se viria a tornar num dos processos mais mediáticos da justiça portuguesa, a Operação Marquês.

Atualmente, dos 28 arguidos acusados pelo Ministério Público, apenas Armando Vara e Ricardo Salgado já foram condenados e existem ainda três arguidos – Sócrates, Carlos Santos Silva e João Perna – a aguardar julgamento. Os restantes – com nomes sonantes como Zeinal Bava ou Henrique Granadeiro – ficaram todos “pelo caminho” ao não serem pronunciados para ir a julgamento pelo juiz Ivo Rosa.

Inicialmente, o processo reunia 28 arguidos, entre os quais 19 pessoas singulares e nove pessoas coletivas, num total de 188 crimes. No leque de visados estavam o ex-primeiro-ministro José Sócrates, que chegou a estar preso preventivamente durante cerca de dez meses e 42 dias em prisão domiciliária, Zeinal Bava, Henrique Granadeiro, Ricardo Salgado e Carlos Santos Silva.

Neste processo, o Ministério Público (MP) reclamava aos arguidos um total de 58 milhões de euros, tendo arrestado vários bens. Segundo as contas da acusação, José Sócrates teria dado cerca de 21 milhões de euros de prejuízo ao Estado, Zeinal Bava cerca de 16 milhões, Henrique Granadeiro cerca de 14 milhões, Carlos Santos Silva três milhões e 300 mil euros, Ricardo Salgado três milhões de euros e Armando Vara 1,4 milhões de euros.

A fase de instrução, pedida por 19 dos arguidos, começou em 28 de janeiro de 2019, sob a direção do juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, Ivo Rosa. Em abril de 2021, num despacho que conseguiu ultrapassar o volume da acusação – com 6.728 páginas e mais de um milhão de palavras -, o juiz Ivo Rosa anunciou a decisão instrutória que definiu quais os arguidos e por que crimes vão a julgamento. Dos 189 crimes imputados a 28 arguidos pelo MP, apenas restaram 17 distribuídos por José Sócrates, Carlos Santos Silva, João Perna, Armando Vara e Ricardo Salgado.

Salgado e Vara já foram condenados

Apenas cinco dos 28 arguidos foram pronunciados pelo juiz Ivo Rosa e, desta forma, levados a julgamento. Só Armando Vara e Ricardo Salgado é que foram condenados pelo juiz, em dois e seis anos de prisão, respetivamente.

Armando VaraNUNO VEIGA/LUSA

O primeiro a saber o desfecho no processo foi o ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos, Armando Vara. No dia 13 de julho de 2021, o antigo ministro foi condenado a dois anos de prisão efetiva pelo crime de branqueamento de capitais. O juiz Rui Coelho afirmou que o tribunal “deu como provado quase todos os factos” da acusação do Ministério Público e que ficou “demonstrado objetivamente o circuito de dinheiro” relacionado com os dois milhões de euros que Vara colocou em contas na Suíça e que depois trouxe para Portugal.

Armando Vara estava inicialmente acusado de crimes de corrupção, branqueamento e fraude fiscal qualificada, mas, por decisão instrutória do juiz Ivo Rosa, a 9 de abril de 2021, foi apenas julgado, em processo separado unicamente, por um crime de branqueamento de capitais.

No âmbito da Operação Marquês, Armando Vara cumpriu a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, de 9 de julho a 16 de outubro de 2015, totalizando três meses e sete dias o período em que esteve com medida de coação privativa da liberdade.

Ricardo SalgadoJOSE SENA GOULÃO/LUSA

Oito meses depois, a 7 de março de 2022, Ricardo Salgado foi condenado a uma pena total de prisão de seis anos pelos três crimes de abuso de confiança de que estava acusado. Decisão que o advogado, Francisco Proença de Carvalho, já avançou que vai recorrer. A defesa tem um trunfo na manga: o facto do juiz Francisco Henriques, ter dado como provada a doença de Alzheimer do arguido.

O tribunal considerou como provados “quase todos os factos constantes da acusação”, segundo explicou o juiz Francisco Henriques. Mas o magistrado diz que “não ficou provado a questão da gestão centralizada do BES”. Quanto à doença de Alzheimer, o magistrado diz que ficou provada essa condição física de Ricardo Salgado, bem como as condições socioeconómicas do arguido.

O tribunal decidiu condenar Ricardo Salgado pela prática de um crime de abuso de confiança relativamente à transferência de 4.000.000 de euros, com origem em conta da “Espírito Santo Enterprises, S.A.” para conta da “Credit Suisse”, titulada pela sociedade em offshore “Savoices, Corp”; um crime de abuso de confiança relativamente à transferência de 2.750.000 euros, quantia proveniente de transferências da conta da “Espírito Santo Enterprises, S.A.” para conta titulada pela sociedade “Green Emerald Investments, Ltd.”, controlada por Hélder José Bataglia dos Santos – da conta da “Green Emerald Investments, Ltd.” para conta da “Crédit Suisse“, titulada pela sociedade em offshore “Savoices, Corp“, controlada pelo arguido.

O terceiro crime de abuso de confiança que Salgado foi condenado é relativo à transferência CHF 3.900.000,00 (3.967.611 euros) – quantia proveniente de transferências da conta da “Espírito Santo Enterprises, S.A.” para a conta da “Pictet & Cie, S.A.” titulada por Henrique Manuel Fusco Granadeiro – da conta da “Pictet & Cie, S.A.” e com destino a conta da “Lombard Odier Daries Hentsch and Cie” titulada pela sociedade em offshore “Begolino, S.A.”, controlada pelo arguido.

Em abril de 2021, o juiz Ivo Rosa pronunciou Ricardo Salgado por três crimes de abuso de confiança, caindo por terra o crime por corrupção ativa de titular de cargo político, os dois de corrupção ativa, nove de branqueamento de capitais, três de falsificação de documento e três de fraude fiscal qualificada.

Três aguardam julgamento

José Sócrates, Carlos Santos Silva e João Perna aguardam ainda pela marcação da primeira sessão de julgamento. Aos dois primeiros arguidos foi destacada a juíza Margarida Alves, que está aguardar que sejam esgotadas as possibilidades de recurso, depois de o juiz Ivo Rosa ter rejeitado as nulidades e irregularidades levantadas pela defesa e pelo Ministério Público.

Uma das figuras centrais deste processo é o antigo primeiro-ministro José Sócrates, que chegou a estar preso preventivamente durante cerca de dez meses e depois 42 dias em prisão domiciliária. O arguido estava inicialmente acusado de 31 crimes, entre os quais três por corrupção passiva de titular de cargo político, mas apenas foi pronunciado por seis crimes: três por falsificação de documento e três por branqueamento de capitais.

Um dos crimes de branqueamento de capitais de Sócrates diz respeito à utilização de contas bancárias junto do Montepio Geral, em coautoria com Carlos Santos Silva. Outro dos crimes de branqueamento de capitais é também em coautoria com Carlos Santos Silva relativamente ao uso das contas bancárias de João Perna. Por fim um crime de branqueamento de capitais que envolveu 167.402,5 euros com origem no arguido Carlos Santos Silva no interesse de José Sócrates.

Já os três crimes de falsificação de documento de que Sócrates está pronunciado, todos em coautoria com Carlos Santos Silva, são relativos à produção de documentação do arrendamento de um apartamento em Paris, a contratos de prestação de serviços da RMF Consulting e envolvendo figuras como Domingos Farinho, e ainda a contratos de prestação de serviços da RMF Consulting e figuras como António Manuel Peixoto e António Mega Peixoto.

Carlos Santos Silva é arguido no caso da Operação Marquês juntamente com o seu amigo e ex-primeiro-ministro José Sócrates de quem, segundo o Ministério Público (MP) é “testa de ferro”.Rodrigo Antunes/Lusa

O empresário Carlos Santos Silva está também acusado por três por falsificação de documento e três por branqueamento de capitais, todos em coautoria com José Sócrates. Inicialmente estava acusado com o maior número de crimes 33 crimes, sendo 17 por branqueamento de capitais, dez por falsificação de documentos, três por fraude fiscal qualificada, um por corrupção passiva de titular de cargo político, um por corrupção ativa de titular de cargo político e um por fraude fiscal. Segundo o MP, Carlos Santos Silva era o testa-de-ferro de José Sócrates para controlar várias offshores.

Por fim, João Perna, ex-motorista de José Sócrates, vai a julgamento por um crime de posse de arma proibida. Não indo a julgamento por branqueamento de capitais.

Arguidos não pronunciados por Ivo Rosa

Na decisão instrutório o juiz Ivo Rosa deduziu acusação apenas contra cinco arguidos, levando à não pronúncia de 23 suspeitos. A lista era extensa e reunia pessoas singulares, desde Zeinal Bava a Henrique Granadeiro, e pessoas coletivas, como as empresas Lena e o empreendimento de luxo de Vale de Lobo

Segundo a acusação, Zeinal Bava, ex-administrador da PT, recebeu mais de 25 milhões de euros, entre 2007 e 2011, através da Espírito Santo Enterprises. O Ministério Público acredita que foi uma forma de Ricardo Salgado beneficiar Bava. O ex-administrador da PT estava acusado de um crime de corrupção passiva, um crime de branqueamento de capitais, um crime de falsificação de documentos e dois crimes de fraude fiscal qualificada.

Outro do rostos dos arguidos do caso era Henrique Granadeiro, que estava acusado de oito crimes: um por corrupção passiva, dois por branqueamento de capitais, três por fraude fiscal qualificada, um por abuso de confiança e um por peculato. Granadeiro foi administrador da PT e está acusado de ter recebido entre 2007 e 2012 mais de 24 milhões de euros através da Espírito Santo Enterprises.

Na lista de arguidos estavam ainda Joaquim Barroca Rodrigues, vice-presidente do ex-grupo Lena, acusado de 14 crimes; Hélder Bataglia, empresário, acusado de dez crimes; José Diogo Gaspar Ferreira, ex-diretor executivo do empreendimento de luxo Vale de Lobo, acusado de seis crimes; Rui Mão de Ferro, empresário, acusado de cinco crimes; Rui Horta e Costa, ex-administrador não executivo dos CTT, acusado de quatro crimes; Gonçalo Ferreira, advogado, acusado de quatro crimes; Luís Ferreira da Silva Marques, ex-diretor na Rede de Alta Velocidade, acusado de dois crimes; José Luís Ribeiro dos Santos, engenheiro, acusado de dois crimes; Bárbara Vara acusada de dois crimes; José Paulo Pinto de Sousa, primo de Sócrates, acusado de dois crimes; Sofia Fava, ex-mulher de Sócrates, acusada de dois crimes; e Inês Rosário, companheira de Carlos Santos Silva, acusada de um crime.

Entre as pessoas coletivas, ou seja empresas, estavam a Lena Engenharia e Construções, SA acusada de sete crimes; XLM – Sociedade de Estudos e Projectos, Lda acusada de cinco crimes; Lena Engenharia e Construções, SGPS acusada de três crimes; Lena SGPS acusada de três crimes; Oceano Clube acusada de três crimes; Vale do Lobo Resort Turístico de luxo, SA acusada de três crimes; XMI – Management & Investments, SA acusada de dois crimes; Pepelan – Consultoria e Gestão, Lda acusada de dois crimes; e RMF – Consulting, gestão e consultoria estratégica acusada de um crime.

Juiz Carlos Alexandre constituído arguido

Em fevereiro de 2022, o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, Carlos Alexandre, foi constituído arguido no âmbito da distribuição manual da Operação Marquês. O desembargador Jorge Antunes decidiu aceitar o requerimento de abertura de instrução apresentado por José Sócrates. A escrivã Teresa Santos também foi constituída arguida. O debate instrutório começa dia 25 de março.

Os dois arguidos ficaram sujeitos à medida de coação de Termo de Identidade e Residência, segundo o despacho. Em “cima da mesa” estão os crimes de abuso de poder, falsificação de funcionário e denegação de justiça. O desembargador Jorge Antunes não vai ouvir os sete oficiais de justiça, a juíza Amélia Reis Catarino e uma funcionária judicial.

Em causa está a alegada distribuição manual do inquérito da Operação Marquês ao juiz Carlos Alexandre pela escrivã que já tinha trabalhado com o magistrado judicial em outros tribunais. A 3 de janeiro, a defesa de José Sócrates criticou o Conselho Superior da Magistratura por considerar que a entrega do inquérito Operação Marquês ao juiz Carlos Alexandre foi apenas uma “irregularidade procedimental”, apesar de ter sido feita em “violação da lei”.

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