“A China já bateu no fundo”

Virginie Maisonneuve, diretora do departamento de investimentos da AllianzGI, antecipa um crescimento de 5% do PIB chinês este ano e vislumbra boas oportunidades de investimento no país.

A economia chinesa está a transformar-se a uma velocidade estonteante. Virginie Maisonneuve, responsável pelo departamento de investimentos da Allianz Global Investors (AllianzGI), nota que, atualmente, quase um quinto do PIB chinês é gerado por setores de atividade novos, como a cibersegurança, a inteligência artificial e a inovação. “Há dez anos era basicamente zero”, refere esta veterana do mundo dos mercados, com mais de 30 anos de experiência e com particular conhecimento sobre o mercado chinês.

Mas não é só isso que está a acontecer no Império do Meio. Maisonneuve acredita que, depois de o PIB chinês ter crescido apenas 0,8% no segundo trimestre, a economia chinesa “já bateu no fundo” e que o líder chinês está a tentar “limpar a economia”, com o intuito de fazer chegar o dinheiro do orçamento a setores que promovam o crescimento e o desenvolvimento do PIB — de notar que a entrevista foi realizada duas semanas antes de conhecerem-se os dados do crescimento de 4,9% do PIB no terceiro trimestre, que foram divulgados esta quarta-feira.

Por todas estas razões Maisonneuve não tem dúvidas em considerar uma exposição de 10% a 15% a ações chineses numa carteira de ações. Mas não se fica por aqui. Numa entrevista ao ECO num dos edifícios emblemáticos da AllianzGI em Berlim, a gestora revela porque antecipa uma grande volatilidade nos mercados nos próximos meses e porque os investidores devem ver isso como uma oportunidade para enriquecerem as suas carteiras com boas empresas com negócios de qualidade.

“Se tivermos uma visão, esta é uma ótima altura para ir pescar”, refere Maisonneuve, notando que essas oportunidades se escondem em empresas com balanços sólidos, com boas equipas de gestão e em setores com ampla projeção de desenvolvimento, como a inteligência artificial e a cibersegurança.

Acredito que este ano a China terá um crescimento de 5%. O Governo apresentou um orçamento, falou dele em março e o dinheiro ainda não está a ser gasto.

A China está a abrandar. No segundo trimestre do ano, o PIB chinês registou um crescimento em cadeia de apenas 0,8%. Antecipa mais más notícias da China a curto prazo?

Acho que a China já bateu no fundo. Acredito mesmo nisso. Mas também não creio que a China volte a ser o motor de crescimento para o mundo foi no passado, porque a economia é também hoje muito maior do que no passado.

Qual é a sua previsão de crescimento para a China este ano?

Acredito que este ano a China terá um crescimento de 5%. O Governo apresentou um orçamento, falou dele em março e o dinheiro ainda não está a ser gasto. Por isso, vamos assistir a uma aceleração das despesas entre o momento atual e o final de março, o que irá apoiar a economia. O que Xi Jinping está a tentar fazer é limpar a economia. Não quer que o dinheiro vá beneficiar os especuladores. Quer que o dinheiro vá para a educação, a saúde e a própria tecnologia. Essa nova economia representa atualmente 18% do PIB. Há dez anos era basicamente zero.

Esse número é uma surpresa.

Eu sei. Esse número é uma fonte oficial do governo e refere-se a números de 2022. Penso que agora é mais elevado. Inclui a tecnologia verde, os serviços financeiros tecnológicos que cresceram muito. As pessoas não põem as suas poupanças na sua casa. O que vão fazer é comprar mais fundos de investimento, comprar mais produtos de seguros, viajar mais. Agora, se o jogo de ganhar dinheiro através da compra numa base especulativa acabou, a mensagem de Xi Jinping é clara: comprem casas se viverem nelas, mas não comprem apenas para as manterem vazias. Esse dinheiro vai agora para outro lado.

Conhece muito bem o mercado chinês. Viveu e trabalhou em Pequim durante algum tempo e ajudou a criar o primeiro fundo de ativos chineses para investidores americanos. Do ponto de vista de um investidor europeu, qual é a melhor forma de tirar partido da evolução da China?

Penso que é necessário ter uma exposição à inovação através das ações da classe A (A-shares). Não se deve comprar todo o mercado. Não se deve comprar um ETF. O objetivo é ter apenas as empresas inovadoras, a tecnologia, a tecnologia da saúde, a infotecnologia, a nova economia, o novo consumo. À medida que a população envelhece, as pessoas precisam de serviços diferentes. Há muitas empresas que podemos colocar numa carteira. São essas as partes que queremos. Não a China no seu todo.

Significa que a estratégia para lucrar com a China deve ser através da seleção individual de ações e não através de uma compra por atacado?

Sim, mas é também importante perceber que o mercado asiático é dominado por investidores nacionais, porque muitos investidores estrangeiros saíram do mercado. À medida que esses investidores nacionais se apercebem e que o governo adota algumas medidas de apoio aos mercados que não são muito faladas, como a filtragem da qualidade, em que as empresas que apenas vegetam estão a ser retiradas da bolsa para melhorar a qualidade do mercado, o investidor nacional regressará. E, nessa altura, os estrangeiros vão querer investir. Penso que estão à espera dessa confirmação. Eu não quero esperar por essa confirmação. Não poria 100% dos meus ativos lá, mas colocaria definitivamente 10% ou 15% da minha carteira.

Virginie Maisonneuve, diretor global de investimentos (CIO) da AllianGI em entrevista ao ECO.

“Estou bastante entusiasmada com a volatilidade dos mercados no próximo ano”

Virginie Maisonneuve antecipa fortes oscilações nas principais bolsas em 2024 e vê isso como uma oportunidade para os pequenos investidores agarrarem boas empresas a preços razoáveis.

Tem sido um ano complicado em todo o lado, marcado por níveis de inflação elevados, taxas de juro crescentes e uma recessão no horizonte. Qual deverá ser o posicionamento das carteiras dos investimentos face a este ambiente económico e financeiro?

Para atravessar este período de volatilidade é importante adotar uma espécie de estratégia ‘multi-fator quântico global’, muito estável por forma a ancorar a carteira. Isto significa que, quando a volatilidade diminuir, será possível tirar algum proveito disso, e depois ter valor de qualidade na carteira, assim como empresas que ofereçam crescimento e rendimento de qualidade. O rendimento é importante devido à concorrência das taxas de juro. Este é um fator diferencial, mas queremos ter a alavancagem que as ações oferecem, desde que sejam capazes de gerar rendimentos de qualidade. Por isso não é possível obter rendimentos em “empresas sujas”.

Onde é que se podem encontrar essas oportunidades?

No setor cibernético, inteligência artificial, robótica, segurança alimentar, água, energia, transição, alterações climáticas. Todos estes temas são muito importantes. O tema da água, por exemplo: verificamos que, nos próximos dez anos, se por um lado uma parte do mundo vai ficar completamente inundada, por outro vamos precisar de muita água noutras áreas.

Procuro empresas com um determinado perfil de gestão e com um sólido balanço. Não quero empresas muito endividadas porque, ao nível atual das taxas de juro, se necessitarem de financiamento vão pagar preços elevados.

Em termos de perfil das ações, essas oportunidades de investimento estão mais concentradas em ações de valor (value stocks) ou no campo das empresas de crescimento (growth stocks)?

Em empresas de crescimento, mas em crescimento de qualidade. Gosto de crescimento de qualidade a um preço razoável. Se nos concentrarmos num horizonte temporal de investimento de três ou seis meses, provavelmente as empresas de valor seriam melhores, mas as pessoas não devem investir a três e a seis meses. É um período demasiado curto. O ideal é pensar num horizonte temporal de cinco anos e numa carteira de crescimento de qualidade a um preço razoável, que traga mais tecnologia e mais indústria. Assim, quando passamos por períodos de recessão, esses setores vão voltar a ser favorecidos. E o que temos, se olharmos para a tecnologia, é realmente interessante. Nos últimos meses, o setor tecnológico sofreu uma desvalorização de 20% em relação ao S&P 500, mas os fundamentais das empresas melhoraram porque há tendências como a cibernética, em que as pessoas têm de investir.

Usa muito a ideia do investimento em “ações de qualidade”. O que quer dizer com isso?

Procuro empresas com um determinado perfil de gestão e com um sólido balanço. Não quero empresas muito endividadas porque, ao nível atual das taxas de juro, se necessitarem de financiamento vão pagar preços elevados.

Mas esse é um dos problemas das ações de crescimento. Elas exigem capital intensivo e, com um ambiente de taxas de juro elevadas, como é que estas empresas podem beneficiar?

Essa é a questão fundamental e é por isso que gosto de ações de crescimento de qualidade. Na qualidade incluo a qualidade do balanço.

Dê-me exemplos de empresas com essa qualidade que refere.

Não posso dar nomes, não me é permitido porque sou regulada pela FCA. No entanto, quando refiro qualidade de balanço procuro empresas com um rácio dívida/capitais próprios baixo e, se tiver dívida fixa, deverá ter outros negócios que gerem fluxos de caixa suficientes para poder financiar essa dívida, caso seja necessário. É isso que quero dizer. Não me refiro a ações tecnológicas de crescimento a qualquer preço, ou seja, se tivermos um crescimento extremo, temos um valor extremo. Estou mais no centro do crescimento e do valor ligados por uma equipa de gestão forte e de qualidade, um balanço forte e modelos de negócio fortes. Isso é fundamental. E margens, margens em crescimento ou fortes e estáveis, mas não empresas que dão prejuízo. Este é o momento errado para dar mão a essas empresas. É isso que quero dizer com a morte dos zombies: empresas que conseguiram sobreviver com fluxos de caixa, agora não vão conseguir isso devido ao custo do capital. O custo do capital está a voltar e isso é saudável porque, caso contrário, há coisas loucas, especulações loucas. É por isso que o espaço de qualidade é muito importante.

É esse o significado de investir com “forte convicção”, como costumava referir?

Sim. A qualidade em geral, porque a convicção obtém-se através do desenvolvimento do caso de negócio ao longo do tempo. Mas mesmo nas nossas estratégias quantitativas, temos um fator de qualidade. E, na verdade, nos últimos 12 meses, aumentámos esse fator e isso tem sido muito, muito útil.

Agora é altura de olhar para a carteira e ver onde existem lacunas e ter coragem para, nos próximos três ou quatro meses, quando encontrar volatilidade, captar o que quer para estruturar corretamente o seu portefólio.

Nos últimos dez anos, mais de 90% dos fundos de investimento tiveram um desempenho inferior ao do seu índice de referência. Porque é que os pequenos investidores devem continuar a investir em fundos de investimento em vez de ETF, por exemplo?

Taxas de juro. Atualmente, estamos num mundo em que o custo do capital é muito mais elevado. Assim, o impacto de uma boa equipa de gestão e de um bom modelo de negócio será muito mais diferenciado do que o impacto de uma grande empresa. É por isso que se quer uma gestão ativa com convicção e não um ETF porque, através de um fundo de índice, está a comprar todo o mercado. É por isso que estou bastante entusiasmada com a volatilidade dos mercados no próximo ano. Se tivermos uma visão, este é uma ótima altura para ir à ‘pesca’.

Isso significa que espera mais volatilidade para o próximo ano?

Sim.

E quais são os principais acontecimentos que trarão essa volatilidade aos mercados?

Eleições. A eleição na Ucrânia, a eleição em Taiwan, a eleição presidencial nos EUA e outras eleições, como para o Parlamento Europeu. Mas as eleições presidenciais norte-americanas são muito importantes porque, dependendo de quem ficar com o cargo, a atitude relativamente à Rússia e à Ucrânia vai ser oposta. Além disso, é importante notar que, alguns candidatos vão beneficiar do caos. Portanto, não sabemos quem vai ser o presidente, mas sabemos que vai haver muita discussão e uma atitude caótica, incluindo, potencialmente, a 17 de novembro, dependendo de quem se tornar o presidente. Depois temos Taiwan, sobretudo pelos EUA e do barulho que se faz sentir à sua volta. E, claro, as eleições na Ucrânia são um também um facto espantoso. Zelensky começou a fazer algumas mudanças em relação aos seus ministros, mas lembrem-se, esta situação na Ucrânia, esta ordem está muito ancorada no apoio financeiro que tem sido dado à Ucrânia. Por isso, essa vai ser uma importante fonte de volatilidade.

Além do ambiente político, quais são os acontecimentos que considera serem importantes fontes de volatilidade?

As taxas de juro. Sabemos que as taxas serão mais elevadas durante mais tempo. Estamos nesse campo há quase um ano. Não faço ideia porque é que as pessoas diziam que os cortes de taxas iriam ocorrer no verão passado.

Qual é a sua previsão?

A resposta a essa questão depende de duas variáveis. A primeira é o nível de desinflação. A maior parte da tendência de desinflação que tivemos nos preços da energia foi sem sentido descontente, porque o petróleo não vai chegar aos 50 dólares. Seria necessária uma enorme recessão neste ambiente para que o preço do petróleo chegasse aos 50 dólares. No entanto, pode sempre haver uma retoma dos preços dos alimentos, dependendo da situação e da geopolítica. Portanto, a tendência para a desinflação abrandar é uma coisa. A outra razão é a dívida dos EUA. A condição de oferta e procura da dívida nos EUA é muito elevada. Por isso, para atrair o financiamento de que o banco central precisa, será necessário oferecer taxas mais elevadas, se tudo o resto se mantiver igual. No entanto, é muito difícil de fixar o preço certo. Mas se as taxas de longo prazo, que é o que realmente interessa para o financiamento das empresas, se mantiverem demasiado elevada, isso poderá ser bastante perturbador.

Os títulos do Tesouro dos EUA a dez anos já estão a negociar com uma yield de 5%.

Exatamente. Isso é normalização. Se formos mais longe, se formos para os 8%, penso que isso seria um fator de medo, um fator de risco, um fator técnico.

O que será um fator de medo para os mercados?

O fator de medo pode ser a geopolítica. O fator de medo poderá ser a necessidade de atrair fundos. Nesse caso, penso que a Fed intervirá. Então voltamos a uma situação em que as más notícias são boas notícias. Entretanto, é daí que vem a volatilidade. É o elemento irracional.

Tendo tudo isto em conta, o que é que os pequenos investidores devem fazer?

Agora é altura de olhar para a carteira e ver onde existem lacunas e ter coragem para, nos próximos três ou quatro meses, quando encontrar volatilidade, captar o que quer para estruturar corretamente o seu portefólio porque, depois disso, iremos para um ambiente mais benigno onde o capital tem um custo.

Há 10 anos, disse-me que os três temas que orientavam a sua seleção de ações eram as alterações climáticas, a demografia e o crescimento super-cíclico dos mercados emergentes. Hoje, estes temas continuam presentes na sua seleção de ações?

Mantenho-os. Mas a inteligência artificial e a cibernética, a que eu chamo Darwinismo Digital, são a força da tecnologia e estão a forçar a mudança. Isso está a ter impacto em tudo. É a derradeira perturbação. E é preciso ter esse tema na carteira para beneficiar dele.

O jornalista viajou a convite da AllianzGI.

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