“A transparência salarial é fundamental na redução da desigualdade salarial”, diz advogado da CMS

Tiago de Magalhães é associado sénior da CMS Portugal e integra a equipa de coordenação de ESG e Sustentabilidade do escritório. Ao ECO, fala sobre a (ainda) desigualdade salarial no trabalho.

Tiago de Magalhães é associado sénior da área de prática de Direito do Trabalho & Fundos de Pensões da CMS Portugal e integra a equipa de coordenação de ESG e Sustentabilidade, juntamente com a counsel Maria Figueiredo e os sócios Bernardo Cunha Ferreira e Tiago Valente de Oliveira.

Com 15 anos de experiência, o advogado desenvolve a sua atividade maioritariamente na assessoria laboral e Segurança Social, em temas do day-to-day a todo o tipo de empresas, destacando as dos setores bancário e financeiro, hoteleiro, aviação e bens de consumo. Tem ainda experiência na assessoria jurídica de contencioso às direções de Recursos Humanos dos clientes que coordena, bem como na contratação sob regimes especiais, como a modalidade de teletrabalho, contratação de trabalhadores estrangeiros, serviço doméstico e cargos de direção. Integra a CMS desde 2009.

A ESG Task Force assessora os clientes do escritório de José Luís Arnaut, desde multinacionais a start-ups, em todos os setores relacionados com Sustentabilidade, incluindo obrigações de divulgação de informação relativa a sustentabilidade, governo societário, o futuro da mobilidade, estratégias relativas a risco de alterações climáticas, due diligence ESG, responsabilidade digital empresarial, cadeias de fornecimento sustentáveis, denúncia de irregularidades, financiamento imobiliário verde, condições de trabalho, diversidade e inclusão, igualdade salarial e prevenção de assédio no local de trabalho. Ao ECO, em entrevista, fala sobre a (ainda) desigualdade salarial no mercado de trabalho atual.

Tiago de Magalhães, em entrevista ao ECO/AdvocatusHugo Amaral/ECO

Quais são os principais fatores que contribuem para a desigualdade salarial no mercado de trabalho atual?

Apesar de considerar que estamos muito melhor do que o que estávamos há uns anos, parece que existe ainda um preconceito social de que o trabalho desenvolvido pelas mulheres é ainda inferior ao dos homens e, por esse motivo, recebem menos pelo mesmo trabalho. Isto mesmo acaba por se traduzir no facto de que há postos de trabalho mais feminizados e outros masculinizados. Por outro lado, o estigma de que as mulheres são quem mais se dedica aos cuidados familiares faz com que, muitas vezes, inconscientemente em momentos de contratação ou de progressão sejam quem fica prejudicada em detrimento dos homens. A isto acrescem ainda os ‘telhados de vidro’. Sendo os homens quem chegam mais aos cargos de topo e liderança acabam por ser também quem tem salários mais elevados e que acabam por puxar mais outros homens para esses cargos de topo.

Acredita que a desigualdade salarial é um problema significativo na nossa sociedade?

Sim, se estivermos a falar de uma desigualdade salarial que seja em si discriminatória, nomeadamente, com base no sexo. Aí claramente que é um problema, que não só deve ser identificado como também corrigido. A Lei não obriga a que a homens e mulheres se pague o mesmo só porque sim. O que obriga é que não haja qualquer tipo de discriminação no pagamento de remuneração (seja ela base, ou total) entre mulheres e homens, possibilitando que existam diferenças com base em fatores objetivos – como por exemplo, com base no mérito, produtividade, assiduidade ou antiguidade. Ora, se tivermos em consideração que no ano de 2024, em Portugal, as mulheres ganhavam, em média, menos 13% do que os homens por trabalho igual ou de valor igual, é ainda uma grande diferença.

Quais são as principais diferenças salariais entre homens e mulheres no mesmo cargo, segundo dados oficiais?

Quanto mais para cima na hierarquia e mais habilitações, maior pode ser a diferença salarial entre homens e mulheres, podendo esta chegar aos 26% em desfavor das mulheres. Já nos cargos onde os salários são mais baixos as diferenças acabam por ser menores, estando os salários mais nivelados. De acordo com o último barómetro das diferenças remuneratórias entre mulheres e homens, publicado pelo Ministério do Trabalho em 2024, por referência aos dados disponibilizados de 2022, as mulheres recebiam, em média, menos 13,2 % quando se considera o salário base. Apesar desta diferença ter vindo a diminuir, era de 17,9 % em 2010, as diferenças persistem, sendo que de 2021 para 2022 aumentou 0,1%. Resta saber se esta será uma tendência ou se foi um dos reflexos da pandemia COVID. A diferença salarial sobe para 𝗺𝗲𝗻𝗼𝘀 𝟭𝟲,𝟬%, quando se considera o ganho, ou seja, todas as rubricas que são pagas.

Quanto mais para cima na hierarquia e mais habilitações, maior pode ser a diferença salarial entre homens e mulheres, podendo esta chegar aos 26% em desfavor das mulheres. Já nos cargos onde os salários são mais baixos as diferenças acabam por ser menores, estando os salários mais nivelados.

Tiago de Magalhães

As políticas públicas que existem são suficientes para combater a desigualdade salarial no país?

Em Portugal têm vindo a ser implementas várias políticas públicas para combater a desigualdade salarial entre homens e mulheres, sendo de destacar a Lei n.º 60/2018, de 21 de agosto, que aprova medidas de promoção da igualdade remuneratória entre mulheres e homens por trabalho igual ou de igual valor (se pudermos considerar esta como uma politica pública), o que levou à criação do Barómetro das Diferenças Remuneratórias. Por outro lado, também a criação de apoios à contratação para postos de trabalho onde há uma menor predominância de um dos géneros é uma medida a destacar, ainda que tenha pouca tração. Também a promoção do Selo de Igualdade Salarial, que reconhece as boas práticas das entidades empregadoras na promoção da igualdade remuneratória por parte de Comissão para Igualdade no Trabalho e Emprego (CITE), pode aqui ser destacado, assim como as ações de fiscalização que a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) tem levado a cabo nos últimos 2 anos. No entanto, e como referi acima, existem ainda 13 pontos percentuais que separam mulheres e homens quando se fala em retribuição e trabalho igual ou de valor igual. Uma diferença que não só não deveria existir, como evidencia a necessidade de que ainda há muito por se fazer se, efetivamente, queremos que esta diferença deixe de existir. Eu quero, não por mim, mas por todos.

Essas leis têm sido eficazes? Por quê?

Têm feito uma parte do trabalho que há a fazer. Mas nem tudo se faz com a legislação. Nem as pessoas, nem as empresas mudam se não quiserem mudar. Falta mudança cultural, falta formação e falta transparência. A fiscalização que tem sido feita pela ACT tem, em certa medida, sido eficaz, não só porque alerta para a questão, como acaba por fazer com que as empresas tenham de olhar para as suas políticas salariais, para as retribuições que são pagas e não só verificar, como também confirmar, que as mesmas não são discriminatórias, levando a que, quando necessário, sejam feitas as devidas regularizações. Só com uma análise, um estudo, uma auditoria, como lhe quisermos chamar, é que se será possível afirmar-se com segurança que no seio da sua empresa não existe discriminação.

Tiago de Magalhães, Associado Sénior da área de prática de Direito do Trabalho & Fundos de Pensões, em entrevista ao ECO/AdvocatusHugo Amaral/ECO

Que medidas adicionais acredita que poderiam ser implementadas para reduzir a desigualdade salarial?

É crucial que exista transparência e atrever-me-ia a dizer comunicação por parte das empresas. E comunicação de quais as políticas salariais, assim como qual o Gender Pay Gap. Quero acreditar que a com transposição da Diretiva para a Transparência Salarial, que terá de ocorrer até junho de 2026, veremos já alterações.

Por outro lado, acredito também que aumentarão os casos de litigância, o que irá obrigar as empresas a olharem para o que têm internamente a nível de políticas salariais e corrigir situações que nem sabiam que existiam. Já ao nível legislativo, acredito que igualar as regras do gozo dos direitos de parentalidade entre mulheres e homens traria também benefícios para eliminar as desigualdades salariais.

A CMS tem implementado políticas para promover a equidade salarial?

Sim. Desde sempre que na CMS a equidade salarial é muito importante, não se fazendo discriminação com base no sexo, tanto ao nível da área de suporte, como no caso dos advogados. Diria mesmo que desde há uns anos a esta data que essa preocupação se tem sentido mais, tendo-se, inclusive, apostado numa revisão interna e estudo de equidade salarial.

Qual o papel da transparência salarial na redução da desigualdade?

A transparência salarial é fundamental na redução da desigualdade salarial. Não só obriga a que haja uma análise a cada momento, como leva a que se identifiquem desigualdades e se as mesmas estão enviesadas ou não. Por outro lado, tornam as empresas mais responsáveis pelos dados que divulgam, obrigando a que haja quase que uma dupla confirmação e validação de que os critérios para eventuais diferenças são efetivamente objetivos, reduzindo práticas discriminatórias. É, igualmente, um garante de uma negociação salarial justa, assim como pode ajudar a fortalecer a imagem e reputação de uma empresa, não só por via de retenção e atração de talento, como da sua imagem junto dos consumidores e investidores. É no momento da contratação que as mulheres mais negoceiam os seus salários, havendo depois uma estagnação ao longo da carreira, quando comparado com os homens. Havendo mais transparência, esta questão ficará dissipada.

Mas nem tudo se faz com a legislação. Nem as pessoas, nem as empresas mudam se não quiserem mudar. Falta mudança cultural, falta formação e falta transparência. A fiscalização que tem sido feita pela ACT tem, em certa medida, sido eficaz, não só porque alerta para a questão, como acaba por fazer com que as empresas tenham de olhar para as suas políticas salariais, para as retribuições que são pagas e não só verificar, como também confirmar, que as mesmas não são discriminatórias, levando a que, quando necessário, sejam feitas as devidas regularizações.

Tiago de Magalhães

Como a desigualdade salarial afeta o crescimento económico e a produtividade?

Segundo o Instituto Europeu para a Igualdade de Género, ‘aumentar a participação das mulheres na população ativa e reduzir as disparidades salariais entre homens e mulheres terá um impacto positivo no crescimento económico da União Europeia’, sendo que em termos práticos, dar-se a mesma oportunidade a mulheres e homens não deveria sequer ser questionado, sequer em termos remuneratórios. A desigualdade salarial afeta não só o presente, como o futuro. Basta pensar que uma mulher que ganhe menos do que um homem nos dias de hoje, pelo mesmo trabalho, faz com que a base contributiva para a sua proteção social seja mais baixa, com reflexos a médio-longo prazo, nomeadamente, na reforma por velhice. Esta mesma diferença faz também com o que o poder de compra seja mais baixo, havendo, menor consumo. Em resumo, esta diferença contribui para perpetuar a dependência económica das mulheres, aumentar o seu risco de pobreza e exclusão social, que são quem, de acordo com os dados oficiais, em média ganham menos.

Como advogado, já enfrentou situações de desigualdade salarial?

A título pessoal? Não. De situações relacionadas com clientes? Sim. Tanto decorrente de ações de fiscalização da ACT, como de queixas apresentadas por trabalhadores, com algumas situações a terminar em litígio judicial. Nuns casos veio a verificar-se que não havia qualquer discriminação salarial, nomeadamente, com base no sexo. Noutras, verificou-se que não havia justificação para a diferença salarial e procedeu-se à respetiva regularização – e tanto em desfavor dos homens, como das mulheres. É neste sentido que refiro que é importante fazer-se uma análise interna e que haja transparência.

Acredita que a desigualdade salarial deixe de ser uma questão, no futuro?

Só vai deixar de ser uma questão quando deixar de existir. A importância do tema é de tal forma grande que é um dos direitos humanos e faz também parte de um dos objetivos do desenvolvimento sustentável (já para não falar do facto de estar previsto no nosso Código do Trabalho, mas isso a nível local). Na CMS temos uma equipa especializada nesta matéria e empenhada em contribuir para que as desigualdades salariais que não sejam justificadas de forma objetiva sejam eliminadas. Nos últimos anos temos feito um grande esforço na sensibilização, assim como na assessoria a várias empresas, não só na elaboração de planos de avaliação de diferenças remuneratórias, como ainda na elaboração e revisão de políticas remuneratórias transparentes (que são obrigatórias para todas as empresas). A perceção que tenho é que atualmente há uma maior sensibilização para o tema, mas também que ainda há muito trabalho que tem de ser feito.

Qual o papel da tecnologia na desigualdade salarial?

A tecnologia vai ter um papel fundamental (já tem) na análise de dados, o que pode fazer com que sejam identificados mais facilmente os gaps e se corrijam de forma objetiva. Por outro lado, também no momento de seleção e recrutamento podem as empresas recorrer a mecanismos de seleção por algoritmos, diminuindo eventuais discriminações. No entanto, é preciso ter muito cuidado na forma como são definidos os parâmetros sob pena de se perpetuar ou criarem outras situações discriminatórias.

Quais lições podemos aprender com outros países que têm sido bem-sucedidos na redução da desigualdade salarial?

As lições que podemos retirar de países como a Islândia, um dos países onde as desigualdades salariais são mais baixas, é o facto de haver uma regulamentação mais apertada, com maior transparência salarial, com obrigação de reporte por parte das empresas sobre as desigualdades salariais e aplicação de coimas para as situações que não estão em conformidade. Portugal está a fazer esse caminho.

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