Dirce Rente admite que não deixa a pressão em apresentar bons resultados “ensombre” o seu trabalho diário. A sócia da Eversheds Sutherland FCB contou como está a ser o novo capítulo profissional.
Dirce Rente, sócia da Eversheds Sutherland FCB, partilhou com a Advocatus como está a ser o novo capítulo profissional, depois de 16 anos ao serviço da PLMJ. A advogada defende que hoje em dia só um elevado nível de especialização técnica permite corresponder ao nível de exigência que o cliente “reclama e merece”.
Admite que não deixa a pressão em apresentar bons resultados “ensombre” o seu trabalho diário e assume que “não vale a pena ter uma política de prevenção da corrupção de 50 páginas se ninguém a lê”.
Em setembro reforçou a equipa de sócios da Eversheds Sutherland FCB. O que motivou a sua saída da PLMJ, após 16 anos, e começar um novo desafio?
Entrei na PLMJ para fazer o estágio de advocacia, ainda sem muitas certezas do que queria para o meu futuro. No fim do estágio, estava certa que a advocacia penal me fazia brilhar os olhos e que era ali que me sentia em casa. Fui feliz durante muitos anos, fiz amigos, criei ótimas relações e muitas sinergias. Foram anos de muito trabalho e muito empenho pessoais, mas também muito gratificantes. Mas a dada altura questionei o que gostaria de ver refletido no meu futuro e no futuro da própria área. Nesse momento de reflexão, cruzei-me com a Eversheds Sutherland FCB. E percebi que, de facto, era aqui que eu me via nos próximos 16 anos, e nos seguintes a esses…
O valor humano deste escritório conquista qualquer um. Por cá chamam-lhe uma “cultura de amigos” e é de facto assim. As particularidades de cada um, que poderiam ter a potencialidade de abrir fossos entre as pessoas, são aceites e acarinhadas. Aproximam, ao invés de afastar. O ambiente do dia-a-dia é saudável, as pessoas são felizes a trabalhar e os momentos menos bons, que a profissão, de alto stress e desgaste, tem sempre associados, são ultrapassados com uma enorme inteligência emocional. Aliás, o facto de grande parte dos sócios terem sido cá estagiários, ou quase, é revelador disto mesmo.
Aliado a isto está, claro, o projeto internacional. Sempre trabalhei muito a vertente internacional do direito penal, tenho acompanhado vários processos transfronteiriços, com contactos com outras jurisdições e/ou com clientes não nacionais, e é uma sub-área do Direito Penal e do Compliance de que gosto e que me dá especial prazer. E a Eversheds Sutherland tem, a nível internacional, equipas de direito penal muito competentes, altamente especializadas e com um incrível know how acumulado. Poder beneficiar deste contexto enquanto, paralelamente, me é oferecida a possibilidade de desenvolver uma área de prática, é um privilégio e um desafio irrecusável!
Por fim, pesou também o facto de a Eversheds Sutherland FCB ter vontade de apostar e desenvolver a área do Direito Penal, do Direito Contraordenacional e do Compliance e, claro, o facto de partilhar a minha visão de futuro para a área.
Na Eversheds Sutherland FCB passou a liderar a nova equipa de Penal, Contraordenacional e Compliance. Como encarou esta nova responsabilidade?
Com muito entusiasmo, mas também com o peso de corresponder, pessoal e profissionalmente, à aposta que os meus sócios fizeram em mim e à forma como me acolheram sem reservas.
Sente pressão em apresentar bons resultados ou não pensa nisso?
Se fala de resultados financeiros: na minha opinião, há momentos, mais ou menos estanques no tempo, para analisar performance e ponderar resultados. Eles são importantes, naturalmente, e é preciso encará-los com a seriedade que merecem. Mas não podemos deixar que o nosso trabalho diário seja ensombrado pela busca incessante pelos resultados. E estou convencida que o trabalho sério, árduo, com empenho e qualidade se encarrega, naturalmente, de trazer estes resultados.
Com isto, chegamos aos outros resultados: os da qualidade. E quanto a esses, sim. Sinto uma pressão diária, muito autoimposta também, de apresentar os melhores resultados possíveis, em todas as tarefas a que me proponho.
Estou convicta que, hoje em dia, só um elevado nível de especialização técnica permite corresponder ao nível de exigência que o nosso cliente reclama e merece.
Qual é o maior desafio em liderar uma equipa?
Garantir que, numa equipa que se deseja plural, todos encontrem, no percurso que se faça para o bem comum, a sua própria realização profissional.
Qual vai ser o seu papel no desenvolvimento da marca do escritório?
O escritório, nesta sua forma saudável e equilibrada de praticar a advocacia, é um escritório que, por vezes, não se permite viver a própria qualidade. Quero com isto dizer que há uma qualidade intrínseca muito valiosa que nem sempre é potenciada ou comunicada para o exterior com a mensagem que lhe faria jus. E ainda que não encare este low profile como algo necessariamente negativo – em muitos casos é, em rigor, uma qualidade – talvez eu possa contribuir com alguma dinâmica no comunicar e potenciar das nossas valências.
Por outro lado, creio que a perspetiva holística que tenho de um advogado, que precisa ser um bom técnico, com um background académico muito forte, mas que deve ser também muito mais do que isso, faz com que valorize muito o desenvolvimento do nosso perfil não técnico, digamos assim. Talvez possa ser uma mais-valia nesse sentido: o abraçar o desenvolvimento das soft skills, em particular nos elementos mais novos das nossas equipas – proporcionar-lhes espaço e oportunidade para desenvolverem competências para lá dos atributos técnicos e do crescimento profissional do dia-a-dia, é um projeto a que gostaria de me dedicar aqui. Já há muito essa preocupação por cá: não é invulgar encontrar aqui advogados que falam fluentemente três ou quatro línguas. Mas há sempre caminho para percorrer e eu gostaria de poder contribuir com, porventura, outras perspetivas.
E por fim: sou inquieta por natureza, o que talvez permita agitar um bocadinho as águas, desafiar o status quo e permitir que se repensem certezas. Por vezes, sair da nossa zona de conforto faz sentido. Eu que o diga.
Que marca pretende deixar no escritório?
A da especialização. Estou convicta que, hoje em dia, só um elevado nível de especialização técnica permite corresponder ao nível de exigência que o nosso cliente reclama e merece. Só isso permite responder com qualidade e rapidez, simultaneamente, e sem que se comprometa uma ou outra.
O facto de o escritório estar a apostar na criação de um departamento, autónomo, dedicado exclusivamente ao Direito Penal, ao Direito Contraordenacional e ao Compliance é também sintomático do alinhamento de visão de que falava há pouco. Em muitos escritórios esta é uma área não autonomizada, geralmente incluída no contencioso geral, e sem advogados que se dediquem a estas matérias de forma exclusiva.
Tem centrado a sua atividade na área de Penal, Contraordenacional e Compliance. Se pudesse, qual seria a grande mudança que faria nestas áreas?
No Direito Penal, acabaria com os julgamentos públicos que os processos penais com visibilidade acarretam, ainda antes de ser tomada uma decisão pelas instâncias competentes. Recentraria a justiça penal onde ela deve estar – nos tribunais – e daria visibilidade aos princípios estruturais do nosso processo penal. O que nos distingue de sociedades que não estão centradas na ideia de respeito pelo ser humano, enquanto tal, é, também, isto: garantir que a nossa justiça é justa o que implica, entre o mais, um processo penal assente nos principais valores de um Estado de Direito democrático e de garantia dos direitos fundamentais – igualdade, defesa, contraditório, presunção de inocência, para enumerar alguns. Quero com isto dizer que não há justiça sem garantias de defesa. E esta mensagem deveria ser passada mais frequentemente.
No Direito Contraordenacional, faria uma reforma que passasse por distinguir as regras processuais consoante a gravidade das matérias que se discutem sob este chapéu comum. O direito das contraordenações abraça a contraordenação rodoviária, por exemplo, sancionável com coimas de umas poucas dezenas de euros e, ao seu lado, as contraordenações financeiras, ou da concorrência, que preveem multas de milhares de euros e sanções acessórias de um impacto brutal, por exemplo a proibição de exercer determinadas funções que pode, como imagina, ter um efeito catastrófico na vida de alguém que, ao fim de 10 ou 20 anos de carreira, se vê impedido de fazer o que sempre fez. E todas elas obedecem a um tronco comum de processo, sendo que é cada vez mais natural que cada setor tenha as suas próprias regras específicas. Seria necessário separar o joio do trigo e aplicar regras processuais diferentes, que conformassem o iter processual e os direitos de defesa de acordo e em proporcionalidade com a materialidade do processo. Mas fazendo-o de uma forma estruturada e ponderada, terminando-se com a multiplicidade de legislação, às vezes contraditória entre si, que acaba por ser uma entropia ao sistema da justiça.
Por fim, no Compliance: sensibilizaria as organizações para a importância de ter políticas e regulamentos internos adaptados à sua realidade e efetivamente implementados. Não vale a pena ter uma política de prevenção da corrupção de 50 páginas, se ninguém a lê. Ou com regras tão complexas que, por exemplo, as pessoas que se dedicam à área comercial não sabem o que fazer numa situação em que alguém lhes pede um patrocínio para um evento ou as convidam para uma demonstração de produto fora do país. As regras precisam ser simples, claras e exequíveis e esse, para mim, é o caminho real da prevenção dos fenómenos ilícitos.
Quais considera que devem ser as principais características de um grande advogado penalista?
Qualidade técnica, ser um bom comunicador, humildade e resiliência.
Ao longo dos anos tem vindo a ser referenciada nos principais diretórios internacionais. Como encara estas nomeações e distinções?
Com gratidão, mas também com enorme sentido de responsabilidade. O reconhecimento do nosso trabalho é sempre algo de muito positivo e que acaba por ser também um fator de estímulo para fazer mais e melhor.
Com mais de 15 anos de carreira, qual foi o melhor conselho que lhe deram?
Ao longo destes anos, tive o privilégio de trabalhar com muitos profissionais de enormes qualidades pessoais e técnicas e, por isso, de receber muitos e bons conselhos. Há dois ou três que me vêm de imediato à memória. Escolho um, deixo os demais para outra conversa: os processos ganham-se por estarmos melhor preparados do que a nossa contraparte. Ou por outras palavras: a sorte dá muito trabalho!
E a vida mostrou-me isso mesmo: o caminho é sempre a preparação. Conhecermos bem o processo, tê-lo bem estudado, termos materiais de apoio bem estruturados faz a diferença num julgamento, na preparação de uma peça processual. Entre o mais, permite-nos ser mais rápidos, captar o detalhe e fazê-lo funcionar a nosso favor. E, claro, granjear o respeito, ou conseguir o tempo de antena, do juiz. Afinal, o papel do advogado é passar uma mensagem e, a final, convencer o julgador de uma determinada solução de direito. E, para isso, é preciso também mostrar ao juiz que estamos ali para ajudar e que assumimos o nosso papel com seriedade e dedicação.
Claro que esta preparação é mais fácil nuns processos do que em outros: nos chamados “megaprocessos”, em que o Código de Processo Penal nos dá dias para praticar determinado ato ou apresentar a nossa defesa (3, 10, 20, 30 dias…) e temos, do outro lado, como acusador, o Ministério Público que teve anos, por vezes muitos anos, para investigar e organizar o processo… é difícil. Mas temos de fazer o nosso melhor.
E claro que há outros fatores que determinam o resultado e muitos fatores que nos são externos e que não conseguimos controlar. Mas, no fim do dia, terei a consciência tranquila que, da minha parte, fiz o melhor que me era possível. E isso dá-me paz de espírito e permite-me viver com tranquilidade com as exigências da profissão.
Quais são as perspetivas para daqui a 10 anos?
Continuar sócia desta casa, ter uma equipa expandida e consolidada e ver a Eversheds Sutherland FCB a assumir um papel crescendo no panorama nacional e internacional da advocacia.
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“Acabaria com os julgamentos públicos que os processos penais com visibilidade acarretam”
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