As dificuldades que hoje estão à vista nos serviços públicos são da responsabilidade do Governo, nomeadamente pela força como tem executado o Orçamento. Assim o diz o líder parlamentar do PCP.
As negociações para o Orçamento do Estado para 2019 ainda não começaram e embora considere que o aumento salarial da função pública é essencial, João Oliveira escusa-se a dizer que essa é uma condição para aprovar as próximas contas do Estado.
Quanto ao passado, o líder parlamentar do PCP diz que fizeram tudo com as possibilidades e limitações dos seus 15 deputados para repor rendimentos e recuperar condições de vida. Os problemas de falta de investimento que se estão a identificar nos serviços públicos, designadamente na Saúde, são da responsabilidade do Governo que escolheu, erradamente, a “obsessão pelo défice”.
João Oliveira, nesta terceira parte da entrevista em que falamos das contas públicas, salienta que a execução do Orçamento é da responsabilidade do Governo. O PCP, ao longo do tempo, foi chamando a atenção para uma execução orçamental que estava a sacrificar o investimento.
Sobre o peso do ministro das Finanças diz não acreditar que Mário Centeno tenha canibalizado a tutela dos outros ministérios.
O ministro das Finanças escreveu um artigo no Público dizendo basicamente “não vamos colocar em risco aquilo que foi obtido até agora”. O PCP considerou-se visado neste artigo?
Não de maneira nenhuma.
Não é um aviso para as negociações do próximo Orçamento?
O ministro das Finanças já vai conhecendo suficientemente bem o PCP nestes dois anos e meio para perceber que não somos sensíveis a essas lógicas de aviso. Essas palavras de aviso podiam ser dirigidas a outros, mas a nós não. Aquilo a que nós somos sensíveis é aos problemas que é preciso resolver. Nem sequer tinha equacionado essa afirmação.
Considera que “somos todos Centeno” ou somos “Adalberto”?
Nesse debate a minha camarada Carla Cruz disse ao ministro que “não somos todos Centeno”, somos é todos povo a precisar de acesso aos cuidados de saúde.
Tenho dúvidas que o ministro das Finanças tenha canibalizado a tutela dos restantes ministérios.
O ministro das Finanças é que manda neste Governo?
O ministro das Finanças tem os seus critérios e os restantes ministros relacionam-se com o ministro como o Governo entende que se devem relacionar. Colocar a responsabilidade da falta de resposta, que se vai verificando em algumas circunstâncias, apenas no ministro das Finanças pode não ter em consideração todo o quadro em que estas questões devem ser consideradas. Tenho dúvidas que o ministro das Finanças tenha canibalizado a tutela dos restantes ministérios. Estou convencido que os restantes ministros têm uma palavra a dizer em relação às suas políticas setoriais.
Os outros ministros têm então permitido que o ministro das Finanças faça um “brilharete”, como disse o deputado do PS João Galamba e mais recentemente também a líder do Bloco de Esquerda Catarina Martins?
Nós temos feito aquilo que podemos fazer. Em algumas circunstâncias ultrapassando até a nossa força aritmética na Assembleia da República, para que muitos dos problemas tenham solução. Por exemplo, foi por nossa iniciativa e com as nossas propostas que foram alteradas as regras do concurso dos professores. Nós não influenciamos a relação entre os membros do Governo.
O problema do brilharete dos membros do Governo é um problema do Governo e do PS.
Mas as questões concretas que tentam resolver não têm impedido o “brilharete” do ministro das Finanças.
Brilharete de ministros não são critérios para nós. Admito que o PS possa preocupar-se com esses brilharetes que os ministros possam fazer, mas o PCP não tem essa preocupação. Ainda por cima isso introduz critérios de fulanização completamente estranhos [para o PCP]. O que nos preocupa é o brilharete da resposta aos problemas dos reformados, dos utentes dos serviços de saúde onde faltam meios, médicos, técnicos de diagnóstico… O problema do brilharete dos membros do Governo é um problema do Governo e do PS.
[O aumento salarial da função pública é ] uma medida essencial e podia dizer até estrutural para o bom funcionamento da administração pública.
Já estão a decorrer as negociações para o Orçamento do Estado de 2019 ou o exame comum?
Ainda não se iniciou esse trabalho de revisão comum.
Não iniciaram esse exame comum com o Programa de Estabilidade?
Não, até porque isso seria subverter as regras. Não é o Programa de Estabilidade que enquadra a discussão do Orçamento. Na nossa perspetiva, não.
Os salários da função pública têm de aumentar no próximo ano?
Nós temos chamado à atenção dessa necessidade, há anos, de valorizar o trabalho e os trabalhadores. O aumento dos salários não se reduz apenas à administração pública. É necessário um aumento geral dos salários, o que tem várias componentes. Uma delas é o aumento do salário mínimo nacional.
Está decidido [o salário mínimo] e o plano é para cumprir?
Não damos isso por arrumado. Naturalmente que [a questão] também se coloca na administração pública que entrará no décimo ano sem aumentos salariais. É uma matéria que o Governo tem de considerar na discussão com os sindicatos — é uma matéria de negociação coletiva. Mas nós consideramos que é uma medida essencial e podia dizer até estrutural para o bom funcionamento da administração pública. Trabalhadores que se vêm desvalorizados nos seus salários, nas suas condições de trabalho, não são trabalhadores motivados para a prestação do serviço público que tem de ser de qualidade. Por isso consideramos que essa questão tem de ser considerada.
Nos últimos anos têm dito que essa questão tem de ser considerada mas os salários da função pública não aumentaram.
É verdade.
Vai ser diferente em 2019? Ou seja, em 2019 o Orçamento do Estado não será aprovado se não houver dinheiro para aumentos salariais na função pública?
Continuaremos a discutir isso com o Governo. Essa é uma daquelas matérias em que o PCP, por si só, não pode impor uma solução. Se pudesse estava a questão resolvida. Naturalmente que há a reivindicação dos trabalhadores de tal maneira que aquilo que é impossível até uma determinada altura passa a ser possível. O PS também recusava aumentar as pensões. A nossa insistência e a luta dos reformados levaram o Governo a aceitar. Inclusivamente aceitou dois aumentos consecutivos de pensões.
Não fazemos a discussão [do Orçamento] nem na base da chantagem nem “só votamos se for assim ou chumbamos se for assado”.
Isso significa que o PCP está disponível para aprovar o Orçamento de 2019 sem aumentos salariais na função pública?
Não fazemos a discussão [do Orçamento] nem na base da chantagem nem “só votamos se for assim ou chumbamos se for assado”. Procuramos é que cada Orçamento vá tão longe quanto entendemos que é possível ir na resposta a problemas concretos dos trabalhadores e do povo. A configuração final do Orçamento não é uma matéria que dependa do PCP. Nós não damos o Orçamento como aprovado à partida como não o damos como reprovado.
Mas não têm prioridades? Não há uma linha vermelha, ou seja, o PS pode fazer o que quiser?
Há um conjunto de matérias em todas as áreas de intervenção política que o PCP assume na discussão do Orçamento. Limitar as questões nesta ou naquela matéria seria uma péssima forma de encarar as coisas. A conceção de que, a troco de uma coisa ou de outra, damos tudo o resto de barato é absolutamente oposta àquela que o PCP intervém Essa expressão das “linhas vermelhas” foi utilizada por Paulo Portas para se referir ao corte nas pensões que acabou depois por aceitar. Aceitar umas coisas a troco de outras não é de todo a forma como o PCP faz a discussão.
Mas o Orçamento tem limites financeiros. Na prática estão-se sempre a fazer escolhas. Por exemplo, para haver mais dinheiro para a Saúde não pode haver mais dinheiro para aumentos salariais, embora a Saúde seja muito salários. Mas para haver mais dinheiro para investimento em equipamentos pode não haver para aumentar salários ou para contratar mais pessoas. É essa hierarquia que queria que partilhasse connosco.
Em relação ao Orçamento de 2019 não posso adiantar essa reflexão porque ela não se iniciou ainda. A questão que está a colocar tem uma tradução no nosso posicionamento e na forma como discutimos o Orçamento do Estado. As propostas que o PCP apresenta não são apenas para alimentar a despesa. Também apresenta propostas para aumentar a receita. E até de maior justiça fiscal. Por exemplo, apresentamos uma proposta para tributar, em Portugal, os grupos económicos que criam riqueza no país e que neste momento estão na Holanda e sabe-se lá mais onde. O que não fazemos é uma operação de barganha do tipo aprovam-nos esta proposta que dá mais 300 milhões nisto e vamos gastar ali. É uma lógica de barganha orçamental em que não entramos.
Mas entre aumentar salários e reduzir impostos, o que é que escolhe?
Não aceitar esse dilema. Reduzir impostos a quem?
Estou a falar do IRS. Que aumentou significativamente em 2013 e só diminuiu através da sobretaxa.
Nós podemos reduzir o IRS a quem vive dos seus pequenos rendimentos e aumentar a quem paga menos do que devia. Vejamos as tributações autónomas. Porque é que um trabalhador que vive do seu trabalho deve estar sujeito a taxas de IRS que são no mínimo 28,5% e dividendos bolsistas pagam uma taxa liberatória de 28%?
Devíamos aumentar essa taxa liberatória?
Estou a dar este exemplo porque falar de redução de impostos em abstrato não serve para traduzir aquilo que a política fiscal deve ser. Tal como aumentar salários é uma referência muito genérica. Se tributarmos de forma mais efetiva os grandes rendimentos significa mais IRS e aumentar impostos. Mas isso é injusto do ponto de vista fiscal? Não. Pode ser mais justo se tributarmos de forma mais eficaz quem tem mais rendimentos.
Mas pode estabelecer prioridades. Qual é a prioridade, a Saúde, Pensões, Cultura?…
Todas essas matérias foram prioridade nos últimos orçamentos do Estado.
É uma opção errada: travar o investimento em nome da obsessão do défice. (…) Falou do hospital de São João, podia falar do hospital de Évora. Sabe qual foi a verba que o hospital de Évora teve durante quatro anos para recuperação de equipamento, manutenção de máquinas? Zero euros, zero euros.
Nós estamos a assistir neste momento a um drama no setor da Saúde, nomeadamente com o que se passa no hospital de São João e noutros hospitais. E não se conseguiu resolver esse problema…
É verdade. Apesar das medidas que foram tomadas, elas foram insuficientes. O Orçamento da Saúde foi o que mais cresceu nos últimos orçamentos. Ainda assim não foi suficiente para dar resposta aos problemas que existem e alguns deles acumulados. Há uma reflexão que temos feito e que vai neste sentido: mesmo que este Governo tivesse tomado medidas exatamente opostas às do anterior Governo a partir do primeiro dia do seu mandato, ia demorar muito tempo a recompor tudo aquilo que foi destruído, não apenas mas em particular naqueles quatro anos de governo do PSD e CDS. Os cortes no investimento, os cortes nos direitos das pessoas, os cortes nas pensões…
Mas o investimento público não é o mais baixo de sempre ou pelo menos abaixo do que era no tempo da troika?
Não é o mais baixo de sempre mas mais baixo do que muitos anos que vinham antes da troika. É um facto. É uma opção errada: travar o investimento em nome da obsessão do défice. É um problema seríssimo. Falou do hospital de São João, podia falar do hospital de Évora. Sabe qual foi a verba que o hospital de Évora teve durante quatro anos para recuperação de equipamento, manutenção de máquinas? Zero euros, Zero euros. O desgaste do equipamento degradou-se a um ponto nunca antes visto. O exemplo dos barcos da Transtejo. O exemplo do Metro, anos a fio sem manutenção. Este desgaste conduz a necessidades muito maiores. Essas necessidades deviam ter sido respondidas.
Foi a execução que o Governo fez [do Orçamento], nomeadamente em 2016, que conduziu a dificuldades que hoje estão à vista.
E não foram porquê?
Não foram porque na execução do Orçamento faltou dinheiro para o investimento. Foi a execução que o Governo fez, nomeadamente em 2016, que conduziu a dificuldades que hoje estão à vista. Os problemas que temos no transporte fluvial na área de Lisboa, com situações gravíssimas com embarcações a serem colocadas todas ao mesmo tempo para reparação.
E onde é que está aqui a resolução dos problemas do País? Está aqui a resolução dos problemas dos funcionários públicos e de alguns pensionistas…Dos cidadãos em geral não está.
Isso não é verdade. Um dos instrumentos que foi identificado como o que conduziu a este aperto no investimento público foi a gestão do Ministério das Finanças com as cativações. Foram tomadas medidas no último orçamento do Estado, por proposta do PCP, para que em matéria de transportes, saúde e educação, as verbas de investimento fossem libertadas de cativações.
O PCP deixou-se enganar pelo Ministério das Finanças com as cativações?
Não é uma questão de nos deixarmos enganar. Não somos nós que estamos no Ministério das Finanças a executar o Orçamento. É o Governo do Partido Socialista. Os relatórios de execução orçamental iam dando conta de quebras no investimento e nós fomos questionando o Governo. Fomos fazendo o que podíamos fazer para que isso fosse alterado. Nós não temos é força com os nossos 15 deputados perante os 86 do PS. A aritmética não dá para isso. A luta que fizeram os trabalhadores do Metro e que continuam a fazer os utentes permitiu que o Governo fosse obrigado a tomar medidas de investimento. Estou plenamente convencido que se não tivesse sido a intervenção do PCP, a luta dos trabalhadores e dos utentes, medidas como a reparação de composições não tinham sido adotadas.
O Governo do PS que quer ficar com o mérito dessa execução fica também com a responsabilidade de tudo aquilo que deixou de resolver.
Já viu que o PCP vai ficar na história como tendo assinado o menor défice público da democracia portuguesa? Estavam à espera disso?
Isso para nós não é um critério. A execução do Orçamento é da responsabilidade do Governo. O Governo do PS, que quer ficar com o mérito dessa execução, fica também com a responsabilidade de tudo aquilo que deixou de resolver.
Sem a vossa cumplicidade?
Sem a nossa cumplicidade e sem sequer a nossa concordância relativamente a tudo aquilo que fica à vista. No último debate quinzenal, o meu camarada Jerónimo de Sousa questionou o primeiro-ministro sobre a forma como o Governo executou o Orçamento de 2017. O Governo, que andou a dizer durante 2017 que não dava resposta a algumas decisões porque não havia disponibilidade orçamental, que em relação a algumas medidas não se podia ir tão longe porque não existiam condições orçamentais, chega-se ao fim do ano e há uma disponibilidade orçamental de 1400 milhões de euros que canaliza para reduzir o défice em vez de a usar para resolver problemas de hospitais, centros de saúde, contratação de pessoal, de investimento que faz falta. Então essa opção não é criticável? E fizemos essa crítica.
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Aumento salarial da função pública é uma “medida essencial” e até “estrutural”, diz João Oliveira
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