José Maria Brandão de Brito acumula funções de economista-chefe com diretor de sustentabilidade e criptoativos do BCP, preparando tanto oportunidades da retoma verde como desafios regulatórios.
As exigências da regulação financeira em relação à sustentabilidade vão começar, ainda este ano, a tornar-se mais apertadas, obrigando a banca a acelerar a adaptação. O BCP nomeou o economista-chefe, José Maria Brandão de Brito, como novo diretor de sustentabilidade e criptoativos (acumulando os dois cargos) com o objetivo de preparar esta tendência, mas também de aproveitar a onda de financiamento verde na recuperação pós-pandemia.
Em entrevista ao ECO, Brandão de Brito explica que ainda há muito trabalho a fazer pelos bancos pois todos estes processos são relativamente recentes, mas sublinha que os requisitos climáticos a que os bancos estão obrigados começam a ser mais claros e incontornáveis. Acredita que a pandemia acelerou a urgência dos critérios ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) e que a retoma traz grandes oportunidades para a banca.
Houve uma atualização do seu cargo para economista-chefe e diretor de sustentabilidade e criptoativos. Porquê esta mudança? Em que é que se concretiza nas prioridades do banco?
Eu era, e continuo a ser, o economista chefe do banco, mantenho essas funções, às quais foram adicionadas uma componente de sustentabilidade e outra de criptoativos. A componente de sustentabilidade surge porque o banco há muitos anos que tem uma preocupação em gerir a sua pegada ecológica e em ser sustentável do ponto de vista social e está muito envolvido com as comunidades das geografias onde opera. Sempre teve uma preocupação com os temas da sustentabilidade, mas fazia-o sobretudo numa ótica de organização, ou seja, o que era a projeção da instituição nestes temas de sustentabilidade.
Tornou-se fundamental acelerar todo o processo de transição climática por questões de emergência. Os riscos começam a ser óbvios e a ter impactos claros nos riscos também para a atividade económica. As projeções que se fazem — claro que a ciência tem evoluído muito, mas não consegue projetar com rigor os riscos com que nos confrontamos — são ameaçadoras e suficientemente sérias para que o mundo inteiro tenha preocupações.
Preocupações essas que se estão a refletir na regulação…
As autoridades europeias — Comissão Europeia, Banco Europeu de Investimento, Banco Central Europeu — perceberam que o sistema financeiro podia ser um agente catalisador nesta transição para um paradigma produtivo e económico mais sustentável do ponto de vista climático. Aquilo que têm vindo a fazer, com uma rapidez estonteante e com uma complexidade muito grande, é a preparar e a adotar legislação que vai, na prática e num horizonte temporal que não se prevê muito alargado, obrigar os bancos a promover essa transição perante os seus clientes.
Esta alteração de paradigma pode ser uma oportunidade importante para os bancos no sentido de atualizarem e reformularem o seu modelo de negócio. É claramente uma oportunidade porque os bancos podem criar um conjunto de produtos que seja simultaneamente potenciadora de uma transição e negócio.
Como é que os bancos estão a promover essa transição?
Como todas as atividades económicas têm necessidades de serviços financeiros e, de alguma forma, estão ligadas aos bancos, o que acontece é que os bancos têm incentivos muito fortes, especialmente incentivos negativos ao nível daquilo que é o cumprimento de regras regulamentares, de supervisão e de utilização de capital, vão ser altamente incentivados a provocar a que os seus clientes produzam essa transição climática. E será também um instrumento fundamental para financiar os instrumentos necessários.
É neste contexto que todos os bancos na UE estão a acelerar e a juntar recursos a esta tarefa. Porque tem várias implicações, nomeadamente ao nível da capacidade dos bancos de formas de definir e avaliar os riscos. São trabalhos pesados a nível de recursos humanos e informáticos portanto é preciso que alguém esteja muito focado, nos bancos e no BCP, a olhar para este tema.
Depois há o outro lado que é o das oportunidades porque esta alteração de paradigma pode ser uma oportunidade importante para os bancos no sentido de atualizarem e reformularem o seu modelo de negócio. É claramente uma oportunidade porque os bancos podem criar um conjunto de produtos que seja simultaneamente potenciadora de uma transição e negócio. É essa também uma das missões desta direção de estudos económicos, sustentabilidade e cripto: ajudar o banco a construir uma oferta que seja compatível com este desígnio da sustentabilidade.
O ESG já era algo para que estivessem a olhar. É a entrada em força nos investimentos sustentáveis?
Em termos de produto estava a falar essencialmente de produtos para as redes, de os clientes poderem financiar investimentos potenciadores desta transição. Por exemplo, no caso do retalho pode ser crédito ao consumo de automóveis elétricos ou para a instalação de painéis solares. Ao nível das empresas, todos os instrumentos necessários para dotar as empresas de tecnologias de redução da pegada ecológica. Sobre produtos de poupança e investimento, estamos a introduzir critérios de ESG na seleção dos fundos. É um trabalho que já começou a ser feito e continuará. Todos estes processos estão no início, mas que vão sofrer uma aceleração muito grande.
No ESG, qual será a sua principal função?
Por um lado, ajudar a dotar o banco dessa capacidade de identificar e quantificar os riscos climatéricos, respondendo aos requisitos do regulador. Uma segunda missão é ajudar o banco a reestruturar a sua oferta de modo a, cada vez mais, os produtos e serviços potenciem a alteração climática. É esse o objetivo do regulador e das autoridades de política económica a nível europeu e nacional. É uma oportunidade que o banco quer tirar partido.
Estamos já a falar de testes de stress com critérios climáticos?
Os testes de stress vão acontecer em 2023 e, nessa altura, os bancos, incluindo o BCP, vão precisar de ter uma infraestrutura de dados e modelos de quantificação desses riscos para avaliar qual o impacto no valor do balanço que decorra de choques, que não conhecemos ainda. A EBA [Autoridade Bancária Europeia] não anunciou ainda quais serão esses choques, mas basicamente vai-se avaliar qual é o impacto que tem do balanço de um agravamento súbito dos riscos climáticos. É uma realidade para 2023 e é uma das grandes preocupações que os bancos vão ter de ter.
Tem de fazer muito trabalho sem conhecer a regulação específica porque está tudo em processo ainda…
Está tudo em processo, sim. Mas há orientações quer do BCE [Banco Central Europeu] quer da EBA que são claras no seu propósito e vão sendo claras nos prazos, mas para as quais ainda há alguma ambiguidade na forma de operacionalizar. O nosso trabalho é um pouco esse, trabalhar sem rede e dotar o banco de um sistema para o qual ainda não há certezas sobre a sua exata configuração. É um desafio.
Apesar de faltar algum tempo e de a regulação ainda não estar finalizada, qual a primeira avaliação que faz? Os bancos e o BCP estão longe de conseguir cumprir estes critérios?
Não fizemos um estudo benchmarking, mas a ideia que temos é que o BCP está mais ou menos alinhado com a média da banca e há muito trabalho ainda por fazer, o que não é estranho porque todos estes processos são relativamente recentes. As exigências do regulador vão começar a ter alguma premência em 2021. Até agora, foram mais orientações, que fomos acompanhando, mas 2021 foi um ano de charneira e de viragem. A partir de agora, os requisitos climáticos a que os bancos estão obrigados começam a ser mais claros e incontornáveis.
Se alguma coisa, a pandemia acelerou a urgência [do ESG]. Desse ponto de vista diria que é positivo para os bancos porque criou este sentido de urgência que obriga as estruturas dos bancos a mexerem-se mais rápido nesta direção, mas também porque vejo esta questão como uma grande oportunidade.
Portanto torna-se sério numa altura em que os bancos estão a lidar com fim das moratórias e com uma pandemia. Como é que tudo isto se coaduna?
São temas diferentes. Ao contrário do que possa ter acontecido na crise passada, desta vez os bancos fizeram claramente parte da solução e não do problema. Portanto, o que vimos foi uma resposta muito rápida e o BCP destacou-se pela positiva com as linhas Covid e a fazer chegar liquidez às empresas, mas também às famílias com as moratórias. Esse foi um processo virtuoso para os clientes, mas também acabou por ser bom para os bancos porque conseguiram manter a qualidade creditícia dos clientes.
Perante a fortíssima recessão, a condição financeira da generalidade das empresas e famílias não se terá agravado na mesma proporção que na crise passada. Isso é muito positivo. A relação disso com o ESG é que, se alguma coisa, a pandemia acelerou a urgência. Desse ponto de vista diria que é positivo para os bancos porque criou este sentido de urgência que obriga as estruturas dos bancos a mexerem-se mais rápido nesta direção, mas também porque vejo esta questão como uma grande oportunidade.
É muito complexo do ponto de vista do que vai ser acomodar as exigências regulamentares, mas é também uma grande oportunidade porque a transição não se faz sozinha. A Comissão Europeia tem estimativas de biliões de investimentos que serão precisos até 2030 para cumprir o primeiro marco dos objetivos do pacto económico da UE. Só para chegar ao primeiro marco — nem estamos a falar da neutralidade carbónica em 2050 — vão ser precisos muitos montantes de investimento e uma grande parte vai ser financiado pela banca. Claramente é uma grande oportunidade.
E as restantes áreas? Como se unem estudos económicos com sustentabilidade e cripto?
O principal fator é o BCE. É o promotor claro das políticas de sustentabilidade diretamente e enquanto regulador do sistema bancário. Será o autor do euro digital, se se vier a concretizar. E a principal atribuição do economista-chefe de um banco é olhar para a política monetária, ou seja, para o BCE. Há outras vias. Para termos neutralidade e cumprirmos os objetivos climatéricos da Europa — e não tenho dúvidas de que vamos — é preciso um investimento brutal. Não tenho dúvidas nenhumas de que o investimento sustentável será o principal fator de crescimento e desenvolvimento económico das próximas três décadas, na Europa e em Portugal. Na medida em que se possa aumentar a eficiência e tokenizar ativos relacionados com sustentabilidade, o cripto casa lindamente.
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BCP já está a “quantificar riscos climatéricos” para testes de stress de 2023. “Há muito trabalho ainda por fazer”
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