Bernardo Correia, country manager da Google em Portugal, defende que "o tecido económico tem de acordar e perceber que temos de estar na crista da onda". Aposta no talento e inovação são cruciais.
“Portugal já está atrasado no que toca ao resto das vagas de inovação tecnológica que têm acontecido, cada vez com mais velocidade”, alerta Bernardo Correia, diretor-geral da Google. Um erro que o país não pode repetir com a inteligência artificial generativa.
Um estudo elaborado pela consultora Implement Counsulting Group para a Google calcula que a generalização da inteligência artificial generativa poderá aumentar o PIB português em 8%, em linha com a União Europeia. Mas, caso Portugal se atrase, o impacto desce para apenas 2%.
Bernardo Correia salienta, em entrevista ao ECO, que “Portugal precisa de ter uma estratégia para a inteligência artificial transversal ao setor público e privado” e de fazê-lo “com urgência”. Aposta no talento e inovação são essenciais.
O estudo elaborado para a Google aponta que a inteligência artificial generativa, por si só, poderia impulsionar o PIB de Portugal continental em 18 a 22 mil milhões. Já estão a ser dados os passos necessários para agarrar esta oportunidade?
Uma das coisas que o estudo nos diz é que há dois tipos de motores de adoção da inteligência artificial, os mais fundacionais e outros mais avançados. Nos fundacionais, os drivers básicos de adoção da inteligência artificial, Portugal está relativamente bem posicionado. Estamos a falar, por exemplo, do ambiente operacional e regulatório, da infraestrutura de computação que já existe em Portugal e de comunicações, do sistema educativo, etc, em que estamos relativamente bem posicionados e não muito longe do líder europeu, que é a Dinamarca.
Onde é que temos lacunas?
Temos áreas em que temos de fazer muito mais e muito mais depressa. A primeira e mais premente é disponibilização de talento. A capacidade que temos de encontrar talentos suficientes em Portugal e de requalificar talento suficiente para poder aproveitar ao máximo esta revolução.
Em Portugal temos vindo a licenciar cada vez mais pessoas nas áreas científicas e matemáticas. Portugal está mesmo acima da média da União Europeia. Isso não é suficiente? É preciso formação mais específica em inteligência artificial?
Isso mesmo. Nem toda a gente tem de ser formada em inteligência artificial. Como costumo dizer, ninguém precisa de ser formado em motores de combustão interna para conduzir um carro. Mas para termos em Portugal um ecossistema de inovação coeso e competitivo de inteligência artificial é preciso haver uma massa crítica de talento formada em inteligência artificial, com muito mais celeridade.
É preciso investir também na capacidade de termos um sistema académico que produza inovação e que trabalhe com as empresas para trazer essa inovação para o mercado. Apesar de termos um ambiente económico e político relativamente estável — vamos lá ver [o que se passa] com o Orçamento — precisamos de políticas que apoiem investimentos em infraestruturas de inteligência artificial, em inovação. Precisamos de estratégias económicas que prioritizem a adoção de soluções de inteligência artificial e de continuar a ver uma regulação inteligente que, simultaneamente, mitigue os danos potenciais da inteligência artificial e resista a alguns instintos protecionistas que poderiam levar ao alargamento das desigualdades tecnológicas e a limitar os benefícios da inteligência artificial.
Portugal precisa de ter uma estratégia para a inteligência artificial transversal ao setor público e privado e que, se calhar, até hoje, não havendo uma quantificação dos benefícios, também não havia uma urgência grande nessa estratégia.
As entidades públicas, nomeadamente o Governo, estão suficientemente alerta e sensibilizadas quer para este potencial quer para aquilo que é necessário fazer para o capturar? Lembro-me, por exemplo, que o Programa Acelerar a Economia que foi apresentado pelo Governo, com 60 medidas, não tem nada específico em relação à inteligência artificial.
Uma das coisas que pretendemos fazer com este estudo é dar esse alerta da necessidade de termos uma estratégia nacional para a inteligência artificial, as políticas públicas, o investimento nas pessoas, na infraestrutura, etc. Essa estratégia precisa de acontecer rapidamente. Portugal precisa de ter uma estratégia para a inteligência artificial transversal ao setor público e privado e que, se calhar, até hoje, não havendo uma quantificação dos benefícios, também não havia uma urgência grande nessa estratégia. Quero acreditar que uma das coisas que este estudo pode fazer é fornecer dados suficientes para demonstrar a urgência da necessidade dessa mesma estratégia.
Tem que ser uma prioridade das políticas públicas.
Tem de ser uma prioridade urgente das políticas públicas a nível europeu.
Quais são as dificuldades que as empresas ainda têm na adoção da inteligência artificial. É o custo da implementação destas tecnologias? Quais são aqui os entraves que são necessários superar para as empresas terem uma adoção mais rápida?
Parar responder a essa pergunta temos de olhar um bocadinho mais para trás, porque Portugal já está atrasado no que toca ao resto das vagas de inovação tecnológica que têm acontecido, cada vez com mais velocidade. Por exemplo, a revolução do comércio eletrónico. O peso do comércio eletrónico no total do retalho em Portugal é apenas ainda de 9%. Se olharmos para países como a China ou o Reino Unido, estão nos 20% e 30%. Ainda temos um caminho longo a percorrer até nas revoluções anteriores. Uma das coisas que temos de fazer é consciencializar o tecido económico português da necessidade de adoção muito mais rápida destas ferramentas. Como Portugal é o um país de PME, implica trabalhar através dos organismos para fazer esse esforço mais rapidamente.
O tecido económico tem de acordar e perceber que temos de estar na crista da onda, se queremos internacionalizar e criar melhores empresas e grandes empresas em Portugal, com capacidade de lutar nos mercados internacionais.
Até porque a inteligência artificial será um fator de competitividade externa.
É muito importante termos consciência aqui em Portugal, e isso tem sido um bloqueio grande, é que a IA pode ser um potenciador da internacionalização. Se conseguirmos automatizar com mais celeridade, conseguimos competir com empresas que têm muito mais escala. Agora é preciso, mais uma vez, ter essa consciência de querer internacionalizar rapidamente, utilizando a automatização e a inteligência artificial. Se não o fizermos, os outros fazem e por isso ficamos menos competitivos. O tecido económico tem de acordar e perceber que temos de estar na crista da onda, se queremos internacionalizar e criar melhores empresas e grandes empresas em Portugal, com capacidade de lutar nos mercados internacionais. Para o fazer, é agora.
Devia-se ter aproveitado o PRR para ser já mais ambicioso nesta área da inteligência artificial?
Não tenho bem ideia dos valores e não quero estar a fazer comparações. Mas seja PRR ou outro mecanismo qualquer que exista na economia, é óbvio que em Portugal, temos de encontrar mecanismos de política pública que acelerem a adoção destas tecnologias. É importantíssimo e vital conseguir capturar este tipo de aumentos de produtividade potencial.
Quando se fala de inteligência artificial, fala-se quase sempre também de regulação. Claro que muita da nossa legislação vem da União Europeia, mas às vezes a forma como essa legislação é transposta também conta muito. Que abordagem Portugal devia ter?
Só estabelecer que somos genericamente a favor da regulação da inteligência artificial. O nosso CEO costumava dizer que a inteligência artificial é demasiado importante para não ser regulada, mas é também, ao mesmo tempo demasiado importante para ser mal regulada. Temos de saber mitigar qualquer risco, mas temos de saber capturar a oportunidade económica. Nesse equilíbrio é que está o segredo de fazermos isto como deve ser.
Qual a visão em relação à diretiva da Inteligência Artificial (AI Act)?
Apoiamos genericamente também o AI Act, que tem uma abordagem baseada em risco. Aplicações com relativamente poucos riscos têm um enquadramento regulatório mais ligeiro. Aplicações com mais risco, por exemplo, no setor da saúde, têm um enquadramento mais complexo. Agora, obviamente, a aplicação destes regulamentos e a forma como vão ser observados aqui em Portugal é muito importante. É a diferença entre conseguirmos ou não ter um ambiente académico de investigação e desenvolvimento na área da saúde que seja competitivo, para que os investigadores de inteligência artificial aqui em Portugal possam de facto estudar a inteligência artificial sem ter um espartilho de governança que os impeça de fazer esse trabalho. Aqui o grande alerta é qual vai ser a entidade reguladora? Como é que o vai fazer e como é que equilibra a inovação e a competitividade com a mitigação dos riscos?
O impacto é essencialmente neutro, ou seja, os empregos que vão ser disrompidos pela inteligência artificial generativa podem ser compensados por empregos por ela gerados.
O impacto no mercado de trabalho é uma das questões sensíveis no que toca ao impacto da IA. Os postos de trabalho que se irão perder serão compensados por outros?
O que o estudo indica é que em termos de mercado de trabalho o impacto é essencialmente neutro, ou seja, os empregos que vão ser disrompidos pela inteligência generativa podem ser compensados por empregos gerados pela inteligência artificial. Vão aparecer novos empregos dentro das áreas económicas que ainda hoje são nascentes ou na própria área da inteligência artificial que compensem, em termos líquidos, a perda de empregos noutros setores de atividade. Em geral, o impacto no emprego será neutro ao longo do tempo.
Será necessário fazer o tal reskilling das pessoas com profissões ou tarefas que se tornam redundantes.
Se não fizermos o reskilling, se nos atrasarmos nisso, se não tivermos uma estratégia nacional competitiva para a inteligência artificial que faça a requalificação dos quadros das empresas…
… Podemos ter um problema social.
Podemos ter um problema social grave se não começarmos a pensar nisso, hoje.
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