“Cada vez mais, as instituições do ensino superior têm de estar conectadas com as empresas”

Reeleita como presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, Maria José Fernandes frisa que é preciso aproximar mais o ensino do mercado, a bem dos alunos e da economia.

Há uma lista de revindicações dos politécnicos à espera do novo Governo, a começar pelo financiamento e pela ação social. Em entrevista ao ECO, Maria José Fernandes – que recentemente foi reeleita como presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superior Politécnicos – reconhece que os últimos anos, com o PS no poder, houve algum trabalho a ser feito, mas frisa que é preciso mais. E já sabe o que levará para a negociação com o próximo Executivo.

A também presidente do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA) revela ainda a sua visão, quanto ao modo como o ensino superior deve evoluir: deve aproximar-se ainda mais das empresas e da sociedade, a bem da empregabilidade dos alunos, mas também do sucesso das empresas.

Ao ECO, Maria José Fernandes fala ainda sobre a emigração de profissionais qualificados, deixando claro que, sobretudo, é preciso melhorar as condições de vida e os salários, já que, afirma, o patriotismo nunca encheu frigoríficos, nem pagou as contas.

Estamos todos de acordo, quer universidades, quer politécnicos, que é preciso mais financiamento para o ensino superior.

Maria José Fernandes

presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos

Acaba de ser reeleita presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos. Que retrato traça do ensino politécnico hoje?

Estamos num período de mudança de orientação política e, naturalmente, temos algumas expectativas relativamente àquilo que será o quadro, mas damos por garantido que o ensino superior continuará a fazer o seu caminho. As instituições politécnicas, ao longo dos últimos – fruto do crescimento, da consolidação e da afirmação que têm tido no cumprimento da missão que têm nos territórios onde estão inseridas – desempenharam um papel fundamental. Sabemos que as pessoas são mais felizes e conseguem melhorar a sua condição de vida, se forem qualificadas. Portanto, temos de continuar a fazer este percurso, que é a qualificação dos portugueses.

Falou no ciclo político. Que mudanças espera do novo Governo?

Temos um conjunto de reivindicações, que já tínhamos discutido com a atual equipa ministerial. Falamos, por exemplo, na questão do financiamento. Estamos todos de acordo, quer universidades, quer politécnicos, que é preciso mais financiamento para o ensino superior. Falamos também da questão da ação social. Sabemos que há muitas dificuldades por parte das famílias, também muito fruto das condições atuais, nomeadamente a habitação. Sabemos que há muitas camas a serem produzidas e algumas já estão disponíveis para os estudantes, mas ainda são insuficientes.

Quando fala em financiamento, é apenas uma questão de reforço do orçamento?

Há também a questão da fórmula de financiamento. A fórmula mudou agora em 2024. É uma fórmula que tem virtualidades – reconhecemos isso –, mas tem alguns pontos com os quais não concordamos em concreto.

Quais?

Por exemplo, os ponderadores. É uma fórmula que tem como principal foco o número de estudantes. O peso do estudante em função da sua área é diferente, se estiver a estudar num politécnico ou numa universidade. Um aluno de gestão tem um peso maior no universitário que no politécnico. Há ponderadores diferentes. De todo que concordamos com isto. É uma das coisas que no Orçamento do Estado para 2025 vamos tentar alterar. Outros dos pontos do financiamento, é que os institutos politécnicos têm uma capilaridade enorme e estão também em regiões com menos estudantes.

Foi feito um caminho, nos últimos anos, muito positivo nalguns aspetos. Há questões ainda a melhorar. Sobretudo, esta questão do financiamento é de facto uma questão muito pertinente.

Maria José Fernandes

presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos

De que modo é que isso afeta o financiamento?

Essa realidade deveria, de alguma forma, ter sido acautelada, com algum ponderador. No Porto, ter turmas de 50 ou 60 alunos… Já numa região do interior, se calhar o politécnico não consegue, e o professor tem de ser pago na mesma. E as receitas que as instituições [por exemplo, do Porto] conseguem por via das propinas são muito maiores. Entendemos que deveria ter sido acautelada esta questão. Outra questão que nos preocupa muito em relação ao financiamento tem que ver com os cursos de curta duração (TeSP).

Mas o financiamento desses cursos é diferente dos demais cursos?

Tivemos um ano já muito complicado, em termos de financiamento. É reconhecida pelas famílias, pelas empresas e pelos territórios a importância destes cursos, sobretudo na qualificação dos jovens e na resposta às necessidades das empresas. São cursos muito alinhados com as necessidades das empresas e dos territórios. Nos últimos quatro anos, as coisas começaram a ficar mais complicadas.

Os programas regionais não têm financiamento suficiente. No Norte, o que temos fica muito aquém. É um dos problemas mais prioritários. Queremos fazer a formação. As empresas precisam que formemos os estudantes. É uma das coisas que temos de facto de resolver urgentemente.

Mas está otimista em relação ao novo Governo, no que diz respeito ao financiamento?

Não tenho perceção ainda sobre isso. Entendemos que qualquer Governo reconhece a importância do ensino superior. Temos a geração mais qualificada de sempre. Há um conjunto de indicadores muito positivos. Temos expectativas de que se continue a apostar nesta área. Foi feito um caminho, nos últimos anos, muito positivo nalguns aspetos. Há questões ainda a melhorar. Sobretudo, esta questão do financiamento é de facto uma questão muito pertinente. Precisamos de atribuir mais verbas ao ensino superior.

Disse que as empresas precisam que o ensino superior qualifique trabalhadores. Fala-se muito em escassez de profissionais adequados. É um resultado do ensino superior não estar a formar os trabalhadores necessários?

O problema também é o inverno demográfico que o país atravessa. Precisamos de mais pessoas para formar. Em 2015, havia 120 mil jovens com 18 anos e que eram candidatos ao ensino superior. Este montante vai reduzir muito. Vamos para os 85 mil.

Mas há ou não um desalinhamento entre as necessidades das empresas e a formação que está a ser dada no ensino superior?

Não. Repare. Se falarmos em médicos, há poucos médicos. É preciso formar mais médicos. Se falarmos em professores, sabemos que há uma escassez muito grande. Mas isto também tem que ver com problemas estruturais do país. Por exemplo, no caso dos professores, tem que ver com a dignificação e o reconhecimento da profissão. É um problema grave que acho que este Governo vai ter de resolver, que é a dignificação da profissão de professor, porque muitos jovens não escolhem ser professores.

Mas, numa entrevista, um dos responsáveis do Pro_Mov (um programa de requalificação dos trabalhadores portugueses) dizia que Portugal não faz um bom planeamento da sua força de trabalho. Reconhece esse problema ou acha que a questão é mesmo a falta de mãos?

Se calhar, são as duas coisas, mas os TeSP vieram ajudar a resolver isto. No IPCA, temos só em TeSP cerca de 2.500 alunos. Foram para estágio agora quase 900, e temos uma lista de empresas que querem alunos para estágio. A taxa de empregabilidade é de 100%. São cursos muito alinhados com as empresas. Em dois anos, o aluno fica preparado para uma determinada profissão.

A nossa oferta formativa, tirando os cursos clássicos, tem de estar sempre alinhada com aquilo que o mercado pode absorver.

Maria José Fernandes

presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos

E nas licenciaturas?

Nas licenciaturas, cada vez mais sentimos que temos de ouvir a região e a comunidade sobre que formação é precisa. Cada vez mais, as instituições do ensino superior têm de estar mais conectadas com a sociedade, com as empresas, com as organizações públicas e privadas, porque temos de responder àquilo que é preciso. Este ajustamento é muito saudável. A nossa oferta formativa, tirando os cursos clássicos, tem de estar sempre alinhada com aquilo que o mercado pode absorver.

Como é que se fomenta essa ponte entre o mercado e a academia?

Temos conselhos consultivos. Temos imensos projetos em copromoção. Desta relação é que nasce [a ponte]. Por exemplo, o IPCA ouve as empresas e os ex-estudantes para perceber se aquele curso está a ir ao encontro ao que é necessário.

Há laços, mas é preciso reforçá-los. É isso?

Sim. Quando me formei em 1992, o curso estava feito e era aquilo. Hoje mesmo as universidades mais clássicas também já têm a necessidade de estar permanentemente a olhar para o exterior e a perceber o que é que faz falta ao mercado.

Quando falamos em ensino politécnico, falamos muito em ensino de proximidade e em ensino de cariz mais prático.

Maria José Fernandes

presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos

Como é que compara o ensino politécnico com o ensino universitário?

Defendemos o sistema binário, com o ensino universitário e politécnico com missões diferentes. É tão importante ter um politécnico na Guarda, em Viseu, em Portalegre ou em Beja. São territórios de menor densidade populacional, mas o impacto que os politécnicos têm nessas regiões é fundamental. O que seriam estas regiões sem uma instituição do ensino superior? Quando falamos em ensino politécnico, falamos muito em ensino de proximidade e em ensino de cariz mais prático.

Sente que, por causa desse cariz mais prático, há ainda algum estigma relativamente ao ensino politécnico, no mercado de trabalho?

Já há algum reconhecimento por parte da sociedade. Mas a questão da designação é muito importante. Toda a gente sabe o que é uma universidade. A palavra instituto, na nossa perceção, também fragiliza aquilo que é a nossa afirmação. Por isso, batemo-nos muito por esta alteração para universidades politécnicas. Temos excelentes pessoas que se formaram no politécnico e a perceção é muito diferente do que aquela que havia há uns anos. Havia a ideia de que quem ia para o politécnico era quase quem vinha do profissional. E o melhor aluno que entrou aqui no IPCA é um aluno que entrou por concurso nacional, mas que vem de uma escola profissional.

Há um investimento nas pessoas. Temos é de tentar reter essas pessoas. Acho que sobretudo tem de haver melhores condições de vida e de haver menos impostos. O patriotismo não paga contas.

Maria José Fernandes

presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos

Falou há pouco na geração mais qualificada de sempre. Portugal tem investido na formação de jovens, mas estes estão a sair do país. Como podemos travar essa fuga? Valia a pena pensar numa espécie de período de fidelização?

Acho que o país tem de refletir sobre isto. Há um investimento nas pessoas. Temos é de tentar reter essas pessoas. Como é que isto se faz? Só se faz com melhores salários. Acho que sobretudo tem de haver melhores condições de vida e de haver menos impostos. O patriotismo não paga contas, não enche o frigorífico.

Referiu que é preciso dignificar a profissão de docente. Que condições é que encontram os professores quando chegam ao ensino politécnico? O que é que é preciso mudar?

É preciso uma revisão profunda da carreira. Temos uma carreira universitária e temos uma carreira politécnica. O que defendemos é que tenhamos uma revisão da carreira com paralelismo, quase uma carreira única para os professores do ensino superior. Outro ponto são os salários. Temos de olhar para isto no próximo Governo. As reivindicações vão ser muitas.

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