Em 1999, Sara M. Rodrigues, associada da FCB Advogados, começou a dedicar-se ao universo académico na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Sara M. Rodrigues, associada coordenadora do departamento de Concorrência e da União Europeia da FCB Advogados desde 2020, começou a dar aulas assim que terminou o curso, em 1999. Desde 2016 que se dedica ininterruptamente ao universo académico na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
A associada tem uma vasta experiência em Direito da Concorrência e esteve envolvida em alguns dos mais complexos processos de práticas da Autoridade da Concorrência. Tem também grande experiência nas áreas do Direito Contraordenacional, Processo Penal e Penal, incluindo contencioso.
Quando começou a dar aulas?
Comecei no ano letivo 1999/2000, como monitora, assim que terminei o curso. E leciono ininterruptamente desde 2016.
O que pesou para essa decisão de lecionar?
Sempre gostei de ensinar. Desde o ensino secundário, e depois na faculdade, sempre fui dando explicações, e acho que tenho vocação para o ensino. Sempre tive esse “bichinho”.
Em que faculdades dá aulas?
Na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e, mais recentemente, na Faculdade de Letras da mesma Universidade.
Os alunos são incríveis, têm uma enorme capacidade de adaptação, e nós docentes temos de os acompanhar.
O que diferencia um aluno de direito face aos de há uma década?
Julgo que, por um lado, atualmente os alunos têm menos temor reverencial pelos docentes e arrogam-se mais direitos. Por outro lado, são mais informados e têm, no geral, um espírito mais crítico, o que dinamiza muito as aulas.
O que tenta passar como mensagem principal do que é o direito?
Tento combater a ideia de que o Direito é algo muito abstrato, só de “marranço”. Os juristas, em qualquer vertente, têm de ter um espírito muito prático, saber aplicar a lei aos casos concretos e solucionar problemas reais.
E faço questão de passar duas mensagens mais gerais aos meus alunos: a primeira é que têm o direito, que na verdade também é um dever, de pensar. Ou seja, transmito-lhes que, desde que fundamentada, qualquer opinião é válida, independentemente de poderem existir eminentes defensores da posição contrária. É com o arrojo de novas ideias, desde que juridicamente fundamentadas, que a ciência jurídica progride.
A segunda mensagem, e nisto tenho tolerância zero, é que não é admissível não saberem escrever português. Digo-lhes sempre que têm de pensar que daqui a um par de anos estão a fazer leis, ou a condenar alguém a 20 anos de prisão, ou a defender que um pai ou uma mãe nunca mais poderá ver os filhos, e não é aceitável que o façam com erros.
O Direito é uma área em que o grande investimento são os livros.
Se tivesse de escolher: professor/a universitário/a ou advogado/a no escritório?
Neste momento, não consigo fazer essa escolha. São duas atividades que se complementam e que eu adoro. Gosto mesmo muito de ensinar, mas não me imagino neste momento só a lecionar. Preciso da parte prática, de estar no terreno, de ser confrontada com os tais casos reais e ter a possibilidade de aplicar a lei diariamente.
O que lhe ‘rouba’ mais tempo?
Entre ambas as atividades, tento que haja um equilíbrio, nunca prejudicando uma em função da outra.
No ensino, o que me ocupa mais tempo é a avaliação e a preparação de novas disciplinas. Mesmo relativamente às disciplinas que já leciono há vários anos, tenho sempre uma preocupação constante de atualização, de resolução de novos casos práticos, etc.
Os cursos melhoraram com Bolonha?
Talvez os 5 anos do curso pré-Bolonha permitissem que se chegasse a jurista com maior maturidade; é uma profissão exigente (em qualquer uma das suas vertentes) e a que faz falta “ter mundo”.
Mas, com Bolonha, passou a existir um maior leque de disciplinas optativas, o que é bom. No curso de Direito, por exemplo, a oferta é a mesma, ou ainda mais ampla, mas nem todos os alunos têm todas as disciplinas. Começam mais cedo a afunilar, a especializar-se, o que é positivo.
E como avalia os cursos em Portugal?
Há Faculdades muito boas em Portugal, que preparam os seus alunos ao nível das melhores da Europa e do mundo. Talvez tenha de se vencer esse preconceito, mesmo no mundo laboral, de, por exemplo, se considerar que tem melhor curriculum o aluno que estudou no estrangeiro. Tudo depende da Faculdade que frequentou (lá fora ou cá dentro) e do respetivo desempenho.
Tento combater a ideia de que o Direito é algo muito abstrato, só de “marranço”.
Há universidades que ensinam direito que deveriam fechar por falta de qualidade?
Não tenho elementos nem competência para responder a esta questão. Há muitos critérios e parâmetros a ter em conta e quero acreditar que as autoridades farão um adequado controlo técnico, científico e pedagógico de cada instituição.
Prefiro realçar que há de facto algumas Universidades de excelência, onde se inclui a FDUL, que preparam cabalmente os seus alunos, em termos técnicos, científicos e morais para a sua vida académica e profissional.
O Estado investe pouco no ensino universitário?
Em termos de apoios sociais julgo que investirá, embora também não esteja totalmente a par. Soube, por exemplo, e achei interessante, que desde que estamos nesta pandemia a Universidade de Lisboa disponibilizou consultas de psicologia a toda a comunidade académica.
No geral, o Direito é uma área em que – diferentemente do que sucede, por exemplo, com Medicina ou Química, em que as Universidades têm de investir em muitos e dispendiosos equipamentos e estruturas – o grande investimento são os livros. Os livros técnicos são mesmo muito caros, e é um investimento que fica a cargo de docentes e alunos.
De que forma as suas ‘skills‘ como professor ajudam no exercício da advocacia?
Ter uma atividade docente, além de nos obrigar a estar permanentemente atualizados, obriga-nos a ter um pensamento claro, a ter uma grande preocupação se a mensagem passa e de que forma passa. E isso torna-nos melhores advogados na medida em que nos faz ter uma preocupação contínua de aperfeiçoamento e de expor de forma clara, fundamentada e convincente os nossos pontos de vista.
Estamos ainda com demasiados licenciados em direito?
Acho que não. E, principalmente, a partir do momento em que se entenda que o curso de Direito tem imensas valias e saídas profissionais, muito para além da advocacia ou da magistratura. Um bom raciocínio jurídico faz falta em qualquer empresa ou instituição.
A universidade funciona também como forma de recrutar os melhores alunos para o seu escritório?
As Universidades são, entre outras, uma forma de recrutar recém-licenciados que, embora ainda não tendo experiência, já tenham demonstrado sólidos conhecimentos jurídicos e a tal capacidade de pensar de que falava há pouco.
E ensinar em plena pandemia? Como descreve a experiência?
A palavra-chave é a adaptação. Os alunos são incríveis, têm uma enorme capacidade de adaptação, e nós docentes temos de os acompanhar. Do meu ponto de vista pessoal, ensinar presencialmente, mas com máscaras, torna o ensino ainda mais impessoal do que o zoom.
Mas com empenho tudo se ultrapassa. Temos de nos adaptar, de criar novos mecanismos de dinamização das aulas e acreditar que em breve regressaremos ao “normal de antigamente”.
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Como é ser advogado versus professor universitário? “Um bom raciocínio jurídico faz falta em qualquer empresa ou instituição”, diz Sara M. Rodrigues
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