“Empresários em Portugal são autênticos heróis ao conseguirem navegar nesta instabilidade legislativa”

Daniel Correia, diretor de real estate do grupo United Investments Portugal, critica as constantes mudanças de regras que afetam a "confiança" dos operadores e afastam investidores internacionais.

Em entrevista ao ECO, o diretor de real estate do grupo United Investments Portugal (UIP), Daniel Correia, reclama que os “empresários em Portugal são autênticos heróis ao conseguirem navegar nesta instabilidade legislativa”. Crítico das alterações legislativas mais recentes, o gestor destaca que o “programa Mais Habitação teve muito impacto na confiança dos investidores”.

Apesar de o Governo ter decretado o fim de novos vistos gold, Daniel Correia conta que a UIP “não desistiu de nenhum investimento” por causa desta medida. O grupo, que integra o Al-Bahar Investment Group, é proprietário do Pine Cliffs Resort, do Sheraton Cascais Resort, do Hyatt Regency Lisboa, da Quinta Marques Gomes (Gaia), do Yotel Porto e do algarvio Vale do Freixo.

Como classifica a performance do grupo UIP no mercado do imobiliário de luxo em Portugal?

Muito positiva. Temos sido recompensados pela qualidade, pela posição e pela seriedade que temos no mercado. As vendas continuam a ocorrer, o mercado continua a funcionar muito bem. No ano passado fizemos novamente um recorde em termos de volume de vendas, com mais de 100 milhões de euros em unidades transacionadas. É recompensador, no sentido em que temos cada vez mais proprietários que, além do investimento inicial do apartamento ou da moradia que compraram, acabaram por comprar mais unidades. Temos proprietários com unidades em mais do que um dos nossos empreendimentos, recompensam com lealdade ao entrar nos projetos novos que a UIP apresenta. São dos primeiros investidores a participar nesse mesmo investimento.

Tem corrido muito bem, mas obviamente temos de nos ir adaptando, consoante as coisas vão evoluindo, seja por questões financeiras, como o incremento das taxas de juro, seja pelas políticas do Mais Habitação, que tiveram muito impacto no decurso deste ano. Não necessariamente pela falta de confiança nos produtos, mas pela falta de confiança dos investidores do que pode acontecer. Infelizmente, tivemos oito meses na incerteza, com muita discussão pública, com afirmações muitas vezes contraditórias, o que abala a confiança dos investidores.

Não focamos o nosso produto nos vistos gold, longe disso. Vendemos um produto para lifestyle e para investimento. Obviamente que os vistos gold faziam parte dessa motivação para alguns compradores, mas não é o nosso foco.

Não desistiram de nenhum investimento por causa do fim dos vistos gold?

Não desistimos de nenhum investimento por causa do fim dos vistos gold. Não é esse o nosso foco. Obviamente, continuamos ativos no mercado à procura de novas oportunidades para fazer novos investimentos. Houve uma redução por parte de investidores que estavam à procura de produtos golden visa, mas isso não vai vai afetar necessariamente a nossa estratégia para o futuro.

O mercado está muito quente, há muita procura, muitos players no mercado, especialmente grandes fundos que têm outro tipo de capacidade para fazer esse tipo de investimento a pagar valores premium, que entendemos não serem os reais para os produtos em que estamos interessados ou que estivemos a analisar. De qualquer forma, continuamos ativos no mercado, continuamos à procura de novas oportunidades e novos investimentos, continuamos a desenvolver os nossos projetos como até agora. Continuamos a comercializar os nossos imóveis, continuamos a ter compradores interessados.

A inflação, as taxas de juro e o programa Mais Habitação são os principais constrangimentos?

O principal constrangimento é mesmo o pacote Mais Habitação. A inflação está à vista no incremento nos custos das matérias-primas, no custo de construção. Assistimos a aumentos de 50% nos últimos 18 meses. Em todos os projetos, o mercado nacional sempre foi muito importante. Em todos encontra muitos proprietários portugueses. O mercado português continua a procura do imobiliário como um ativo de segurança, um ativo de refúgio que lhe permite garantir o investimento, o seu valor, o obter rentabilidade e algum usufruto.

Globalmente, o mercado português representa entre 30 a 40% de todas as unidades que comercializamos dentro do grupo. Depois, os clientes estrangeiros são do Médio Oriente, da Ásia e do mercado inglês. Vão mudando. Há dez anos, os mercados principais era Inglaterra e Irlanda; hoje em dia já mudou muito. Temos clientes que vão desde a Austrália até Macau.

Encontra mais dificuldades em Portugal ou no estrangeiro, ao nível dos investimentos e da sua execução?

Cada país tem os seus desafios. Portugal tem um desafio acrescido que é a instabilidade. Há uma falta de continuidade de políticas para que possamos fazer estratégias a médio e longo prazo. Somos obrigados a ter de nos adaptar muito rapidamente — e numa estratégia de um grupo grande, como o nosso, é complicado.

Entre definir e encontrar o projeto para fazer o investimento, dar o primeiro passo, fazer o licenciamento, fazer a construção, ter tudo concluído e pronto a ir para o mercado, podemos ter um desfasamento temporal entre 36 a 48 meses, três a quatro anos. Se estamos constantemente a ter alterações legislativas e alterações que têm impactos significativos neste tipo de projetos, é muito complicado.

Portugal tem um desafio acrescido que é a instabilidade. Há uma falta de continuidade de políticas para que possamos fazer estratégias a médio e longo prazo.

Daniel Correia

Diretor de real estate do grupo United Investments Portugal

Na questão dos vistos gold, houve grupos que fizeram investimentos única e exclusivamente [para eles], com uma legislação que tinha sido alterada em 2021, com efeitos a 1 de janeiro de 2022. Passados 18 meses é revogado, ou seja, quem começou a fazer investimentos em 2020/2021 para chegar a 2024 e ter um projeto feito para um segmento, acaba por ficar com as expectativas totalmente defraudadas.

O mesmo se passa com investimentos que estavam a ser programados e a serem feitos em zonas de reabilitação urbana, onde se poderia ter IVA a 6% — e agora é falado que poderá acabar para nova construção em zonas de reabilitação urbana, o que era permitido até agora. Isto tem impactos significativos porque fazes um projeto a contar com uma taxa e a meio do projeto estás sujeito a encarar um custo adicional de mais 17%, só porque houve uma alteração legislativa.

Todas estas situações fazem com que Portugal seja altamente desafiante. Os empresários em Portugal são autênticos heróis ao conseguirem navegar nestas condições. Comparativamente a outras jurisdições de outros países, temos de conseguir adaptar-nos e mudar estratégias rapidamente para conseguir fazer os nossos negócios prosperarem. Algo que noutros países não acontece.

Portugal é um país mais instável e desafiante para investir?

Tem sido mais desafiante e mais instável para investir. Além de manter o foco em Portugal, a UIP está cada vez mais a olhar para destinos internacionais porque estas dificuldades em fazer investimentos e ter estratégias estáveis a médio e longo prazo, fazem-nos procurar alternativas. O grupo UIP vai continuar a crescer, seja em Portugal ou fora, mas gostaríamos de crescer mais em Portugal.

As forças políticas, em vez de procurarem a discussão banal, deviam procurar um pacto que desse estabilidade aos investidores em Portugal. É um dos fatores que falta e que atualmente tem sido um grande défice. Olhar para Portugal e pensar o que queremos para este país, seja um bocadinho mais à direita ou à esquerda, mas haver um consenso em termos alargados sobre onde e como queremos ir. Estarmos constantemente nesta situação de ‘altera taxa, muda legislações, faz isto, faz aquilo’ é altamente prejudicial para investidores. Um investimento não se faz da noite para o dia. Não é em seis meses que identificamos um projeto, compramos, preparamos e vamos para o mercado. Isto tem um prazo alargado. E se estão constantemente a alterar a legislação, seja a nível fiscal, de rendas ou de construção, torna o investimento em Portugal muito difícil. Isto tem sido um dos maiores handicaps de Portugal para atrair capital estrangeiro.

Se estão constantemente a alterar a legislação, seja a nível fiscal, de rendas ou de construção, torna o investimento em Portugal muito difícil. Isto tem sido um dos maiores handicaps de Portugal para atrair capital estrangeiro.

Daniel Correia

Diretor de real estate do grupo United Investments Portugal

Grandes grupos que estariam a preparar-se para fazer investimento de “comprar para alugar” em Portugal — construção para arrendamento, puro e duro — qualquer grupo internacional que olhe para Portugal e veja o panorama nacional nos últimos 24 a 36 meses diz que é impossível fazer um investimento. Temos um Governo em que, se a economia estiver a andar favoravelmente, não mexe. O problema é quando os ventos mudam e a economia não está a funcionar e os problemas surgem. Aí o Governo decide começar a mexer, mas não é mexer para bem.

Têm previsto novos investimentos?

Neste momento, os investimentos que estamos a fazer é a continuação do desenvolvimento da Quinta Marques Gomes. Estamos a trabalhar com as autoridades para tentar desvincular o Vale do Freixo, para começar a desenvolver. Está num processo de licenciamento que tem sido muito moroso. É algo que não conseguimos compreender quando queremos fazer um investimento significativo numa área de baixa densidade e que iria desvincular o Algarve do “sol e praia” para “natureza e interior”, onde iríamos trazer muito emprego para a região.

É um processo que está sempre a esbarrar em decisões políticas e de organismos que nos atrasam o processo. Especialmente, quando tínhamos um projeto que tinha sido classificado com o estatuto de Potencial Interesse Nacional (PIN) que, de repente, levou um travão muito grande com uma mudança de Governo.

Daniel Correia, diretor de real estate do grupo UIP

E estamos à procura de novas oportunidades. Não é algo que seja propriamente fácil. A concorrência está alta, a procura por projetos em Portugal por parte de fundos internacionais e outros grupos de investidores em Portugal está bastante alta. É algo que tem que ser trabalhado com calma, não gostamos de comprar à toa.

Em Portugal não temos muitos empreendimentos, comparativamente ao que temos a nível internacional. Mas quando compramos em Portugal, gostamos de comprar bem e com localizações que façam sentido para desenvolvermos um produto com qualidade. Estamos a analisar projetos e a fazer propostas.

Quando fica concluído todo o projeto da Quinta Marques Gomes?

Ainda temos, pelo menos, cinco anos de trabalho pela frente. O projeto da Quinta Marques Gomes é feito em diferentes fases, não só por questões de adaptação do projeto, mas, acima de tudo, para nos ir permitindo adequar as futuras fases ao que o mercado procura e ao que o mercado necessita.

Estar a desenvolver um projeto destes, da dimensão da Quinta Marques Gomes, de uma vez só — e pensar que se sabe o que o mercado quer — pode ser um erro grande. Que já foi cometido por diferentes players do mercado no passado, que construíram grandes empreendimentos tudo de uma só vez e depois não conseguiram executar as suas estratégias de saída. Preferimos desenvolver as coisas pausadamente e ir adaptando, para garantir não só a sustentabilidade, mas também o que o produto corresponda ao que as pessoas procuram e o que o mercado dita.

Por exemplo, neste momento estamos a trabalhar na última fase de venda de lotes. Tínhamos 20 lotes para construção de moradias em banda e estamos a promover um processo em que vamos estar a unir lotes. De 20 lotes vamos passar para dez porque as pessoas procuram casas maiores, com tipologias maiores. Se o mercado assim o quer, vamos adaptar-nos ao que as pessoas procuram. É uma estratégia.

A Quinta Marques Gomes representa um investimento de 200 milhões de euros. Vamos cumprir o orçamento e grande parte do investimento vai estar associado à unidade hoteleira, que está em fase de estudo, está a ser trabalhada em termos de arquitetura. É um processo que demora. Dos 108 lotes, já temos 80 em desenvolvimento por parte dos proprietários, o que demonstra uma vontade grande de virem para cá residir, ter a sua casa concluída e começar a usufruir do espaço. Já temos os primeiros proprietários a morar. Nos primeiros apartamentos, estamos na fase final de construção, nos detalhes finais e contamos estar a fazer escrituras em outubro.

Mais de 70% dos proprietários da Quinta Marques Gomes são portugueses e da zona Norte. Não necessariamente investidores estrangeiros, mas sim nacionais e locais. Foi algo que nos surpreendeu.

Pretendem alargar o portefólio a outras localizações?

Estamos constantemente à procura. Não nos focamos só no Algarve, em Lisboa e no Porto. Estamos à procura de outras localizações, desde a Costa Alentejana, a Costa de Prata, mesmo algo para o Interior. Não descartamos projetos, fazemos a análise de muitos.

Não nos focamos só no Algarve, em Lisboa e no Porto. Estamos à procura de outras localizações, desde a Costa Alentejana, a Costa de Prata, mesmo algo para o Interior.

Daniel Correia

Diretor de real estate do grupo United Investments Portugal

O Grupo UIP recebe várias propostas, temos vários canais que nos trazem várias propostas para analisar e não descartamos nenhum logo à partida. Fazemos sempre a nossa análise, tem é de encaixar no nosso ADN, na filosofia do que pretendemos para um projeto. Não temos medo de nenhuma localização. Entendemos que Portugal é, cada vez mais, um país para o cliente internacional, de fácil acessibilidade. Uma deslocação de duas horas para um norte-americano não é nada.

E ponderam vender algum projeto?

A nossa estratégia assenta sempre numa estratégia de desenvolvimento em que atraímos investidores, proprietários para dentro dos nossos projetos, o que permite não vender os ativos. Nunca fará sentido. A nossa responsabilidade para com os nossos parceiros é grande, no sentido de dar segurança e sermos a âncora de todos os projetos. É isso que permite aos proprietários confiar e fazerem investimentos nos projetos seguintes. Se sairmos, estamos a abalar essa confiança e a lealdade que construímos.

Este ano quantas propriedades já venderam?

Em termos de volume de vendas de propriedades, já vamos em 50 milhões de euros [vendas] e estamos a falar de sensivelmente 45 propriedades. Temos vendas no Pine Cliffs Resort, no Sheraton Cascais Resort e na Quinta Marques Gomes. É distribuído de forma igual. O grupo foi constituído em 1985 e abrimos o Pine Cliffs Resort em 1990 a residentes e o hotel abriu em 1992. Em números redondos, temos mais de 800 propriedades vendidas em Portugal, a nível de grupo.

Qual o balanço em relação ao Yotel Porto?

Teve um arranque um bocadinho conturbado. Tínhamos o hotel concluído no início da pandemia e tivemos de adiar a abertura quase um ano. Abrimos ainda em tempo de pandemia, nos primeiros dois anos demorou um bocadinho a arrancar, mas neste momento estamos muito contentes com a performance do Yotel Porto. Tem níveis de ocupação muito altos, anda na ordem dos 80%. Foi um hotel desenhado e vocacionado para uma geração mais jovem, entre os 20 e os 35/40 anos. No entanto, grande parte do público acaba por ser uma geração mais velha, entre os 45 e os 70 anos.

Está previsto abrirem noutras cidades?

Está em estudo. Já esteve para acontecer em Lisboa e em Coimbra. Não descartamos opções, estamos em constante análise, por isso acredito que muito brevemente podemos ter um novo Yotel a nível nacional. As negociações ainda estão numa fase muito inicial.

Está em cima da mesa investirem em alojamento para estudantes e para a terceira idade?

São dois segmentos em que estamos à procura do projeto certo há muito tempo. Há pelo menos seis anos que estamos a estudar oportunidades, seja para active senior living, seja para estudantes. Não temos conseguido encontrar a propriedade certa. Temos visões muito estratégicas, especialmente para o mercado sénior, daquilo que entendemos serem os requisitos necessários para desenvolver um projeto dessa vertente. Continuamos ativamente à procura.

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