Em entrevista ao ECO, Cristas admite que as contas certas do Governo ajudam o CDS a fazer propostas que considera ambiciosas. E não se mostra preocupada em explicar o que fará perante uma recessão.
A presidente do CDS construiu o programa eleitoral que leva às eleições legislativas de 6 de outubro com base no cenário macroeconómico apresentado em abril pelo Executivo. Em entrevista ao ECO, destaca que este é um enquadramento conservador, com validação internacional e explica que a crítica dos centristas é quanto às políticas associadas às contas certas. Assunção Cristas argumenta que, por isso, não tem se preocupar em explicar o que deixará de fazer perante um cenário de abrandamento económico internacional.
Se critica o Governo, como usa o Programa de Estabilidade e os resultados previstos para justificar as suas opções, nomeadamente a redução de impostos?
Não utilizo para justificar. Uso para base de trabalho porque o CDS entendeu que não devia estar a usar um cenário macroeconómico diferente, para garantir que há comparabilidade entre as várias propostas. Resolvemos adotar uma postura conservadora. Nós criticámos aquele Programa de Estabilidade porque não tinha medidas relevantes para relançar a economia do país. As várias propostas do CDS destinam-se a melhorar aquele cenário macroeconómico. Usamos como base de partida para explicar que estamos a adotar até uma postura conservadora, cautelosa. Não temos aqui nenhum tipo de aventureirismo, antes pelo contrário.
O caminho pode ser diferente. Mas assim estão a credibilizar aqueles números…
Estamos a dizer que foi aprovado no Parlamento e em Bruxelas um Programa de Estabilidade que nos diz que temos um superavit. O que dizemos é como é que vamos gerir e usar esse superavit. Vamos usar para reduzir impostos em 60% no IRS e para reduzir impostos futuros abatendo na dívida. Essa é a nossa opção. Podem perguntar, mas aquilo é credível? O que quero é transformar aquele cenário macroeconómico para que seja melhor. Se estivermos no Governo e conseguirmos desagravar a burocracia, levantar obstáculos, baixar o IRC até 12,5% que é o nível da Irlanda, estamos a ajudar os empresários e as empresas a terem mais folga para investir, criar postos de trabalho e dar sinais mais dignos.
Isso é para lá do cenário…
Temos uma Comissão Europeia que aprova um Programa de Estabilidade, temos previsões da troika que dizem que as coisas estão bem. O que nós duvidamos é da narrativa política que está associada àqueles números. Por isso mesmo, é o tempo de baixar o IRS porque o Governo diz que acabou com a austeridade e o que nós sabemos é que temos a maior carga fiscal de sempre. Com estas contas nós fazemos outras opções, mas elas são comparáveis e nós até achamos que as nossas opções nos vão dar um cenário melhor. Mas não queremos colocar isso à partida. Aquelas contas que foram alcançadas com estas ilusões políticas dão-nos uma margem.
Não é arriscado assentar a construção do programa eleitoral num cenário construído em abril, antes de se falar em recessão como agora?
O primeiro-ministro disse que o cenário já acautelava vários riscos e incertezas, que já se falavam, talvez não com tanta intensidade, que era conservador. Temos a aprovação pela Comissão Europeia. Não temos nenhuma organização internacional, nem Fundo Monetário Internacional (FMI), nem Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) a pô-lo em causa. Não há nenhum partido político a colocá-lo em causa. Queremos melhorar este cenário. Perante uma situação em que se adensam dúvidas podemos fazer várias coisas: uma é não fazer nada – acho que não é uma escolha viável – outra é fazer como o PS que é aumentar funcionários públicos e aumentar o investimento público – e a outra é a escolha do CDS que é desagravar impostos para empresas e pessoas e fazer reformas relevantes em vários setores para termos condições para crescer. É, no fundo, transformar algo que é uma dúvida, garantindo que isso não nos acontece, e que estamos muito mais acautelados no caso de nos vir a acontecer. De resto, vimos agora a Alemanha que está a baixar impostos.
Durante o tempo de resgate não se podia baixar impostos, bem pelo contrário, durante o tempo em que estamos um bocadinho melhor ainda há défice, portanto não se pode baixar impostos, durante o tempo em que se perspetiva equilíbrio de contas e até o superavit também não se pode baixar impostos. Então quando é que se pode baixar impostos? Nunca?
Sabemos por experiências anteriores que perante uma recessão teremos quebra de receitas. Ainda lhe vai pôr uma redução de impostos em cima. Não é arriscado?
Vimos durante quatro anos o Governo a não fazer nada de estrutural. Foi o tempo de uma oportunidade perdida para aproveitar uma conjuntura externa extraordinariamente favorável para estarmos mais bem preparados. Quando olhamos para os indicadores económicos comparativos não estamos muito melhor. Claro que estamos melhor do que no tempo da troika…mal seria…mas não tão bem como poderíamos estar. O que queremos fazer o mais rapidamente possível é aprovar e executar medidas que nos coloquem ainda melhor. Não posso estar a assumir um cenário que não existe, mas posso fazer tudo o que está ao meu alcance para garantir que, se e quando ele existir, estamos mais bem preparados. Durante o tempo de resgate não se podia baixar impostos, bem pelo contrário, durante o tempo em que estamos um bocadinho melhor ainda há défice, portanto não se pode baixar impostos, durante o tempo em que se perspetiva equilíbrio de contas e até o superavit também não se pode baixar impostos. Então quando é que se pode baixar impostos? Nunca?
O PSD aponta um cenário macro com objetivos, o Governo e o PS materializam um objetivo. Porque é que o CDS não assume um compromisso se, com este seu programa, a economia vai crescer mais?
Mais importante do que traçar objetivos de cenário macroeconómico é ter medidas que transformem esse cenário. Quando digo que o nosso objetivo é baixar o IRS em 15%, esse é o nosso compromisso com as pessoas. O nosso compromisso é baixar o IRC para 12,5%. O que não queríamos era que nos começassem logo a criticar dizendo que estávamos a melhorar as coisas para acomodar as nossas medidas. Não foi essa a nossa estratégia. Foi cautelosa, foi prudente. Foi pela comparabilidade do cenário. Os nossos compromissos passam por medidas concretas.
O PSD inventou um cenário macroeconómico para acomodar medidas melhores?
Não quero estar a discutir a estratégia dos outros partidos. Cada um segue aquela que lhe parece melhor. Tendo contas certas conseguimos ter mais ambição e ir mais além. Falamos da fiscalidade, mas podíamos falar das questões da burocracia da libertação de uma serie de obstáculos que existem ao desenvolvimento das atividades económicas.
O que é que no programa do CDS podia deixar de ser feito ou feito de uma forma mais lenta no caso de uma recessão a nível mundial?
Permita-me trabalhar para que o nosso cenário seja mais risonho e para que possamos estar mais preparados. E não para estar já a assumir uma coisa que durante quatro anos o Governo negou e o espaço público também o foi negando. Aliás, quem falava que era preciso acautelarmos [o futuro] normalmente era acusado — estava a chamar o diabo –, e agora, de repente, quando trazemos propostas com vontade, de mudar com mais ambição, de transformar, nos estejam sempre a confrontar com essa ameaça. Quando temos um Governo que apresentou um cenário macro validado em Bruxelas, e aprovado e aceite, quando temos um primeiro-ministro que diz que o cenário até é conservador e que os riscos são acautelados, quando temos as organizações internacionais todas a não duvidar dos níveis de crescimento que ali aparecem, permitam-me que vos possa falar daquilo que é a prioridade do CDS, que é criar condições para termos melhor investimento privado, público mais produtividade, melhor formação profissional em Portugal.
Não reconhece que o discurso de agravamento da crise piorou mais recentemente?
Perante dúvidas o que podemos fazer? Nada fazer; ir pelo caminho do PS que é aumentar investimento público – não correu bem no passado -; e há outro caminho que tem de ser posto em prática que passa por reduzir impostos e fazer reformas em áreas significativas. Este caminho nunca foi testado em Portugal. Temos de aproveitar este final – que não sabemos quanto tempo dura – para trabalhar o mais possível neste sentido. A Alemanha — essa sim que está a atravessar um período difícil — está a baixar impostos.
Mas há uma clarificação que os partidos têm de fazer. E o PSD já a fez ao admitir fasear mais a redução de impostos e o aumento do investimento público. Se for necessário fazer um ajustamento mantém a descida de impostos e corta na despesa?
O PSD parte de um cenário de crescimento económico bastante maior do que aquele de que nós partimos porque nós fomos cautelosos e conservadores e partimos do cenário do Governo que não tem o crescimento económico assim tão exuberante. Estamos a trabalhar para melhorar o cenário. O ponto de partida não é exatamente o mesmo. Estamos a partir de algo que está mais baixo aproveitando uma folga que existe e dizendo que, com as nossas medidas, podemos ir mais além. Por isso é que eu não estou tão preocupada em explicar qual é que é a almofada que temos. Como não partimos de um cenário tão apertado, ou tão otimista, também não precisamos de estar tão preocupados com outros fatores de ajustamento.
Pode detalhar um pouco onde ajustaria a despesa? Parece que não saímos deste ciclo que é o Estado não investe mas quando é preciso fazer mais ajustamentos é na despesa como fez também este Governo…
Este Governo apresentou-se dizendo que tinha que apostar tudo no investimento público e na prática tem o investimento público abaixo de 2015. Não podem dizer que faz tudo. Tem uma austeridade encapotada e a maior carga fiscal de sempre. O que estamos a dizer é que vamos aproveitar uma folga para baixar impostos e manter o mesmo nível de investimento e despesa que está previsto no Programa de Estabilidade. Até porque sabemos de muita dificuldade que temos em tratar alguns vetores que temos com o Tribunal Constitucional.
Que perfil de ministro das Finanças Portugal precisa na próxima legislatura?
O ministro das Finanças tem de ter uma preocupação com as contas e com a transparência com que faz e executa orçamentos. O que criticámos foi a ilusão de um Governo que não executava o que estava orçamentado. Tivemos um Governo que se vangloriou muito de não ter Orçamentos Retificativos, mas nunca executou os Orçamentos aprovados. É muito importante equilibrar a parte económica. Acho que o ministro das Finanças é essencialmente um executor. O problema é quando o ministro das Finanças se sobrepõe a tudo o resto. O que gostaria de ver é transparência e maturidade democrática na gestão orçamental. E que fizesse a baixa de impostos que o CDS propõe.
Portugal teve no mercado secundário de dívida pública um nível de juros inferior ao de Espanha. Isso não é o maior elogio que se pode fazer ao ministro das Finanças?
Seria verdade se não tivéssemos um conjunto de indicadores económicos que infelizmente nos colocam longe de Espanha e de ouros países. No PIB per capita estamos em 17.º lugar, só temos dois abaixo. Quando olhamos para o investimento estamos no último lugar, quando olhamos para a produtividade do trabalho só temos dois abaixo e quando olhamos para a dívida pública temos dois à nossa frente – estamos no topo, mas esse é o mau indicador. Quando olhamos para o rendimento disponível das famílias estamos três posições abaixo e Espanha está em primeiro lugar. Percebo que se diga que estamos melhor do ponto de vista da perceção e que isso nos dá juros mais baratos. Agora: estamos melhor enquanto país? Não vejo isso.
Há menos desemprego e mais rendimento…
Não vejo mais rendimento. Aliás o rendimento disponível per capita baixou durante a legislatura. Há uma aparência de aumento do rendimento, mas depois [as pessoas] vão deixá-lo nos outros impostos indiretos que florescem. Lá está a tal opção orçamental. Não tem mal nenhum. É uma opção. Pode é ser clara. Ser definida. Só que normalmente vem sempre com a capa de que acabou a austeridade. Não acabou.
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Entrevista a Assunção Cristas: “Com superavit não se pode baixar impostos. Então quando é que se pode?”
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