Mário Nogueira não tem dúvidas que os nove anos congelados vão ser recuperados. "A razão pode demorar muito, mas acaba por vencer", diz, prestes a regressar às negociações com o Governo.
Quase dois meses depois do veto e da recomendação do Presidente da República, o Executivo de António Costa volta a sentar-se à mesa das negociações com os professores portugueses. Em discussão estará, pelo menos segundo a perspetiva de Mário Nogueira, o modo e o prazo de recuperação dos nove anos, quatro meses e dois dias congelados. Isto porque, insiste o secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof) em conversa com o ECO, o período a contabilizar não poderá, por lei, ser de forma alguma beliscado.
Opinião contrária tem tido o Governo, que em dezembro, perante o impasse, colocou termo ao processo negocial, e mandou para Belém um diploma que previa a recuperação de apenas dois anos, nove meses e 18 dias. Marcelo Rebelo de Sousa entendeu, contudo, prudente chumbar tal decisão, forçando a reabertura das negociações, o que acontece esta segunda-feira.
“Se o Governo disser ‘estamos aqui porque fomos obrigados por lei a convocar a reunião, mas só avançamos a negociação se vocês deixarem cair o tempo de serviço todo’, a reunião acaba ali, porque isso está fora de hipótese“, avisa Mário Nogueira.
Ao ECO, o sindicalista explica que consequências sofreriam os professores caso não fosse contabilizado todo o tempo congelado, deixando críticas ao modo como o Executivo tem conduzido o processo negocial e sublinhando que esta nem é uma questão de “teimosia”, nem uma luta perdida. “A razão pode demorar muito, mas acaba por vencer”, salienta como lema desta nova leva de reuniões.
Se o Governo disser ‘estamos aqui porque fomos obrigados por lei a convocar a reunião, mas só avançamos a negociação se vocês deixarem cair o tempo de serviço todo’, se for essa a posição do Governo, a reunião acaba ali, porque isso está fora de hipótese.
O primeiro-ministro disse que só valia a pena regressar às negociações quando houvesse alguma proposta nova para discutir. A reunião está marcada para segunda-feira. O que há de novo?
O senhor primeiro-ministro disse o que não devia. O Governo tem de voltar às negociações não por haver uma proposta nova ou por haver uma proposta velha. Tem de voltar porque a isso está obrigado pela lei do Orçamento do Estado. E mais, esta negociação ocorre porque o decreto-lei que o Governo aprovou foi vetado pelo Presidente da República, ocorre porque os partidos políticos (com exceção do PS) consideraram que a anterior proposta do Governo não correspondia ao que estava na lei. Portanto, os sindicatos não têm, nem nunca tiverem propostas que passem por apagar tempo de serviço aos professores. Desde logo, porque seria injusto apagar tempo às pessoas que o trabalharam. Depois, porque seria desigual contar para os professores que estão na Madeira e nos Açores e não contar para os que estão no continente. E ainda, porque seria discriminatório contar para a generalidade da Administração Pública e não contar para os professores. Atenção que não estamos a exigir retroativos, não estamos a exigir tudo de uma vez, não estamos a exigir uma nova carreira, não estamos a exigir melhores salários… Só estamos a dizer que a lei obriga a negociar o prazo e o modo de recuperar o tempo de serviço que as pessoas trabalharam. Se o Governo disser “estamos aqui porque fomos obrigados por lei a convocar a reunião, mas só avançamos a negociação se vocês deixarem cair o tempo de serviço todo”, se for essa a posição do Governo, a reunião acaba ali, porque isso está fora de hipótese.
Antecipa que o Governo esteja mais flexível nesta nova fase ou que mantenha a posição dos dois anos, nove meses e 18 dias?
Se o Governo mantiver a posição que tinha o ano passado, não só será uma afronta aos professores como será também uma afronta à Assembleia da República. A norma que está no Orçamento do Estado obriga à negociação e já estava no Orçamento do ano passado. Portanto, os partidos repetiram esta norma este ano por considerarem que os dois anos, nove meses e 18 dias não respeitavam o sentido da lei. Se o Governo, perante a repetição da norma, continuar a ter a mesma posição, então aí a afronta não é só aos professores, passa a ser também à Assembleia da República.
Nós reunimos com as direções do CDS, do PSD, do PCP, do Bloco de Esquerda, dos Verdes. E o que é que ouvimos de todos? Que eles defendem que o Governo recupere o tempo todo aos professores. Portanto, parece-me que não são os sindicatos e os professores que estão isolados ou que estão com o passo trocado. O Governo não pode achar que, sendo ele o único a ter a posição que tem, que o passo dele é que está certo e que os outros enganaram-se todos.
O ministro da Educação disse-me isso numa reunião negocial: ‘Ou aceitam isto ou ficam sem nada’. E qual foi a resposta? Os professores não aceitam negociar sob chantagem. Uma posição dessas seria um tremendo rombo democrático no relacionamento que tem de existir entre o Governo e as organizações sindicais.
Portanto, concluo das suas palavras que abdicar dos nove anos, quatro meses e dois dias está mesmo fora de questão…
Não podemos abdicar de uma coisa que é da lei. Se nós abdicássemos disso, estaríamos a aceitar a discriminação dos professores, estaríamos a contrariar a sua vontade. Não estamos ali para representar outros interesses que não sejam os dos professores e os professores exigem a recuperação toda. Em quantos anos? Vamos discutir. Com incidência em quê? Vamos discutir. Agora o tempo todo tem de ser recuperado. Até porque o contrário seria ilegal e nós não podemos estar a aceitar uma ilegalidade, mesmo que o Governo a queira cometer.
E se o Governo disser que ou aceitam a recuperação dos dois anos ou ficam sem nada?
A isso chama-se chantagem e, se o Governo disser uma coisa dessas, vai-se meter num problema tremendo. Já o disse… No dia 4 de junho de 2018, o ministro da Educação disse-me isso numa reunião negocial: “Ou aceitam isto ou ficam sem nada”. E qual foi a resposta? Os professores não aceitam negociar sob chantagem. Uma posição dessas seria um tremendo rombo democrático no relacionamento que tem de existir entre o Governo e as organizações sindicais.
Se o Governo só contar dois anos, nove meses e 18 dias, a esmagadora maioria dos professores, pessoas com até 30 anos de serviço, não passará de um escalão intermédio na sua carreira. Esses professores, como iriam ficar muito abaixo da posição a que têm direito, iriam ficar com pensões de aposentação abaixo dos mil euros. Ou seja, se o Governo não contar o tempo todo, estará a condenar os professores a uma pensão de aposentação extremamente baixa e não condizente com o que foi o seu trabalho e os seus descontos. Os professores sabem que a questão da recuperação dos nove anos, quatro meses e dois dias não é uma teimosia.
Há quem diga que recuperar os sete anos deste último congelamento já não era mau, mas o problema é que se o Governo queria discutir isso tinha de o ter feito antes de quem está na Madeira e nos Açores já ter garantido os nove anos de recuperação. Neste momento, estaria em causa uma questão de discriminação absolutamente inaceitável.
Portanto, está convencido que a luta dos nove anos ainda pode ser vencida?
Estou convencido que a luta dos nove anos vai ser ganha pelos professores, porque eles têm razão. A razão pode demorar muito, mas acaba por vencer. Se este Governo aparecer com a chantagem de querer apagar o tempo de serviço, este ano é um ano eleitoral, os professores saberão o que fazer, porque já perceberam que não podem pactuar com quem lhes quer retirar parte da vida profissional.
Na nossa carreira, chegar ao topo em condições normais demora 34 anos de serviço; nove anos representam uma fatia maior do que 25% dessa carreira. Se não contarem os nove anos, os professores só chegam ao topo aos 43 anos de serviço, ou seja, já para lá de terem a carreira contributiva completa. Mesmo que só contem os dois anos, a carreira passa a ter mais de 40 anos. Portanto, isto está fora de hipótese, não há acordo possível com menos de nove anos. Eu diria que poderia até haver a possibilidade de… Há quem diga que recuperar os sete anos deste último congelamento já não era mau, mas o problema é que, se o Governo queria discutir isso, tinha de o ter feito antes de quem está na Madeira e nos Açores já ter garantido os nove anos de recuperação. Neste momento, estaria em causa uma questão de discriminação absolutamente inaceitável. Isso até seria inconstitucional. Portanto, a questão dos nove anos é, neste momento, inultrapassável.
Este regresso às negociações serve de algum modo para que o Governo “lave as mãos” caso haja uma greve? Serve para evitar que se possa atribuir responsabilidades ao Executivo por uma paralisação por nem sequer ter negociado?
O Governo até pode, em vez de lavar as mãos, tomar banho. Para nós, até podia desinfetar-se a seguir, porque a negociação não é um objetivo em si mesma. A finalidade não é negociar. O resultado dessa negociação é que resolve a situação. O Governo queimou dois meses e agora com a pressão toda que tem sido feita — reivindicativa, do Presidente da República, e dos partidos — marcou a negociação. O que fará com que as lutas que os professores possam vir a desenvolver se concretizem ou não, não é haver uma reunião. É o que resulta dessa reunião. Portanto, se eles acham que marcar a reunião negocial é uma maneira de lavar as mãos, bem podem tomar banho, porque ainda que a negociação seja indispensável e obrigatória por lei, o que vai contar é o que de lá sair.
Esta retoma das negociações retira de cima da mesa a possibilidade de greve?
O que nós temos previsto é, no dia 26 de manhã, ter uma reunião entre as dez organizações sindicais e depois vamos dizer que avaliação fazemos da reunião e o que vamos fazer. Temos em vista a possibilidade de haver uma manifestação ainda no segundo período letivo e temos ainda a possibilidade de fazer uma consulta aos professores para saber o que é que, perante aquilo que tiver acontecido, estão dispostos a fazer. Tudo vai depender do dia 25.
Os professores, quando lutam, lutam pelos seus próprios meios e não recorrem a ninguém. As lutas são nossas e não são pagas por outrem.
A avançar uma eventual greve, qual seria a vossa posição em relação ao crowdfunding?
Não entendemos que essa seja uma forma adequada. Os professores, quando lutam, lutam pelos seus próprios meios e não vão recorrer a ninguém, individual ou a uma organização. As lutas são nossas e não são pagas por outrem.
Sobre o ministro da Educação, já disse que não lhe reconhecia competência. Como se cruza essa vossa posição com a reunião de segunda-feira?
A única coisa que nós exigimos é que quem for à reunião respeite as organizações sindicais, que não vá com chantagem, que respeite a lei (que não vá para apagar tempo de serviço) e que vá com competência política para negociar. O grande problema que nós tivemos o ano passado foi que a equipa negociadora com quem nós estivemos aparecia sem competência para negociar. Os responsáveis da Educação eram uma espécie de funcionários das Finanças. O problema para nós não é quem lá vai; é que quem lá for tem de ter competência para tomar decisões e para negociar. Por exemplo, nós chegámos a dizer ao Governo que escrevesse que os dois anos, nove meses e 18 dias era o tempo que este Governo, nesta legislatura, estava disponível para recuperar e acrescentasse um artigo a dizer que o restante tempo até aos nove anos, quatro meses e dois dias seria negociado com o futuro Governo. Não tinham que alterar a posição, era só acrescentar este artigo, mas recusaram e disseram que não aceitavam isso. Portanto, o problema aqui é se eles vão lá para negociar ou se vão lá para para impor e se quem lá vai tem competências negociais ou se só vai lá para nos informar.
O Governo não tem mostrado qualquer margem para negociar?
A pessoa que lá vai não tem margem para coisa nenhuma. Quem lá tem ido a única margem que tem é para nos informar da posição do Governo. Ponto final. É um conceito de negociação extraordinário.
O Governo anunciou a contratação de mais mil assistentes operacionais. Não é algo que esteja diretamente ligado aos professores, mas entenderam esta medida como um sinal positivo para o setor?
Não é um sinal nem positivo, nem negativo. Era uma inevitabilidade. Eles não podiam adiar mais isto. As escolas, para poderem ter o número de profissionais não-docentes adequado às suas realidades, precisariam, segundo se tem dito, entre quatro a cinco mil trabalhadores. Não é só o problema dos que lá faltam, é o problema dos que lá estão. O corpo dos não-docentes está muito envelhecido. Quando um docente entra de baixa porque está doente, é substituído ou os alunos ficam sem aulas. Por outro lado, quando falta um não-docente, isso não acontece. Portanto, a contratação em causa é, por um lado, para calar a contestação dos não-docentes; por outro, para calar a denúncia das direções das escolas e, ainda por outro, para anunciar em ano eleitoral que estão preocupados. Esperemos que os concursos sejam rápidos.
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“Está fora de hipótese. Não há acordo possível com menos de nove anos”, diz Mário Nogueira
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