O comércio eletrónico veio revolucionar a indústria do calçado, diz Luís Onofre em entrevista ao ECO. "As regras são muito injustas", mas o futuro dos sapatos portugueses é sorridente, garante.
Sustentabilidade. É essa a carta que o setor do calçado português tem na manga para, cada vez mais, ganhar reconhecimento a nível mundial. Quem o diz é o presidente da Associação Portuguesa dos Industriais do Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS). De visita a Milão para participar na feira mais importante da indústria (a MICAM), Luís Onofre aproveitou para explicar ao ECO a estratégia dos criadores lusos para conquistar o mundo. Um sapato de cada vez. E já têm argumentos “com os quais enfrentar” os italianos, mesmo perante uma revolução do comércio pautada por regras “muito injustas”.
O calçado português é reconhecido internacionalmente pela sua qualidade, mas ainda há poucas marcas lusas de dimensão internacional. Porquê?
Empresas portuguesas de dimensão internacional temos, marcas talvez não. Estamos numa fase de afirmação. Estamos a tentar por tudo — e a APICCAPS é uma das responsáveis por isso — fazer um “Made in Portugal” que seja reconhecido internacionalmente e acho que isso, nesse momento, já é o que acontece. Somos conhecidos como bons produtores e bons profissionais nesta área. Agora aos poucos vão surgindo marcas. No fundo, estamos a lançar uma pequena semente para dar frutos no futuro. E é assim que tem de ser feito. O trabalho tem de ser feito pouco a pouco. Nós temos um grande concorrente, que é o “Made in Italy”. De facto, ainda impera a vontade dos clientes internacionais optarem pelo calçado importado italiano. Falamos no segmento do luxo. No segmento dos desportivos, algo mais casual, penso que Portugal já tem argumentos.
Há uma dúvida constante no ar sobre como vai ser o comércio a partir daqui, desde que o comércio online entrou em jogo. São regras muito injustas, em alguns casos, e que dificultam bastante a venda ao público final.
O que é que falta para reforçar a valorização e projeção da indústria portuguesa lá fora?
Falta-nos trabalhar muitas áreas, como o marketing, a valorização da marca e da imagem, o design. O próprio design terá de ter uma grande reforma, no nosso setor. São coisas que temos vindo a trabalhar com alguma intensidade, com a coragem dos nossos empresários. E a partir daqui as coisas vão começar a acontecer.
Quais os principais desafios quem o setor calçado em Portugal enfrenta?
Acima de tudo, a falta de mão-de-obra qualificada, mas também as novas tecnologias e as novas formas de comércio, que estão a ser muito difíceis de compreendermos. E isto não é só um problema português. É um problema transversal a outros países, como Espanha e Itália. Há uma dúvida constante no ar sobre como vai ser o comércio a partir daqui, desde que o comércio online entrou em jogo. São regras muito injustas, em alguns casos, e que dificultam bastante a venda ao público final. Ao mesmo tempo, temos de estar cientes de que isto é o futuro e é por esse caminho que temos de seguir. Temos de nos preparar, preparar novas equipas, pensar toda a parte da logística da empresa. Tudo isso passa por uma fase de aprendizagem. Agora com os novos incentivos da Indústria 4.0, vamos poder ajudar as nossas empresas a modernizarem-se nesse sentido.
Mas as empresas portuguesas, sobretudo as centenárias, estão abertas a este tipo de novidade e experiência?
Acho que sim. Mesmo as empresas mais antigas de Portugal, já estamos a falar de uma terceira geração com novas ideias para a empresa e para coleções, com marcas com as quais trabalhar. O private label também é importantíssimo no nosso setor e queremos reforçar também. Nos EUA, fizemos uma grande aposta nessa vertente de negócio. Portanto, tudo isso em conjunto acaba por fazer com que o nosso setor esteja de boa saúde.
Nos próximos três anos, a indústria do calçado ver investidos 100 milhões de euros. Que áreas são prioritárias?
Acima de tudo as áreas tecnológicas, tanto a nível de fabrico como a nível de comércio eletrónico, nas suas variadíssimas vertentes. Vamos tentar apoiar o máximo possível as empresas e modernizá-las para o futuro. Não vai ser fácil.
Um dos vossos principais mercados estratégicos é o do Japão. Como é que a indústria portuguesa se pode posicionar nesse mercado?
Não só o Japão, mas toda a Ásia. A China até é talvez mais forte que o Japão, embora o Japão tenha uma expressão bastante interessante. Nós temos feito uma feira em que, há três, quatro anos, começamos com um ou dois expositores e, neste momento, já vamos para doze com tendência para aumentar. É claro sinal de que as coisas naquele país estão a funcionar bem e o calçado português está a ter uma aceitação bastante boa nesse mercado. Vamos apostar, no futuro, não só o Japão, mas também a Malásia e a Coreia do Sul, Vietname. São países que têm bastante interesse setor.
Quanto ao uso de materiais alternativos associados a novos tipos de consumidores, que impacto é que se estima?
Quero realçar que a indústria portuguesa do calçado está na vanguarda da sustentabilidade. Em todos os aspetos, nomeadamente ao nível de peles, pela não utilização de químicos nocivos para o ambiente, o mesmo acontece com as aplicações e os acessórios, que são praticamente todos níquel free. Utilizamos vário tipos de colas, já muito voltadas para uma preocupação ambiental. E isso torna-nos uma indústria muito clean, o que acaba por ser vantajoso para nós e para os grandes grupos que nos procuram. Um dos principais cartões-de-visita que temos no calçado é a sustentabilidade. Esses grupos que nos exigem que sejamos assim ficam admirados com a nossa evolução nessa área.
Nós andamos um bocadinho em contraciclo. Houve um crescimento bastante elevado ao longo dos últimos dez anos, ao contrário dos outros setores. E agora nesta fase de recuperação e retoma económica, não estamos a ter o mesmo desempenho de há cerca de dois ou três anos. É um momento, acima de tudo, de afirmação.
Nos primeiros seis meses do ano, o valor das exportações recuou 1% devido uma forte aposta nesses materiais. Esse valor vai ser recuperado?
Penso que sim. Nós andamos um bocadinho em contraciclo. Houve um crescimento bastante elevado ao longo dos últimos dez anos, ao contrário dos outros setores. E agora nesta fase de recuperação e retoma económica, não estamos a ter o mesmo desempenho de há cerca de dois ou três anos. É um momento, acima de tudo, de afirmação, em que estamos a apostar em novos mercados em prol de outros que estão a regredir, como a Europa. Esperamos que este ano seja marcado pela consolidação desses mercados e que para o ano possamos estar aqui a dar uma boa notícia que é o aumento das exportações e do valor.
Estão criadas as condições em Portugal para empreender no setor do calçado? O que falta fazer?
Temos todas as condições para os jovens abrirem as suas empresas. Isso derivado não só ao trabalho da APICCAPS, do centro tecnológico, mas também do que o Governo, que tem permitido que as empresas possam ser abertas sem grandes burocracias. Isto de certa forma facilita que novas empresas possam surgir. É claro que hoje em dia criar uma marca custa mais do que tê-lo feito há mais tempo e isso cada vez vai ser pior. É o nosso mercado, são os tempos em que vivemos. As pessoas ou apresentam algo de muito diferente no mercado ou têm de repensar os seus investimentos. Aquilo que eu aconselho às empresas que quiserem vir para este setor — que são muito bem-vindas — é que apresentem algo de novo e de muito diferente, que é isso que o mercado precisa.
Mas há espaço?
Há sempre espaço, sem dúvida.
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Falta de mão-de-obra é um desafio para o calçado. Comércio online também porque “as regras são muito injustas”, diz Luís Onofre
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