Carlos Félix defende que o setor da Defesa pode ajudar a economia portuguesa e a aumentar os seus níveis de exportação, identificando oportunidades em setores tradicionais, como o têxtil ou calçado.
A guerra na Ucrânia e a escalada das tensões geopolíticas no Médio Oriente têm forçado os Estados a rever a sua estratégia para a Defesa e a reforçar o investimento no setor. Carlos Félix, presidente da idD Portugal Defence, entidade promotora de políticas públicas para a Economia da Defesa, destaca a importância deste setor para a economia do País e adianta que a entidade está a avaliar a criação de uma unidade industrial de munições.
É preciso “robustecer a nossa economia de defesa e a nossa indústria de defesa para termos mais exportações, mais mercados de exportação, mais investimento direto estrangeiro, maior valor acrescentado, mais empresas exportadoras e para mais mercados”.
Em entrevista por email ao ECO, o responsável reconhece que “os países têm aumentado o investimento em meios e equipamentos militares para fazer face à escalada de conflitos e de tensão que se vive em várias geografias”, destacando que “as entidades que compõem a economia de defesa são um instrumento crucial para as Forças Armadas, mas também para gerar riqueza real na economia nacional e no nosso tecido empresarial, para reter e até reforçar o emprego qualificado em Portugal, para contribuir para a vanguarda na inovação e tecnologia e para melhorar os nossos índices de exportação, para mais e novos mercados”.
Segundo os dados recolhidos pela idD Portugal Defence, o setor conta atualmente com 363 empresas, que empregam perto de 39 mil pessoas e que representam 2,5% das exportações totais de Portugal. Mas há margem para aumentar estes números. Para Carlos Félix, existe potencial para “exportar mais e com maior valor acrescentado”, destacando oportunidades em vários setores de atividade, nomeadamente em áreas que não pertencem a este setor, mas nos quais Portugal é muito forte, como o têxtil, o calçado, setor farmacêutico e médico, o agroalimentar, ou a metalomecânica.
O setor da Defesa tem vindo a ganhar crescente relevância, num ambiente marcado pela escalada das tensões geopolíticas a nível global. Qual é a importância da economia da defesa para Portugal?
A economia da defesa é crucial para Portugal por várias razões. Em primeiro lugar, a Segurança Nacional. As indústrias que prestam serviços e fornecem produtos às Forças Armadas são um imperativo estratégico de uma nação. A economia de defesa é um instrumento de dissuasão e defesa e manutenção da paz – conforme recentemente reconhecido na declaração da Cimeira da NATO, em julho último. As empresas e as indústrias de defesa contribuem para garantir a autonomia, a modernização, a operacionalidade e a atuação das Forças Armadas. Esta atuação passa pelo garante de soberania e de integridade territorial, na produção de segurança em missões internacionais e no cumprimento das restantes missões que lhe são cometidas como busca e salvamento, combate aos incêndios e situações de calamidade pública, entre outras. Um setor de defesa robusto é essencial para a proteção das populações e da soberania das nações e não existem Forças Armadas sem indústria de defesa própria para as equipar, apoiar na logística e sustentação.
Em segundo, a Cooperação e Parcerias Internacionais. As indústrias de defesa concorrem também para o fortalecimento de cooperação, alianças e parcerias com outros países (bilateralmente) e organizações internacionais, como a NATO e a União Europeia. Tal verifica-se porque estamos a colaborar no esforço para a capacitação das Forças Armadas e de Segurança também de outros países, estamos a reforçar a chamada interoperabilidade, isto é, a capacidade das Forças Armadas de diferentes países atuarem conjuntamente.
As entidades que compõem a economia de defesa são um instrumento crucial para as Forças Armadas, mas também para gerar riqueza real na economia nacional e no nosso tecido empresarial, para reter e até reforçar o emprego qualificado em Portugal, para contribuir para a vanguarda na inovação e tecnologia e para melhorar os nossos índices de exportação, para mais e novos mercados.
Por fim, há a questão do emprego, inovação e exportação. Este ecossistema tem um elevado efeito multiplicador na economia. Gera empregos qualificados, diretos e indiretos; incentiva e acelera a inovação tecnológica, a investigação e o desenvolvimento com aplicações, que podem ser adaptadas para outras áreas civis e comporta ainda um potencial para o desenvolvimento industrial e para a exportação de produtos e serviços para e de defesa, contribuindo também para a balança comercial. Importa ainda ter presente que o valor dos investimentos das Forças Armadas em equipamentos e sistemas de defesa não se esgota no ato de compra e no produto. O valor estende-se ao longo de todo o ciclo de vida (20-40 anos) e também nos diferentes “layers” da cadeia de valor que lhe está associada, que quanto mais integrada for, maior será o valor acrescentado nacional. Acresce a isto que, por estarmos inseridos em quadros de aliança e de parcerias, estes produtos podem ser adquiridos por outros. Deste modo, as entidades que compõem a economia de defesa são um instrumento crucial para as Forças Armadas, mas também para gerar riqueza real na economia nacional e no nosso tecido empresarial, para reter e até reforçar o emprego qualificado em Portugal, para contribuir para a vanguarda na inovação e tecnologia e para melhorar os nossos índices de exportação, para mais e novos mercados.
Neste contexto, quais os principais objetivos da idD Portugal Defence e o seu papel na economia?
Atuamos como um instrumento de políticas públicas para a economia de defesa. A idD pretende ser um interface inteligente e ativo entre a Defesa e a Economia, nomeadamente na melhoria do ecossistema para apoio ao crescimento da Economia de Defesa, no apoio à participação da Base Tecnológica e Industrial de Defesa (BTID) em programas de reequipamento, na identificação e acesso a instrumentos financeiros nacionais e internacionais, e outras oportunidades de negócio.
Estamos a avaliar a criação de uma unidade industrial de munições que responda às necessidades das Forças Armadas, ao ambiente geopolítico, e que maximize as oportunidades de mercado, sem descurar a sua viabilidade a longo prazo.
Para alcançar tudo isto, acreditamos que a colaboração e exploração de sinergias com os nossos parceiros nacionais e internacionais, públicos e privados, são fundamentais. Promovemos igualmente a integração da Base Tecnológica Industrial de Defesa (BTID) em cadeias de valor, procurando, paralelamente, maximizar o seu contributo para a atuação das Forças Armadas.
Que iniciativas estão a tomar nesse sentido?
Queremos assegurar, em conjunto com todos os stakeholders, a implementação dos programas de Participação Industrial do investimento nacional, maximizando o retorno nacional dos investimentos na Defesa. Para maximizar o potencial das instituições pretendemos dispor de um delegado que represente e acompanhe os temas da Economia de Defesa no âmbito da UE e NATO. Estamos também a ponderar retomar da atividade de produção de munições, desenvolvida em Portugal até há duas décadas. Estamos a avaliar a criação de uma unidade industrial de munições que responda às necessidades das Forças Armadas, ao ambiente geopolítico, e que maximize as oportunidades de mercado, sem descurar a sua viabilidade a longo prazo.
O nosso trabalho rege-se por procurar robustecer a BTID e a Economia de Defesa para que haja mais exportações, mais mercados de exportação, mais investimento direto estrangeiro na indústria de defesa, mais empresas exportadoras e maior valor acrescentado nacional, porque uma Economia de Defesa forte significa umas Forças Armadas prontas, modernas, dissuasoras e capazes para garantir e defender a paz. Em suma: promovemos a competitividade, a inovação e o desenvolvimento, a internacionalização e a cooperação. E o papel da sociedade é crucial, desde o apoio às políticas de defesa até à participação em todos estes eixos.
Há potencial para Portugal reforçar a aposta neste setor, nomeadamente em termos de exportação?
Sendo este um setor com elevados níveis de exportação há, sem dúvida, potencial para exportar mais e com maior valor acrescentado, e esse é um dos nossos objetivos. Primeiro, existe capacidade para exportar mais pelas características da BTID: mão de obra muito qualificadas, excelentes produtos reconhecidos por Forças Armadas portuguesas e estrangeiras, tecnologia avançada, parcerias estratégicas e cooperação existentes. São empresas que quando são criadas já é a pensar no mercado global, como forma até de rentabilizar de forma mais célere os seus investimentos.
Por outro lado, este é um mercado em transformação para responder às necessidades crescentes das Forças Armadas – que estão num ciclo de reforço e diversificação de investimento -, mas também porque hoje existe um reconhecimento ao nível nacional e internacional, da UE e da NATO, de que as indústrias de defesa são um instrumento indispensável para alcançar as Forças Armadas de que necessitam para fazer face às ameaças e desafios presentes e futuros. Os países têm aumentado o investimento em meios e equipamentos militares para fazer face à escalada de conflitos e de tensão que se vive em várias geografias. Verifica-se elevada procura, em aspetos muito diversificados, uma mudança tecnológica rápida, concorrência internacional, novos instrumentos de aquisições e financiamento a nível doméstico, europeu e da NATO, uma ênfase em parcerias estratégicas, incentivos à inovação, e ao desenvolvimento de capacidades industriais e de colaborações em rede com vista a eliminar os gaps e a fortalecer as cadeias de valor. Note-se que este ano, num curto espaço de tempo a União Europeia lançou a sua primeira Estratégia Industrial de Defesa Europeia e os Chefes de Estado e de Governo dos países membros da Aliança anunciaram um Compromisso para expandir a Capacidade Industrial de Defesa.
Em que setores há oportunidades na Economia da Defesa?
As oportunidades surgem em muitas áreas e em áreas muito diversas entre si. Observando a Lei de Programação Militar, o principal instrumento de investimento plurianual das Forças Armadas portuguesas, destacaria o seguinte: naval, comunicações, aeronáutica, ciber, drones (aéreos, terrestres e subaquáticos), tecnologias de informação, robótica e inteligência artificial.
Há setores de atividade que são muito fortes em Portugal e que fornecem ou também podem vir a fornecer Forças Armadas, como o têxtil, o calçado, setor farmacêutico e médico, o agroalimentar, a metalomecânica, entre outros. (…) Podemos fazer mais e ir mais longe também com estes setores não associados habitualmente à defesa.
Importa ter presente que há setores de atividade que são muito fortes em Portugal e que fornecem ou também podem vir a fornecer Forças Armadas, como o têxtil, o calçado, setor farmacêutico e médico, o agroalimentar, a metalomecânica, entre outros. E verificamos que todos os setores que referi são áreas onde possuímos competências muito boas, reconhecidas internacionalmente e já fortemente exportadores, e atrever-me-ia a dizer que podemos fazer mais e ir mais longe também com estes setores não associados habitualmente à defesa.
Qual o papel que Portugal pode assumir no setor da defesa no contexto da Europa e da NATO?
Portugal assume vários papéis importantes ao nível das contribuições militares como a participação ativa através das suas Forças Nacionais Destacadas, mas também ao nível de parcerias de cooperação. Do ponto de vista da economia de defesa tem vindo a ser desenvolvido um trabalho ativo em matéria de inovação e desenvolvimento de tecnologias e capacidades com empresas e centros de investigação de outros países.
Considerando os diversos instrumentos e políticas que têm sido desenvolvidas no âmbito da União Europeia e da NATO podemos e devemos continuar a atuar a diversos níveis: no desenvolvimento de instrumentos e políticas relacionadas com as indústrias de defesa; aprofundar parcerias e cooperações em matéria de desenvolvimento de soluções e tecnologias.
O caminho passa por fomentar o desenvolvimento tecnológico, mas essencialmente, industrial da economia de defesa, apoiando o crescimento de integradores nacionais e atraindo investidores estrangeiros, para fortalecer as cadeias de valor em Portugal. Por seu turno, promover a retenção do talento nacional para impulsionar o desenvolvimento e industrialização da economia de defesa, com foco em atividades de alto valor acrescentado e ainda desenvolver a participação da Economia de Defesa no ciclo de vida dos equipamentos das Forças Armadas.
Temos de robustecer a nossa economia de defesa e a nossa indústria de defesa para termos mais exportações, mais mercados de exportação, mais investimento direto estrangeiro, maior valor acrescentado, mais empresas exportadoras e para mais mercados.
Se conseguirmos desenvolver estes aspetos estaremos a reforçar a posição de Portugal, mas também dos nossos parceiros e aliados. Permitimos que Portugal se afirme como um aliado e parceiro relevante, útil e credível nas organizações e coligações que integra e nas geografias onde se jogam muitos dos nossos interesses. Quando apostamos nas indústrias de defesa, estamos a apostar na paz pelo fator de dissuasão económico e operacional. Temos de robustecer a nossa economia de defesa e a nossa indústria de defesa para termos mais exportações, mais mercados de exportação, mais investimento direto estrangeiro, maior valor acrescentado, mais empresas exportadoras e para mais mercados.
A própria posição geográfica de Portugal pode fomentar essa vertente exportadora?
Observando de uma forma mais lata, há aspetos que são verificáveis nesta área como para outros e que têm a sua relevância: Portugal alia tradição com inovação. Uma nação moderna, com uma longa tradição marítima faz fronteira marítima com Marrocos – sendo Rabat a capital mais próxima – e apresenta-se como uma porta para os países de língua e expressão portuguesa, trunfo na cooperação triangular. Ao longo dos anos tem sido considerado dos países mais seguros e surge muitas vezes muito bem classificado em diversos rankings para trabalho à distância, qualidade de vida para expatriados, sendo conhecido pelo seu clima ameno e extenso litoral.
Da posição geoestratégica que cruza Atlântico, Europa e Mediterrâneo, face ao atual contexto geopolítico, Portugal apresenta-se duplamente como zona de retaguarda na Europa e uma zona estável e segura da Península Ibérica. Assim, ganha importância para a atração de investimento e instalação de empresas também estrangeiras de defesa. Somos um país inovador, empreendedor, confiável como demonstra a diversificada carteira de investidores estrangeiros constantemente em expansão. Há uma transformação em curso rumo à digitalização, transição energética e economia circular, que é assente em talento, apoios fiscais, incentivos, e entidades comprometidas em dar o seu melhor para fazer crescer a economia e desenvolver a sociedade.
Mas para isso é preciso mais investimento na defesa?
Sim e isso tem sido reconhecido pelo Presidente da República, pelo Governo e pelos diferentes partidos políticos com assento parlamentar.
Quantas empresas existem ligadas ao setor da defesa e qual o volume de negócios gerado?
A atual conjuntura geopolítica está a promover o incremento deste número. Os últimos dados apurados pela IdD indicava o seguinte que as empresas da economia de defesa empregam 38.844 pessoas; a produtividade por trabalhador é 55 % superior à produtividade média por trabalhador no resto da economia nacional. No conjunto, estas empresas representaram 1,6 % do Valor Acrescentado Bruto (VAB) total das empresas nacionais e as remunerações praticadas neste setor representam praticamente o dobro da média praticada na restante economia nacional.
As empresas da BTID afetam 6,1% do seu pessoal à investigação e desenvolvimento (I&D), o que contrasta com os 0,8 % observados ao nível empresarial nacional e dedicam 3,2 % do seu volume de negócios ao investimento em I&D, consideravelmente acima dos 0,5 % observados nas restantes empresas do país. No que diz respeito ao tipo de investigação, observa-se uma forte componente experimental nas empresas, que compreende 58% do total, destacando-se aqui a qualificação do capital humano dedicado a estas atividades na BTID.
E qual é a evolução do volume de negócios?
As vendas globais atingiram os 4,6 mil milhões de euros, dos quais 1,85 mil milhões resultaram de vendas a clientes de defesa. Do volume financeiro global, cerca de 40% resultou de exportações, o que é demonstrativo da forte importância que reveste para o setor a componente da internacionalização, sendo que as exportações representam já 2,5 % do total das exportações portuguesas, o que mostra um crescimento significativo, especialmente quando comparado com os valores registados em 2010 a rondarem os 1,6% do total das exportações, revelando também um domínio de atividade com forte potencial, quer em termos nacionais quer internacionais.
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