Catarina Gomes Correia, associada sénior da MFA Legal, garante que o risco deve ser gerido de forma “integrada”, “preventiva” e “contínua”, como qualquer outro risco relevante para a atividade.
À Advocatus, garante que o risco deve ser gerido de forma “integrada”, “preventiva” e “contínua”, como qualquer outro risco relevante para a atividade e que tanto quem decide como quem executa devem compreender as implicações legais das suas ações. Admite ainda que uma maior densificação dos conceitos e critérios objetivos no Código Penal e no Regime Geral das Infrações Tributárias seria um “passo importante” na redução de litígios e na prevenção de condutas de risco.

Se voltasse atrás no tempo, mantinha a decisão de ingressar em direito ou mudava de área?
Mantinha definitivamente a decisão de ser advogada. Decidi logo por volta dos 13 anos que queria ser advogada. Foi ao ver o filme “A Time to Kill”, em que um advogado, representado por Matthew McConaughey, defende uma pessoa, representado por Samuel L. Jackson, que matou os dois homens que violaram a sua filha pequena. Lembro-me de ficar comovida com o facto de o advogado ter dado tudo para o defender, ainda que com prejuízo pessoal para si próprio. Depois do filme acabar, lembro-me de ter pensado: “é isto que faz sentido para mim. É isto que eu vou ser – advogada”. Não me arrependo, sou muito apaixonada pelo que faço.
O que a motivou na sua especialização em Direito Fiscal?
O desafio e uma certa apetência para as cadeiras mais económicas do curso. O desafio porque Direito Fiscal era aquilo que quase ninguém queria seguir, pelo menos no meu tempo, e era mais difícil. O Direito Fiscal exige que saibamos em profundidade todo o Direito – Civil, Penal, Comercial, etc., pois a fiscalidade é sempre algo que se aplica a uma realidade substantiva subjacente. E ainda convém ter conhecimentos de economia, finanças e contabilidade.
A prevenção do risco fiscal, a adoção de políticas fiscais conformes com boas práticas de mercado e socialmente responsáveis, assim como a gestão de eventuais crises são preocupações transversais a todos os setores económicos.
A MFA Legal lançou uma nova linha de serviços focada na prevenção e gestão do risco criminal tributário. Em que consiste esta iniciativa?
Desde a sua génese que a MFA Legal se posicionou com uma boutique especializada na gestão do risco, com duas áreas core, fiscal e penal, com forte reconhecimento no mercado. O lançamento oficializado para o mercado desta linha de serviço era algo que já era óbvio internamente.
Reunimos, numa única oferta de serviços, as nossas áreas de excelência em consultoria e contencioso fiscal e penal, apresentando ao mercado e aos nossos clientes uma equipa com vasta experiência e forte especialização, garantindo uma abordagem articulada e integrada que nos distingue.
A prevenção do risco fiscal, a adoção de políticas fiscais conformes com boas práticas de mercado e socialmente responsáveis, assim como a gestão de eventuais crises são preocupações transversais a todos os setores económicos.
Que desafios e oportunidades identificam na prevenção do risco criminal tributário?
Assiste-se a uma necessidade crescente de gerir o risco. O mundo está em constante mudança e evolução, veja-se só as implicações diárias para os operadores das tarifas aduaneiras de Trump.
Por outro lado, as normas fiscais, além de estarem sempre a mudar, mais não seja por via do Orçamento do Estado todos os anos, são bastante complexas, gerando insegurança, margens de erro e dificuldade em identificar claramente o risco em determinadas situações. Muitas vezes, as normas suscitam várias dúvidas interpretativas e grande litigiosidade fiscal.
Um acompanhamento especializado e integrado desde cedo, ajudará a prevenir riscos. Uma boa gestão do risco passa pela prevenção, pela adoção de políticas fiscais responsáveis, pelo acompanhamento em sede inspetiva, pela delineação de estratégias pré-contenciosas e definição de planos de contingência.

A coordenação deste projeto ficará sob a sua responsabilidade e do associado coordenador Rui Costa Pereira. Como será feita essa articulação entre Direito Penal, Contraordenacional, Compliance e o Direito Fiscal?
O Rui e eu estamos na “linha da frente”, mas sempre apoiados por todo o escritório, desde os sócios aos demais elementos das equipas. Estamos todos alinhados e em constante articulação para dar a melhor resposta às necessidades dos nossos clientes. Nestas matérias, é importante um olhar 360.º e cada um traz para a mesa a sensibilidade própria de anos de experiência em cada área. Por outro lado, face às áreas em que trabalhamos, o penal não me é estranho nem o fiscal é estranho ao Rui e ainda bem que assim é.
A sinergia entre as nossas áreas de atuação possibilita um acompanhamento conjunto de temas, uma mais-valia inegável que estamos preparados para oferecer.
Que vantagens traz essa abordagem multidisciplinar para os clientes e como é que se distingue dos serviços tradicionalmente oferecidos nesta área?
O acompanhamento conjunto dos temas eliminará, desde logo, custos de contexto para o cliente. A resposta aos problemas será mais ágil, eficaz e direcionada, com elevada especialização. A resposta coordenada poupa tempo e recursos ao cliente e oferece uma solução que aborda todos os ângulos. Quando o fiscalista e o penalista trabalham em conjunto desde o início, o cliente beneficia de uma análise cruzada que antecipa riscos e ajusta estratégias em tempo real. Se já estivermos numa fase reativa, também há vantagens, pois a defesa no processo penal beneficiará de sólidos conhecimentos do direito fiscal e da interpretação que se faz da lei fiscal. O penalista em tudo pode beneficiar da sensibilidade própria do fiscalista na defesa de processos-crime tributários e é desejável que o fiscalista acompanhe o andamento do processo penal.
O risco deve ser gerido de forma integrada, preventiva e contínua, como qualquer outro risco relevante para a atividade. É essencial mapear os principais riscos tributários, estabelecer procedimentos internos de controlo, definir responsabilidades e documentar todas as decisões relevantes.
Que conselho daria a empresas e profissionais de forma a mitigar os riscos nestas áreas?
Prevenção e gestão de risco. Pode começar por algo tão simples como as empresas aprovarem códigos de conduta, mas têm de os dar a conhecer aos funcionários e promover internamente ações de formação, não basta ficar no papel. Há que criar uma cultura de compliance nas empresas, seja qual for a sua estrutura, que seja seguida por todos os funcionários, prevenindo e mitigando riscos.
O risco deve ser gerido de forma integrada, preventiva e contínua, como qualquer outro risco relevante para a atividade. É essencial mapear os principais riscos tributários, estabelecer procedimentos internos de controlo, definir responsabilidades e documentar todas as decisões relevantes. Tanto quem decide (administração) como quem executa (departamentos financeiro e fiscal) devem compreender as implicações legais das suas ações — incluindo potenciais repercussões penais. Diálogo permanente e revisão conjunta de decisões críticas, com o apoio de consultoria externa especializada, pode evitar problemas.
Em termos legislativos, que mudanças considera que possam vir a ter um impacto significativo na prevenção e gestão do risco criminal tributário?
Atualmente, subsiste uma zona cinzenta entre a infração tributária e o crime, nomeadamente em matéria de dolo e quantificação do prejuízo para o Estado. A ambiguidade pode gerar insegurança jurídica, tanto para contribuintes como para advogados e juízes. Uma maior densificação dos conceitos e critérios objetivos no Código Penal e no Regime Geral das Infrações Tributárias seria um passo importante na redução de litígios e na prevenção de condutas de risco.
É também essencial garantir que o contencioso administrativo-tributário e o processo penal não corram em planos paralelos e desconectados. O legislador poderia também prever mecanismos mais eficazes para suspensão do processo contraordenacional e criminal enquanto a questão fiscal de fundo está ainda a ser discutida.
Por fim, mais do que endurecer penas, o foco deve estar na prevenção e na introdução de mecanismos legais mais robustos de autorregularização, que permitam a extinção ou atenuação da responsabilidade contraordenacional ou criminal quando o contribuinte corrige voluntariamente a sua situação fiscal. Para isso, o regime legal tem de prever prazos e formalidades realistas e critérios transparentes — e permitir que essa iniciativa seja reconhecida como uma atenuante relevante.

Integra também a lista de árbitros do CAAD. Como é que equilibra as diferentes funções e de que forma complementam a sua atividade profissional?
Integro as listas de árbitros do CAAD, mas há um impedimento para quem esteja inserido em escritório com arbitragens fiscais pendentes. Como sempre acompanhei clientes em arbitragens fiscais, nunca exerci de facto, até ao momento, como árbitra. Gostaria muito de ter essa experiência um dia, se possível.
Na minha opinião, um profissional completo é aquele que não se cinge ao dia-a-dia do escritório, mas que intervém ativamente, mantendo a sua independência, na academia e na sociedade civil e que se preocupa com as questões de política fiscal, procurando melhorar o sistema. Essa experiência é fulcral, além de enriquecedora, beneficiando o serviço prestado aos clientes.
Com cerca de 14 anos de experiência, que balanço faz do seu percurso?
O balanço é muito positivo. Comecei o estágio a trabalhar em todas as áreas, o que foi muito útil para me formar como uma jurista completa e depois então tive a sorte de integrar escritórios que ofereciam a área de especialização do Direito Fiscal com elevado nível e qualidade, tendo tido a oportunidade de me cruzar com vários profissionais de excelência. Agora na MFA, sinto-me bastante realizada, o projeto e as pessoas têm muito a ver comigo e com o que procuro na profissão.

Qual foi o melhor conselho que lhe deram ao longo da sua carreira?
Foram vários, nem sei por onde começar… O que retenho de todos os sítios por onde passei é o sentido de missão e de excelência. A missão de prestarmos o melhor serviço ao cliente, de sermos o seu parceiro e o de nos superarmos todos os dias. Não salvamos vidas, como os médicos, mas quase. É um trabalho da máxima responsabilidade e trabalhamos todos os dias com esse sentido de responsabilidade.
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“Há que criar uma cultura de compliance nas empresas que seja seguida por todos os funcionários”
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